dezembro 26, 2014

DARCY RIBEIRO : AOS OLHOS DE UMA CRIANÇA, A ESCOLA PÚBLICA É UMA CASA QUE REPRESENTA O ESTADO. ASSIM, O ESTADO TEM TODA A OBRIGAÇÃO DE OFERECER UMA ESCOLA PÚBLICA DECENTE ( VALE OUVIR O QUE ELE DIZIA: NESTE DOMINGO, ÀS 23:30, NA REPRISE DO PROGRAMA ABERT

Há mil e trezentos motivos para que o Estado ofereça às crianças do país um ensino público de boa qualidade.
Um motivo que pode até parecer singelo foi citado pelo grande Darcy Ribeiro numa entrevista ao histórico programa ABERTURA - que será reapresentada, neste domingo, às 23:30, no Canal Brasil:
aos olhos das crianças, dizia ele, a escola pública é como se fosse uma casa que representa a imagem do Estado.
( Bela e sábia constatação deste brasileiro que sonhava grandezas para o Brasil: a Escola pública precisa ser uma casa que o Estado oferece às crianças ! ).
Ao oferecer escolas precárias, o Estado estará traindo uma das necessidades mais básicas de toda criança: o de ter um teto seguro, capaz de protegê-la das intempéries da ignorância e do abandono.
Três décadas depois, a entrevista completa do genial Darcy Ribeiro vai ser reapresentada dentro da série de reprises especiais do programa ABERTURA - que, não por acaso, marcou época. Vale ver o que ele tinha a dizer.

O que Darcy Ribeiro fala não perdeu a atualidade nunca.
Em outro trecho da entrevista, Darcy Ribeiro diz que os administradores precisam ter um "certo grau de irresponsabilidade" na hora de imaginar o que deve ser feito. Não falava de irresponsabilidades destrutivas, claro, mas daquela fagulha que o fazia, por exemplo, criar os Cieps ( escolas que prometiam educação em tempo integral para tirar as crianças pobres das
ruas ) ou imaginar um Sambódromo para o Rio de Janeiro.
( Uma "nota pessoal": uma vez, tive a chance de passar uma tarde no apartamento de Darcy Ribeiro, em Copacabana. Cheguei com meu velho gravador e um punhado de fitas cassete.
Tinha ido entrevistá-lo. Quando ele falava, espalhava entusiasmo em volta.
Lá pelas tantas, voltou a dizer que se orgulhava dos fracassos que colecionara ao longo das vida. Tentara salvar os índios, tentara criar uma universidade decente, tentara fazer reforma agrária. Dizia que tinha fracassado em tudo, mas detestaria estar no lugar dos que venceram. Belos fracassos!
Depois, exclamou: "Eu não mereço morrer!". Brincava: dizia que queria ser coroado logo imperador do Brasil, para realizar seus sonhos brasileiros.
Transcritas, as palavras que ouvi de Darcy Ribeiro naquela tarde que, para mim, foi luminosa preencheram cerca de setenta "laudas" - era assim que se chamavam as folhas em que eram datilografadas as matérias que os repórteres escreviam. Darcy era caudaloso, épico, exclamativo. Pertencia à tribo de um Glauber Rocha: setenta páginas! Um pequeno trecho foi publicado na finada e saudosa edição de papel do Jornal do Brasil. Ah, a velha ditadura do espaço nos jornais e do tempo na TV!
Pretendo, um dia, publicar - quem sabe, num pequeno livro- a íntegra do que ele disse. Nunca é demais passar em revista as palavras de um brasileiro que sonhava que o Brasil poderia virar uma Roma dos Trópicos - o território de uma civilização que diria palavras novas ao mundo.
Terminada a entrevista, eu disse que ele deveria ter orgulho de ter feito - ou tentado - tanta coisa pelo Brasil. Darcy não quis concordar: calculou que teria pela frente uns dez anos de vida útil. Não era tanto tempo. Disse que trocaria de bom grado tudo o que tinha feito no passado pelo tempo de vida que o repórter, bem mais jovem, teria pela frente. Eu disse que não, a troca poderia não valer a pena. E ele insistiu que sim :se pudesse, faria a troca. Terminou me ofertando uma bela dedicatória: "Quer trocar o meu passado pelo seu futuro?" ).
Darcy Ribeiro era um cometa que emitia luzes a léguas e léguas e léguas e léguas da mediocridade. Que grande falta faz ao Brasil de hoje e ao Brasil de sempre!

