http://goo.gl/0ggorF
Que argumento o poeta Ferreira Gullar usaria para fazer um jovem se interessar por poesia?
Em entrevista que irá ao ar neste sábado, às nove da noite, no DOSSIÊ GLOBONEWS ( ver post anterior ), Gullar diz que citaria um dos versos que considera mais belos, entre os tantos que nos foram legados por Carlos Drummond de Andrade.
O trecho que Gullar sempre recita como exemplo de beleza é este - de "Tarde Maio":
"Como esses primitivos que carregam por toda parte o
maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio"
Se o locutor-que-vos-fala fosse votar uma hipotética eleição do verso mais bonito, escolheria o "fecho" de A Máquina do Mundo, também de Drummond:. Depois de dispensar a grande dádiva que lhe fora feita - a de desvendar os enigmas da máquina do mundo - o personagem segue adiante, por uma estrada pedregosa de Minas. Alta, altíssima poesia:
(...) baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas".
O próprio Gullar faz uma bela pergunta, num poema que Sérgio Chapelin lê no DOSSIÊ GLOBONEWS: "Onde escondeste o verde clarão dos dias?".
É parte do poema "A Vida Bate":
"Onde escondeste o verde
clarão dos dias?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate.
Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina”
Em entrevista que irá ao ar nas próximas horas, na CNN/Europa,
o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair finalmente pede "desculpas" pelo estupendo erro que cometeu: o apoio incondicional que ofereceu ao então presidente americano George Bush na invasão do Iraque.
Bush, Blair & Cia diziam que Saddam Hussein possuía um arsenal de armas de destruição de massa, o que representaria um perigo para a humanidade. "Peço desculpas pelo fato de que a informação que recebemos estava errada" - diz Blair.
Sites de jornais ingleses antecipam a transcrição da entrevista e dão manchete às declarações do ex-primeiro ministro:
http://goo.gl/z2ozFG
Dou uma volta nos sites de jornais brasileiros. Neca de pitibiriba. Acordem, plantonistas!
O Independent informa que a declaração de Blair - agora antecipada - é parte de um especial que só irá ao ar na terça-feira, sobre a invasão do Iraque.
Blair chegou ao poder como uma grande promessa de liderança
( meninos, eu vi: estava lá. Dava para sentir no ar a "euforia" que cercou a chegada do trabalhista Blair ao poder, depois de anos sob a liderança sem carisma do conservador John Major).
Disse uma frase bonita - algo como "sinto a mão da História tocando meu ombro".
Veio a invasão do Iraque. Blair pisou num atoleiro. Vai passar o resto da vida tentando explicar o que fez, como e por quê.
Faz tempo, perguntei ao poeta Ferreira Gullar qual o verso que ele escolheria como um exemplo de beleza. E me lembro que ele citou um de Carlos Drummond de Andrade:
"Como esses primitivos que carregam por toda parte o
maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio"
Agora, quase três décadas depois, numa entrevista que irá ao ar na semana que vem, no DOSSIÊ GLOBONEWS ( dia 31, sábado, às nove da noite ), Gullar cita de novo esta passagem de "Tarde de Maio" - um dos tantos versos imortais que Drummond legou ao Brasil.
( Gullar acaba de lançar uma "Autobiografia Poética e Outros Textos", pela Editora Autêntica. Vale ver a entrevista. Aos 85 anos, Gullar confessa que não conseguiu encontrar respostas para os enigmas da existência ).
Por falar em versos belos: poesia, claro, não é ciência exata. Eu apostaria que vão se passar décadas e décadas antes que surja um poema de beleza tão devastadora e tão incandescente quanto "A Máquina do Mundo" - de Carlos Drummond.
O personagem do poema ( quem sabe, o próprio Drummond ) caminha sozinho por uma estrada pedregosa de Minas quando - de repente - a decifração do mistério do mundo se ofereceu a ele:
(...) "e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana".
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O que faz o poeta? Dispensa a oferta e segue adiante, solitário, pela estrada pedregosa. O final do poema:
(...) baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas".
Dono de ouvidos atentos ao que vai pelo ar, o amigo
( e jornalista ) Claudio Renato Passavante ficou impressionado com a quantidade de "tá" e "tão" pronunciados em reportagens televisivas. Por algum motivo insondável, estão tentando revogar o "está" e "estão".
Num momento de inspiração, Cláudio batizou o fenômeno de "tataísmo".
Excelente definição!
O "tataísmo" vai se disseminando.
Cláudio diz que o tataísmo pode ser prevenido: é só tomar a vacina anti-tatábica.
Publicado no site do Estado S.Paulo ( estadão.com.br ), no blog de cinema do crítico Rodrigo Fonseca. Descontada a referência exagerada ao locutor-que-vos-fala na abertura, a entrevista foi uma chance de dizer duas ou três coisas sobre a Geleia Geral Brasileira e sobre a Fome de Imagem:
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A Cinemateca do MAM, na curadoria do crítico Ricardo Cota, exibe um dos títulos mais aclamados da recém-finada Première Brasil: Cordilheiras no Mar: A Fúria do Fogo Bárbaro, do pernambucano Geneton Moraes Netto – um filmaço com “F”. Laureado com uma menção especial no encerramento do Festival do Rio, há uma semana, o longa-metragem é centrado em uma reflexão histórica (e estética) sobre a aproximação entre o diretor Glauber Rocha (1939-1981) e os militares nos anos 1970. Ícone do telejornalismo, com um rol de entrevistas lendárias em seu currículo, Geneton também tem cinema nas veias, de genes glauberianos, a partir dos quais ele desenvolveu uma linguagem multifacetada entre dança, recital, entrevista e imagens de arquivo, sendo cada um desses vértices alinhavados por uma ironia política das mais vulcânicas.
Em Cordilheiras no Mar, Geneton resgata depoimentos comoventes de autoridades da crítica e da análise cinematográfica (entre eles está um papa do documentário: Jean Rouch) esquadrinhando a vitalidade do pensamento do diretor de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) para a redescoberta da América Latina pelas veias abertas do cinema. “Nossa cultura é a macumba, não a ópera”, diz Glauber no filme, que escalou o ator cearense Cláudio Jaborandy para declamar pensamentos do cineasta mais famoso da Bahia. Aparecem ainda em cena atores como Paulo César Peréio, Ana Maria Magalhães e Aderbal Freire-Filho a declamar ensaios sobre arte e governança. Entre os entrevistados, está a nata do Cinema Novo: Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos e Zelito Vianna. Fala ainda o cantor e compositor Jards Macalé, grande amigo de Glauber.
Na entrevista a seguir para o P de Pop, Geneton fala de suas opções narrativas e de sua conexão com a arte cinematográfica.
De que maneira as conexões e sinapses de Glauber, acerca da movimentação militar nos tempos da ditadura, incendiou os debates sobre liberdade de expressão e sobre preservação ideológica na seara cultural brasileira dos anos 1970?
GENETON MORAES NETO – É claro que um artista como Glauber Rocha não pode – nem deve – ser julgado de acordo com os “cânones” partidários e ideológicos “tradicionais”, porque ele transcende os pobres limites destes territórios. Glauber não existiu para demarcar fronteiras ideológicas, mas para implodi-las. Não por acaso, terminou patrulhado, atacado, pichado, crucificado por ter apostado numa saída possível num momento dramático para o Brasil: não se deve esquecer que o país vivia sob o horror de tempos sufocantes, ali entre o final do governo Médici e o início do governo Geisel. Glauber Rocha teve uma informação privilegiada nos bastidores: nomes emblemáticos da esquerda, como o ex-governador Miguel Arraes e o ex-presidente João Goulart, disseram, pessoalmente, a Glauber que o general Geisel proporia uma espécie de abertura política. O que fez Glauber? Sem as “amarras” partidárias, botou a boca no trombone. Provocou rachas e polêmicas entre a esquerda. Historicamente, ele tinha razão. Não custa lembrar que o ambiente era sufocante. A luta armada tinha fracassado. O que Glauber fez? Apostou num aceno, numa possibilidade de saída para o sufoco. A atitude de Glauber – curiosamente – trazia uma mistura de realpolitik com delírio. Acreditava que militares nacionalistas poderiam ser protagonistas de um projeto político para o Brasil. Como bem lembra um dos entrevistados do nosso documentário, Glauber fez a declaração de apoio ao projeto de Geisel/Golbery na esperança de que houvesse um debate. Mas, como lembra Jânio de Freitas no documentário, não havia clima para debate.