Posted by geneton at 01:35 PM

dezembro 23, 2014

2015 SÓ PRECISA DE UMA "CAMISA LAVADA E CLARA". É MAIS DO QUE SUFICIENTE! ( OU: PEQUENO DISCURSO A FAVOR DA OPÇÃO PREFERENCIAL PELO DESPOJAMENTO )

Deus, se existe, certamente não é perfeito, pelo seguinte motivo: tudo indica que em 2015 assuntos insuportabilissimamente chatos continuarão se infiltrando por nossos indefesos canais auditivos, como ervas daninhas. A saber: novela deve ou não ter beijo gay?; maconha deve ou não ser liberada?; alguém seria capaz de ver um programa de Xuxa para adultos? etc.etc. Sobre o "beijo gay": tanto alarido termina transformando um mero gesto de carinho entre dois adultos numa "excentricidade" horrorosa que mereceria ser discutida a sério em jornais. Ora, cada um que beije quem quiser - como, onde e quando achar conveniente, desde que não perturbe a vida alheia. Ponto. Próxima discussão, por favor. Sobre a maconha: cada um que se entupa de fumaça como, quando e onde quiser, mas ninguém precisa ficar fazendo proselitismo ou malabarismos verbais para justificar a preferência. Ninguém precisa fazer de conta que o dinheiro, no fim das contas, "não alimenta o tráfico". É obvio que alimenta. A quem ele alimentaria?
Pequenas e inúteis previsões para 2015: é certo que o desfile de horrores prosseguirá "a todo vapor". A praga dos penteados horrorosamente ridículos dos jogadores de futebol se expandirá
( quem começou esta onda mereceria uma vaga no banco de réus num Tribunal de Nuremberg redivivo!); gente "famosa" posará diante de mesas de café da manhã fake em revistas de "celebridades"...Já calculei: a cada vez que uma foto dessas é tirada, a Humanidade dá, exatamente, 3.480 passos para trás. É só fazer as contas. Atrizes patologicamente obcecadas com a balança gritarão aos quatro ventos que já perderam dez quilos - como se houvesse, no planeta, alguma ameba de fato interessada em tal contabilidade. Peruas arriscarão a saúde injetando silicone pelo corpo. Depois, desfilarão suas deformações como se fossem troféus. Ficará sempre a dúvida: por que gastam dinheiro com cirurgiões, em vez de pagar a um psicanalista ou, alternativamente, procurar um padre disposto a ouvir suas baboseiras num confessionário? ( em algum lugar do planeta, a lindíssima Charlotte Rampling continuará se recusando a fazer cirurgias que disfarcem o envelhecimento. Charlotte é que é mulher de verdade ).

Alguém já notou, mas vale o registro: o que dizer desta onda de dentes branquíssimos, milimetricamente enfileirados e, portanto, escandalosamente falsos que ornamentam o focinho de tanta gente hoje em dia? Os dentistas autores dessas "obras-de-arte kitsch" continuam soltos? Que grande cena de humor involuntário é esta? Os donos de tais fileiras de dentes ficam parecendo bonecas e bonecos de porcelana - só que capazes de emitir grunhidos. É claro que cada um faz o que quer - mas custava tanto poupar olhos e ouvidos alheios de tanto horror? Ah,sim: idiotas escondidos atrás de vidros escuros continuarão avançando o sinal com seus carrões do ano - como vi ainda há pouco.
A lista de assuntos insuportabilissimamente chatos seria suficiente para preencher uma enciclopédia. Não vale a pena. Cometi os parágrafos anteriores por pura falta do que fazer. É claro que 2015 será um ano glorioso! Porque o melhor de tudo estará sempre ao alcance da mão: um quarto minúsculo; um velho ar-condicionado para espantar os horrores do calor; TV, rádio e computador solidamente desligados e, ao alcance da mão, comprável por um punhado de reais em qualquer sebo, maravilhas como A Montanha Mágica, O Leopardo, Quarup, A Pedra do Reino, a lista não teria fim.
Digo de novo: é quase impossível "passar batido" por um livro. Eu diria: seja qual for! ( ah, a dor de saber que será impossível ler tudo o que mereceria ser lido...) .
Folheio ao acaso páginas do velho Charles Bukowski - "Pedaços de um Caderno Manchado de Vinho" :
"Passei a me fixar na direção para a qual eu deveria ir. Voltei-me para o meu deus pessoal: SIMPLICIDADE. Quanto mais compacto e menor você se tornar, menor é a chance de errar ou de mentir .(...) Palavras eram balas, raios solares. Palavras eram capazes de romper o infortúnio e a danação (...) Eu queria resistir a todas as armadilhas, para morrer junto à máquina de escrever, uma garrafa de vinho à minha esquerda e o rádio, tocando, quem sabe, Mozart, à direita".
Obrigado, velho Bukowski, por nos soprar estas palavras bêbadas num fim de noite. Caíram em minhas mãos por acaso.
O bicho disse tudo: a opção preferencial pela simplicidade e pelo despojamento é o caminho mais curto para a felicidade. Pode parecer lição copiada de um daqueles manuais estúpidos de autoajuda, mas é verdade. Sempre foi. Qualquer passo na direção contrária é traição grave ! Deve ser punida com a infelicidade.
( Acorda, Maiakóvski, vem recitar aqueles versos : "Uma camisa lavada e clara / e basta / para mim, é tudo".
Eu me lembro de que uma vez, em Moscou, em meio à cobertura de uma eleição, corri para visitar o quarto onde o poetaço Maiakóvski viveu e se matou ).
É assim: pichar num muro imaginário um imenso não às vaidades vãs, aos apelos da carreira, à corrida pelo dinheiro, às tentações do conforto, às ambições estúpidas. Intimamente, dizer não, não, não, dar boa noite ao velho bêbado, acenar para a sombra de Maiakovski e sumir na estrada incerta carregando uma camisa lavada e clara, uma camisa lavada e clara, uma camisa lavada e clara, porque "é tudo".
Pode entrar, 2015! Os militantes da tribo dos que fizeram a opção preferencial pelo despojamento te esperam. Nosso peito esperançoso estará protegido por camisas lavadas e claras. Não há força capaz de rasgá-las.