E seria possível associar Glauber a ideologias partidárias?
GENETON – Eu disse que não se pode enquadrar Glauber de acordo em figurinos partidários e ideológicos. Mas quero chamar a atenção para um “perigo”: não se deve olhar para Glauber Rocha como se ele fosse uma entidade à parte e um alienígena. Não! Isso é uma visão equivocada, excludente e pobre. Glauber Rocha era, sim, um grande artista brasileiro – uma inteligência fulgurante, reluzente, incendiária que não cabia apenas no cinema. Fez um bem enorme ao país: com tintas até dramáticas, mostrou como é importante pensar livremente sobre o Brasil, imaginar destinos bonitos, originais e gloriosos para o país. Não é pouco.
Que fascínio Glauber exercia sobre o senhor durante sua formação, nos anos 1970? Como ele influenciou seu desejo de ser cineasta?
GENETON – Como faço coisas para a tevê, de vez em quando me perguntam se meu trabalho como documentarista vem de minha experiência televisiva. É exatamente o contrário. Participei ativamente do movimento do cinema Super-8 do Recife, na segunda metade dos anos setenta. Cheguei a receber prêmios em festivais nacionais. Faz pouco tempo, postei no YouTube alguns desses curtas – como este, realizado no Recife em 1978:
https://www.youtube.com/watch?v=qSzAY2FgzAI
Glauber Rocha era, para mim, um ídolo desde que li, nestes tempos do Super-8, textos como o da Estética da Fome e os ensaios de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro. Eu me lembro que o exemplar de Revisão… que li estava gasto, com a capa rasgada. O livro, possivelmente, me foi emprestado pelo hoje roteirista Amin Stepple. Era uma espécie de “guru” do nosso grupo. Tinha – e tem – um olhar ferino sobre o estado geral das coisas – inclusive, claro, sobre o cinema. Deixei o Recife em direção a Paris por puro espírito de aventura. Pedi demissão do emprego estável que tinha – por coincidência, a sucursal do Estado de S.Paulo que hoje abriga este blog… Fui repórter da sucursal por cinco anos. Terminei estudando Cinema em Paris. Meu projeto de tese – Cinema e Subdesenvolvimento: o Caso Brasileiro – foi aceito na Universidade de Paris I / Sorbonne. Eu ia usar os filmes de Glauber para discutir o seguinte: um país economicamente subdesenvolvido pode produzir um cinema esteticamente desenvolvimento? Mas descobri que não tinha a menor vocação acadêmica. Jamais enfrentaria a maratona de escrever uma tese. Deixei o curso depois de frequentar os seminários do primeiro ano. O que eu queria era pegar uma câmera e filmar. Minha fome era de imagem.
Como foi seu encontro com Glauber na França?
GENETON – O impacto do encontro que tive com Glauber Rocha em Paris, numa manhã cinzenta de inverno, durante uma sessão especial do filme A Idade da Terra para críticos franceses, foi enorme. Trato do assunto no filme. Glauber reagiu com entusiasmo ao se encontrar, ali, com dois estudantes brasileiros: eu e Marcos de Souza Mendes – que seguiu carreira acadêmica e terminou ensinando cinema na Universidade de Brasília. Eu saí da sessão com fome de cinema. Poucos meses depois, depois de ouvir boatos desencontrados, li no Le Monde a notícia de que ele tinha morrido em Portugal. Fiquei chocado. Desde então, tinha uma dívida comigo mesmo e com Glauber: queria dar um destino a tudo o que pensei em fazer sobre ele ( a tese, o filme etc. etc. ). Fico feliz com o resultado. Cordilheiras no Mar ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival Ibero-Americano Cine Ceará e uma menção honrosa do júri do Festival do Rio. A noite da exibição no FestRio foi mágica. Acontece “uma vez na vida”: lá estavam, na plateia, entre outros, Caetano Veloso, Paulo César Peréio, Othon Bastos, Luiz Carlos Barreto, Ana Maria Magalhães, Ney Matogrosso, o ex-ministro João Paulo dos Reis Veloso, Jaguar, Cláudio Jaborandy (que dá um show particular “encarnando” Glauber Rocha no filme ), Hamilton Vaz Pereira, Helio Eichbauer, Dedé Veloso, Antônio Pitanga, Paloma Rocha e Joel Pizzini (autor do belo curta Mar de Fogo, sobre como Mário Peixoto concebeu o mítico Limite). Minha “dívida” estava paga.
De que maneira, com suas medidas em relação a Golbery, Glauber transcendeu sua condição de artista da imagem?
GENETON – O fogo de Glauber transcendia os limites da tela. Serge Daney, então editor-chefe do Cahiers du Cinema, disse a mim, na entrevista que fiz com ele para a tese que nunca escrevi sobre Cinema & Subdesenvolvimento, que a influência de cineastas como Glauber Rocha não se dá apenas através dos filmes que eles fazem mas também – e principalmente – por atitudes extracinematográficas. É provável que Serge Daney tenha razão. Glauber pensava em política o tempo todo. A capacidade (e, por que não? – a coragem) de pensar sem amarras provoca sempre reações, choques, desconfianças e, no extremo, pedradas. Há uma declaração de Glauber que, creio, resume a gênese do que ele pensava e corrige equívocos dos que, rasteiramente, o acusam de “adesão” aos militares: “A ideologia não me interessa como escapatória ou certificado de boa consciência. Minha ideologia é um movimento contínuo em direção ao desconhecido – o qual não exclui minha luta contra o imperialismo, o fascismo e outras deformações políticas”. O avanço do pensamento progressista não é linear, nunca foi, não pode ser. Pelo contrário: o pensamento progressista brasileiro é movido, também, por atalhos, por aparentes contradições, por delírios, por apostas, por riscos, por mistérios, por sutilezas. Glauber encarnava, em maior ou menor grau, esse caldeirão. É assim que a História se move.
E você, em que grau encarna o caldeirão do cinema?
GENETON – Você pergunta se Glauber marcou minhas “pretensões de ser cineasta”. É claro que marcou. Mas devo dizer que não me considero exatamente um cineasta – no sentido profissional da palavra. Já fiz quatro longas – todos, originalmente, para televisão (Globonews e Canal Brasil), mas realizo meus filmes num “universo paralelo”: não corro atrás de patrocínios, nunca concorri a editais. O orçamento é o básico dos básicos. Se os filmes fossem lançados “comercialmente”, seriam exibidos em “horários alternativos”. Exibidos em tevê, atingem um público que eu não imaginaria alcançar no circuito. Em suma : o que tento fazer, na medida do possível e do impossível, é produzir beleza e memória. Bem ou mal, já registrei em meus documentários os relatos de Caetano Veloso e Gilberto Gil – e também de Jards Macalé e de Jorge Mautner – sobre os tempos de exílio, em Londres (em Canções do Exílio); a palavra do maior repórter brasileiro, Joel Silveira (em Garrafas ao Mar: A Víbora Manda Lembranças); os depoimentos dos onze jogadores brasileiros que perderam a Copa de 50 (em Dossiê 50: Comício a Favor dos Náufragos). Eu me “reconheço” mais nestes documentários do que em qualquer outra coisa que eu tenha feito ou venha a fazer em tevê. Acidentalmente, meus documentários passam na televisão. Faço meus documentários da mesmíssima maneira que faria se eles fossem produzidos para exibição nas salas. O meio não determina a forma nem o conteúdo. A bem da verdade, minha relação com tevê – fora dos documentários – é acidentada. Não sou um bicho televisivo. Nunca fui. Nunca tentei ser. Não é o meu veículo. Nunca foi. A recíproca é verdadeira! A tevê já mandou para o lixo coisas que fiz – uma atrás da outra, em série. Ou seja: a rigor, já recebi meu veredicto. Não quero ser “dramático”. É saudável encarar as coisas como são. Queria ter voltado para a imprensa escrita. Não consegui quando tentei. A época era de crise – como agora, aliás. Como não pude voltar para a “imprensa escrita”, passei a me dedicar com mais frequência aos documentários. E assim vou tocando meu realejo desafinado. É melhor do que nada.