Posted by geneton at 10:21 AM

dezembro 19, 2014

MIGUEL ARRAES FALA PELA PRIMEIRA VEZ À TV - DIAS ANTES DE VOLTAR AO BRASIL, NAS ASAS DA ANISTIA (É NESTE DOMINGO, ÀS 23:30, NO CANAL BRASIL ).

O Brasil já foi o país em que um ex-governador, nome de projeção nacional, dava uma entrevista para a TV, mas não tinha ideia se suas palavras poderiam ou ou não ao ar. Já tinha acontecido antes: o ex-governador, deposto e exilado pelo golpe militar de 1964, fizera gravações para a TV que nunca foram ao ar no Brasil. ( A tesoura da censura ou o poder da autocensura tratavam de deixar mudas vozes tidas como incômodas. A autocensura da imprensa "falada, escrita e televisionada" nos "anos de chumbo": eis aí o tema para uma bela investigação jornalística ou acadêmica !).
O ex-governador se chamava Miguel Arraes. Em entrevista que será representada neste domingo, às onze e meia da noite, no Canal Brasil ( e também na segunda, uma e meia da tarde ), dentro da série de reprises do histórico programa ABERTURA, Arraes manifesta dúvidas sobre o destino que teriam suas palavras: iriam ou não chegar a ouvidos brasileiros?
http://goo.gl/uxmdwq
A entrevista foi concedida a Roberto D`Ávila, em Paris, dias antes de Arraes voltar ao Brasil. Trata-se de uma "relíquia": é provável que tenha sido a última entrevista que Arraes tenha dado para uma TV antes de voltar do exílio ( e a primeira que seria exibida por uma TV brasileira). Não custa lembrar que exilados célebres, como o próprio Arraes, Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes ou Francisco Julião eram figuras banidas dos vídeos brasileiros. Não por acaso, o programa Abertura marcou época. Vale revê-lo, então.
PS: E ainda há uns gatos pingados que vão para a rua pedir a volta de militares ao poder.....
Vão ficar falando sozinhos. Justiça se faça: depois da redemocratização, as Forças Armadas jamais deram qualquer sinal de que estariam minimamente dispostas a quebrar a legalidade.
Ainda bem.
Não custa lembrar que, no dia 15 março de 2015, completam-se trinta anos desde o dia em que o último general deixou o Palácio do Planalto. Trinta anos não são trinta dias! Dessa vez, Dona Democracia parece que veio para ficar.

Posted by geneton at 11:58 AM

MIGUEL ARRAES FALA PELA PRIMEIRA VEZ À TV - DIAS ANTES DE VOLTAR AO BRASIL, NAS ASAS DA ANISTIA (É NESTE DOMINGO, ÀS 23:30, NO CANAL BRASIL ).