Vou ser ligeiramente indiscreto. Passo adiante duas "piadas internas" de tevê. "Matéria O.S.G" é aquela em que o repórter fica dizendo "olha só, gente; olha só, gente!".
E "repórter Varig" é aquele que só pensa em passagem ( aos não-iniciados em tevê: "passagem" é aquele trecho da matéria - muitíssimas vezes, dispensável - em que o repórter fala diretamente para a câmera ).
Nem todo mundo é assim, claro, mas há casos em que, quando sabe que vai fazer uma determinada matéria, o repórter logo pergunta: "Onde vai ser a passagem? ".
Varig, Varig, Varig.
O poeta Gregório de Matos escreveu, no século XVII,
uma "Oração" que, em versos bonitos, fala da vida frágil:
"Já sei que a flor da formosura / usura / será no fim desta jornada / nada"
José Miguel Wisnik musicou os versos de Gregório de Matos. Wisnik e Caetano Veloso interpretam.
Beleza cintilante.
E uma pitada de filosofia barata no encerramento dos trabalhos: o que é que a Arte pode fazer de útil além de criar beleza pelos séculos afora?
Já basta.
Sou de uma geração que devorava os exemplares do Pasquim.
Eu me lembro dos tempos da faculdade, ali na segunda metade dos anos setenta. O Pasquim - pelo menos para os não "alienados" - era leitura obrigatória.
Duvido que uma redação daquele quilate alguma dia volte a se reunir nas páginas de um jornal ( ou no território impalpável de um site): lá estavam Paulo Francis, Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Jaguar, Ziraldo, Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Fausto Wolff. Eu lia de cabo a rabo. Tempos depois, já no Rio, depois de dar adeus ao verde do mar do Recife, tive a chance de conhecer alguns dos titulares daquele time de "ídolos" de papel.
Não faz tempo, dei uma lida em duas antologias de material publicado pelo Pasquim. A sensação permanece. Duvido que escrete igual volte a se reunir.
Não quero dar uma de "saudosista". Não sou. Mas, diante de bancas de revista hoje povoadas por multi-exemplares do chamado "jornalismo endocrinológico"
( ou seja: aquele que se ocupa de dietas e coisas do tipo ), meus radares interiores emitem sinais inequívocos de tédio e desalento.
Gravei um depoimento de Jaguar para o documentário que fiz sobre Glauber Rocha. A relação de Jaguar com Glauber era acidentada, para dizer o mínimo ( detalhes do imbroglio estão no "Cordilheiras no Mar" - que será exibido na próxima quarta, dia 21, às sete da noite, na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, em sessão-debate. Em janeiro, o filme chega às telas da tevê - no Canal Brasil ).
Jaguar - gênio do cartum e um dos meus ídolos das páginas pasquinescas - compareceu a uma sessão especial do filme, no FestRio. Diga-se que Glauber ataca Jaguar no documentário. Jaguar se defende. Tentei fazer o dever de casa jornalístico: "ouvir os dois lados".
Minutos antes do término do filme, Jaguar se levanta e, discretamente, vai embora - sozinho. Vou confessar: fiquei "embatucado". Jaguar teria se sentido "agredido" ou "injustiçado"? O que teria acontecido? Passei vinte e quatro remoendo dúvidas amargas.
Terminei ligando para o homem. Jaguar disse que não, não tinha acontecido nenhum desastre: preferiu sair pouco antes porque sentiu que o filme caminhava para o final. Tirei um peso das costas.
Tive uma surpresa: Jaguar disse que, naquele exato momento, estava escrevendo um artigo sobre Glauber Rocha e sobre o Cordilheiras no Mar. O texto saiu - na edição de sábado do jornal O Dia.
Entre mortos e feridos, aparentemente todos escaparam nesse tumulto de versões, suposições e desencontros. Se o assunto é Glauber Rocha, não poderia ser diferente.
Aqui, o artigo completo de Jaguar:
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Quem matou Glauber?
Glauber sempre namorou o ‘Pasquim’, e vice-versa. Quando vinha ao Rio, passava horas na redação
JAGUAR
Rio - Glauber sempre namorou o ‘Pasquim’, e vice-versa. Amicíssimo do Tarso e do Maciel, editores do jornal, e de Caetano, contumaz colaborador. Quando vinha ao Rio, passava horas na redação. Sempre no seu estado habitual — em ebulição. Como nosso correspondente em transe, digo, trânsito, mandava ótimas matérias, como uma genial entrevista com Gabriel García Márquez. Lembro-me de um artigo que foi publicado quando a patota da redação estava na Vila Militar, vendo o sol nascer quadrado.
Vários jornalistas e intelectuais se comprometeram a fazer o jornal chegar às bancas enquanto estávamos em cana. Glauber foi um deles. Transcrevo trechos de um artigo publicado em dezembro de 1970: “Eu estava em Roma quando li o primeiro número d’‘O Pasquim’. Ele entrou na minha vida e realmente foi um barato chegar aqui e reencontrar a patota alegre, falando e mandando brasa, removendo detritos de uma cultura subdesenvolvida (...). Num país que tem o ‘Pasquim’ tudo pode acontecer.” Foi generoso comigo: “Jaguar inventou o Sig para felicidade da minha mulher.” E, como no samba, íamos vivendo de amor até que um dia me apresentou os originais de um livro que, segundo ele, seria o maior sucesso da Codecri, a editora do ‘Pasquim’. O título: ‘Golbery, gênio da raça’. Fui curto e grosso: “Um livro elogiando o inimigo? Nem que a vaca tussa!” No dia seguinte ligou para o ‘Pasquim’ dizendo que ia me dar um tiro. O livro não saiu (nem o tiro), e me pergunto que fim levou aquele texto.
Eis que Geneton Moraes Neto resolveu fazer um documentário sobre Glauber com um título insólito: ‘Cordilheiras no Mar — A fúria do fogo bárbaro’. O Geneton é um cara que admiro, um cineasta tinhoso. Fui à sessão do filme para convidados. Gostei. Com depoimentos de Cony, Maciel, Flávio Tavares, José Almino, Barretão, Janio de Freitas, Jabor, Nelson Pereira dos Santos, Orlando Senna, Caetano, Macalé, Fagner, Arraes, Reis Velloso e Julião, um time da pesada. E até eu, contando a história do livro. Aninha Magalhães, Pereio e Aderbal Filho declamam tiradas de Glauber. Jaborandy interpreta o gênio da raça baiana e seus exageros. Barretão diz que ele foi vítima de um assassinato cultural.
E Cacá Diegues acusa o ‘Pasquim’ de ter espalhado a notícia de que Glauber teria recebido 50 milhões de dólares (!) para filmar as passeatas estudantis para a polícia. Se fosse verdade, que filmaço ele teria feito com esse orçamento! Mas não é. Para quem quiser conferir, a Biblioteca Nacional tem a coleção completa do jornal.
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( a foto é de Fernando Souza: Jaguar chegando à sessão do Cordilheiras no Mar ).
Marcelo Rubens Paiva acaba de lançar o ( belo ) livro "Ainda Estou Aqui", em que trata não apenas do drama que a família enfrentou depois do desaparecimento do ex-deputado mas também da doença da mãe, a advogada Eunice Paiva, acometida do Mal de Alzheimer.
Um trecho da entrevista:
"A morte do meu pai não tem fim. Pode agora à tarde ser revelado um documento que mostre alguma novidade. Pode aparecer amanhã um sujeito que diga: "Enterrei Rubens Paiva na Barra da Tijuca" ou "levei o corpo esquartejado de Rubens Paiva para um cemitério no Xingu". A cada ano, aparece uma nova testemunha, aparece um novo documento. É um grande mistério que nunca é solucionado".
GMN: Se tivesse a chance de se dirigir a alguém envolvido no desaparecimento de Rubens Paiva, o que é que você diria a ele?
Marcelo Rubens Paiva: "Venha a público! Venha contar o que aconteceu. Seja brasileiro. Venha recontar a história do Brasil. Ajude-nos a recontá-la! Onde estão estes torturadores? Terão coragem de andar na rua ou de pedir desculpas? É o que falta ao Brasil: as pessoas virem a público!"