O Brasil já foi o país em que um ex-governador, nome de projeção nacional, dava uma entrevista para a TV, mas não tinha ideia se suas palavras poderiam ou ou não ao ar. Já tinha acontecido antes: o ex-governador, deposto e exilado pelo golpe militar de 1964, fizera gravações para a TV que nunca foram ao ar no Brasil. ( A tesoura da censura ou o poder da autocensura tratavam de deixar mudas vozes tidas como incômodas. A autocensura da imprensa "falada, escrita e televisionada" nos "anos de chumbo": eis aí o tema para uma bela investigação jornalística ou acadêmica !).
O ex-governador se chamava Miguel Arraes. Em entrevista que será representada neste domingo, às onze e meia da noite, no Canal Brasil ( e também na segunda, uma e meia da tarde ), dentro da série de reprises do histórico programa ABERTURA, Arraes manifesta dúvidas sobre o destino que teriam suas palavras: iriam ou não chegar a ouvidos brasileiros?
http://goo.gl/uxmdwq
A entrevista foi concedida a Roberto D`Ávila, em Paris, dias antes de Arraes voltar ao Brasil. Trata-se de uma "relíquia": é provável que tenha sido a última entrevista que Arraes tenha dado para uma TV antes de voltar do exílio ( e a primeira que seria exibida por uma TV brasileira). Não custa lembrar que exilados célebres, como o próprio Arraes, Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes ou Francisco Julião eram figuras banidas dos vídeos brasileiros. Não por acaso, o programa Abertura marcou época. Vale revê-lo, então.
PS: E ainda há uns gatos pingados que vão para a rua pedir a volta de militares ao poder.....
Vão ficar falando sozinhos. Justiça se faça: depois da redemocratização, as Forças Armadas jamais deram qualquer sinal de que estariam minimamente dispostas a quebrar a legalidade.
Ainda bem.
Não custa lembrar que, no dia 15 março de 2015, completam-se trinta anos desde o dia em que o último general deixou o Palácio do Planalto. Trinta anos não são trinta dias! Dessa vez, Dona Democracia parece que veio para ficar.

Posted by geneton at 11:58 AM

A CADA VEZ QUE ALGUÉM DIZ "UM ÓCULOS" E "MEU ÓCULOS", HÁ UM TREMOR NO CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA: SÃO OS FILÓLOGOS DA ACADEMIA SE REVIRANDO NO TÚMULO....

Uma das ( poucas ) funções "nobres" de jornalistas e escritores é zelar minimamente pela língua. Em suma: jornalista precisa ser cão de guarda do idioma. É o mínimo que se pode fazer.
O locutor-que-vos-fala teve um pequeno choque visual ao ler uma entrevista com um escritor: lá pelas tantas, ele fala em "um bom óculos". Assim: "um", no singular! Lastimavelmente, o escritor não sabia que a palavra "óculos" exige, sem exceção, o artigo no plural: OS óculos!
Aqui, não há meio termo: dizer "O óculos" é errado. O motivo é o mais prosaico possível: a palavra "óculos" é plural. Como qualquer criança de dois anos e meio sabe, a concordância precisa ser feita no plural, é óbvio: OS óculos, UNS óculos, MEUS óculos, SEUS óculos.
Ninguém precisa ser doutor em língua portuguesa para saber que esta regra não comporta exceções: plural exige concordância com plural. Ponto. Eu mesmo estou longe de ser especialista em língua portuguesa. Cometo minhas derrapagens feias - mas meus ouvidos sofrem um íntimo abalo a cada vez que ouço alguém dizer "O óculos", "MEU óculos" e assim por diante.
Dizer "O óculos" é uma pequena barbaridade que vai se generalizando. Eis o cúmulo: o anúncio de uma ótica na TV diz "UM óculos" - um belíssimo exemplo de analfabetismo funcional cometido por uma agência de publicidade, com a devida aprovação do cliente, é claro! ( Fica a dúvida: quantos mil reais a agência não deve ter cobrado do cliente para escrever tal absurdo? Conclusão: quem um dia disse que nasce um otário a cada minuto acertou em cheio...).
Dou uma zapeada no rádio do carro. Um ex-ministro diz "poder vim";
Eis aí outro erro que vai se generalizando: gente alfabetizada dizendo "pode vim".....Não imagina que é "pode vir"!
Não por acaso, transeuntes mais atentos têm notado a ocorrência de pequenos abalos sísmicos nos arredores do Cemitério São João Batista. São os filólogos e mestres da Academia Brasileira de Letras se revirando em seus túmulos - a cada vez que alguém diz "O óculos", 'MEU óculos" e "pode vim".
Além do som produzido pelos tremores de terra, pode-se ouvir também, ao fundo, uma voz débil gritando inutilmente: "Socorro! Socorro! Socorro!". É a língua portuguesa - estropiada, esmurrada, agredida e pisoteada.
Mas...a luta continua.