"Não adianta ficar defendendo a ditadura. Aquilo foi um crime, um absurdo. Venha a público. Venha dizer: "Desculpe! Quero pedir desculpas à sociedade brasileira". Faz bem pedir desculpas. Estamos precisando desse pedido de desculpas - que não veio ainda! A Lei da Anistia perdoou os dois lados, mas o pedido de desculpas não veio".
"Cadê um militar para limpar esse passado e honrar essa instituição maravilhosa que fez tanto bem ao Brasil e é tão importante para o país? Devemos nos orgulhar da instituição militar. Onde estão eles para dizer: "Desculpem, nós erramos".
O Exército é heroico ao nos defender da violência dos grandes eventos. Venham a público para dizer: "Erramos nesse período!".
Gosto de ler as aventuras do Exército brasileiro. Gosto de saber saber da participação do Exército brasileiro na luta contra o nazifascismo na Europa e suas heroicas batalhas. Sei que muitos militares defenderam o governo de João Goulart. Eu sempre soube separar aquela gangue de militares golpistas e fascistas da beleza que foi a instituição".
( foto: Aldrin Luciano Gazio )
Emocionado com a crítica de Luiz Carlos Merten, no site do Estadão, ao nosso documentário sobre Glauber Rocha - "Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro", exibido esta semana no Fest Rio ( a Cinemateca do MAM exibirá o filme no dia 21, às sete da noite, com debate. A voz de Glauber agita de novo o arraial! Em breve, detalhes sobre a sessão no MAM ).
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Festival do Rio (6)/Acorda, Brasil!
LUIZ CARLOS MERTEN
07 Outubro 2015 | 09:50
RIO – Vi ontem à tarde o duplo formado pelo curta Mar de Fogo, de Joel Pizzini, e pelo longa Cordilheiras do Mar – A Fúria do Fogo Bárbaro, de Geneton Moraes Netto. Na apresentação de seu filme, Joel disse que estava muito feliz por integrar um programa que privilegiava dois gênios do cinema de invenção do Brasil, Mário Peixoto e Glauber Rocha. Já tinha visto e gostado de Mar de Fogo em Berlim, mas ontem gostei mais ainda. E até gostaria de ter me dado mais uma chance de gostar do mítico Limite, que passou à noite no Centro Cultural da Caixa, mas era o horário de O Maravilhoso Boccaccio e eu estava louco para ver o filme dos irmãos Taviani – que amei. Quem me acompanha sabe que não sou devoto de ‘são’ Mário Peixoto. Mas ontem, mais que nunca, tive a sensação de que o cinema é uma quimera e Limite, um oásis, um sonho de cinema. Rever aquelas imagens e o Mário falando da gênese do filme – a mulher, as algemas, o mar de fogo. E, de repente, Mário entusiasma-se e emociona-se descrevendo uma cena do próprio filme, como se ele não existisse e fosse uma construção ficcional, nunca concretizada, de sua cabeça. O Limite que os outros tanto amam não será, para mim, que não entro no mistério daquelas imagens, uma ilusão? Mal tive tempo de divagar nessas sensações porque logo em seguida explodiu na tela do Odeon – Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro ‘a fúria do fogo bárbaro’. Glauber, o vulcão. Ele próprio e interpretado por Cláudio Jaborandy, a quem encontrei em frente ao cinema – e devo reencontrar hoje à tarde, na mediação do debate sobre Nise, de Roberto Berliner, no Odeon. Cordilheiras do Mar promete desencadear polêmicas na estreia. Como Betinho, de Victor Lopes, é outro filme urgente, que nos propõe discutir e entender a atualidade política brasileira. Outro olhar sobre nossa frágil democracia, eterna esperança equilibrista. Nos anos 1970, Glauber proclamava que confundiam sua loucura com sua lucidez, ou vice-versa, e celebrava Golbery do Couto e Silva como gênio da raça. O filme é sobre Glauber como pensador político, apoiando os militares ‘progressistas’. Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, todos contam seu encontro em Paris com João Goulart e de como Glauber ouviu do próprio ex-presidente que a abertura viria através de Ernesto Geisel, que representava a retomada do poder pelo grupo militar (‘legalista’, como?) de Castelo Branco. O cinema de Glauber era épico e ele via a si mesmo como um de seus heróis, com Jango e Geisel. O filme começa com um poema do próprio Geneton – ‘Acorda, Glauber! Acorda, Carlos Drummond! Já estou vendo dois mil e 20, dois mil e 30, dois mil relâmpagos riscando as cordilheiras! Só a miragem nos salva, só a miragem é real!’ Ana Maria Magalhães, Aderbal Freire Filho e Paulo César Pereio recitam o poema. Gosto de dizer – meu amigo Dib Carneiro diz que é para causar – que o desfecho de A Queda do Império Romano é a cena mais glauberiana que Glauber não filmou e, se ele não viu o épico de Anthony Mann em Cannes, no ano de Deus e o Diabo, alguém viu e lhe contou, porque é a gênese de Terra em Transe. Vou agora retificar. A abertura operística de Cordilheiras do Mar é super-glauberiana – a mais glauberiana que Glauber não filmou? O mesmo tom épico das falas de Tarcísio Meira em A Idade da Terra. E o filme tem momentos de gênio – o gênio de Glauber que vira o gênio de Geneton, por que não? Glauber acertando suas contas com Pier-Paolo Pasolini, com Jean-Luc Godard. Estou, como se diz, pasmo.
Aviso aos navegantes: o Meteoro Glauber Rocha bate na tela do FestRio para espalhar faíscas! Vale a pena ouvi-lo. Nunca foi tão necessário como nestes tempos de intolerância política e patrulhagem ideológica de todos os tipos.
"CORDILHEIRAS NO MAR; A FÚRIA DO FOGO BÁRBARO", nosso documentário sobre Glauber Rocha, vai ser exibido, em "sessão debate" no Cine Odeon, na Cinelândia, a uma da tarde desta terça-feira - com participação dos cineastas Vladimir Carvalho e Orlando Senna e mediação de Renée Castelo Branco.
Atenção, rapaziada interessada em cinema e em Brasil: eis aí uma excelente chance de trocar idéias com duas feras do cinema - Vladimir e Senna - sobre o fogo glauberiano. O locutor-que-vos-fala estará lá.
CORDILHEIRAS NO MAR toca num ponto polêmico - que até hoje rende saudáveis bate-bocas, como aconteceu no Festival do Ceará: o apoio de Glauber ao projeto de abertura política dos generais Ernesto Geisel & Golbery do Couto e Silva. Glauber Rocha nunca passa em branco: sempre dá o que pensar, o que falar - e o que desejar para o Brasil.
O roteiro das sessões do documentário sobre Glauber:
Dia 5: segunda-feira, 18h:
Cinépolis Lagoon - Av. Borges de Medeiros, 1424. Lagoa. Sessão para convidados. Os ingressos que não forem retirados pelos convidados ficarão disponíveis para venda meia hora antes da exibição.
Dia 6: terça-feira, 13h:
Cine Odeon - Praça Floriano, 7, Cinelândia. Centro. Sessão seguida de debate com o diretor Geneton Moraes Neto , Vladimir Carvalho (um dos maiores documentaristas brasileiros) e Orlando Senna. Mediação de Renée Castelo Branco.
Dia 7: quarta-feira, 14h e 19h, Kinoplex São Luiz 1 - R. do Catete, 311. Catete.
Um "aperitivo" do Cordilheiras no Mar:
https://goo.gl/89zS9A
E, conforme já foi dito aqui, a GLOBONEWS participa ativamente do FestRio, com exibição de documentários produzidos e exibidos pelo Canal, debates, mesas redondas. Quer participar - por exemplo - de conversas com Fernando Gabeira ou ver documentários sobre temas como intolerância religiosa ou sobre o mundo retratado no poeta Morte e Vida Severina ? É só se inscrever!
( o locutor-que-vos-fala participa de Mostra Globonews com o documentário BOA NOITE, SOLIDÃO, rodado este ano no sertão de Pernambuco: exibição no domingo, às sete e meia da noite. Endereço da Mostra Globonews: avenida Rui Barbosa, 762, Flamengo ).
A programação completa da Mostra Globonews no FestRio pode ser vista aqui:
http://goo.gl/wlev3j
Partiu FestRio!