Posted by geneton at 10:23 AM

dezembro 17, 2014

A MAIS MEDÍOCRE DAS ÉPOCAS

Se o gênio Nelson Rodrigues estivesse vivo, teria um ataque cardíaco fulminante ao ver quantidade de frases idiotas atribuídas erroneamente a ele na internet. É inacreditável.
Terminei me lembrando de uma sentença nelsonrodriguiana- esta sim, verdadeira:
“Daqui a duzentos anos, os historiadores vão chamar este final de século de a mais cínica das épocas”.
Dá vontade de emendar: daqui a duzentos anos, os historiadores vão chamar este início de século de a mais medíocre das épocas.
É impressão ou vive-se, hoje, com as exceções de praxe, um tempo de música medíocre, cinema medíocre, teatro medíocre, televisão medíocre, literatura medíocre, publicidade medíocre, jornalismo medíocre, poesia medíocre?
Não, lastimavelmente, não é impressão.
Chamem os historiadores!

Posted by geneton at 10:24 AM

dezembro 15, 2014

VIVA A SANTA INGENUIDADE! UM GRUPO DE JOVENS APONTA SEUS "BADOQUES" CONTRA OS SÍMBOLOS DAS ONIPRESENTES MULTINACIONAIS: 1974 MANDA LEMBRANÇAS, NUM CURTA METRAGEM DE CINCO MINUTOS: "ISSO É QUE É"

http://goo.gl/JIWbtn
Pequeno comentário: Numa época em que a tesoura da censura avançava, até, sobre filmes amadores em Super-8, o curta "Isso é Que é" pode ser visto como uma tentativa de falar através de metáforas e sugestões. A data: 1974. O ambiente era o que se chama hoje de "irrespirável". O Brasil saía do governo Médici para o governo Geisel. A equipe que fez o filme era, na maioria, formada por alunos do primeiro ano do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Não havia, por exemplo, diretórios acadêmicos - os DCEs. Fazer política estudantil era proibido por lei - pelo famoso Decreto 477. Eu tinha dezessete anos de idade, ali, em 1974: minha experiência no manejo de uma câmera era próxima de zero. Mas o roteiro, criado por Amin Stepple, uma espécie de "guru" intelectual do grupo, terminou filmado, pelas ruas do centro do Recife e num muro, no bairro de Casa Caiada, em Olinda. Há coisas que, hoje, podem parecer "ingênuas": o filme mostra jovens tentando atingir, com "badoques", símbolos de poderosas multinacionais. O "imperialismo" mostrava suas garras: a data 1822, ano da independência, some num muro, ao som da Marcha Fúnebre. A repressão é apenas sugerida, pela imagem do badoque deixado no chão e pelo som das sirenes. E o jingle da Coca-Coca dá o toque final de ironia: "isso é que é"! Tanto tempo depois, não resisto à tentação de dar um viva à ingenuidade - eternamente necessária!

Posted by geneton at 11:59 AM

TRINTA E CINCO ANOS DEPOIS, A DÚVIDA DO "MALDITO" PLÍNIO MARCOS CONTINUA ATUAL: POR QUE É QUE O TEATRO NÃO PODE ENFRENTAR O TESTE DA BILHETERIA? POR QUE USAR DINHEIRO PÚBLICO PARA FINANCIAR TUDO QUE É TIPO DE PEÇA? ( SEM "PAPAS NA LÍNGUA", PLÍNIO MARCOS D

Uma reprise do histórico programa ABERTURA
( levado ao ar originalmente pela TV Tupi e agora reapresentado pelo Canal Brasil aos domingos às 23:30 e, às segundas, às 13:30 - ou seja: já,já ) toca num ponto que provoca polêmicas até hoje. Em que situação, afinal, dinheiro público deve ser usado para financiar a produção cultural?
Plínio Marcos, dramaturgo "maldito", sem "papas na língua", fala de teatro, num depoimento levado ao ar em 1979 pelo ABERTURA: diz que as subvenções oficiais só servem para corromper o artista.
Reclama de que o governo derramava dinheiro em espetáculos de baixo nível artístico. O que era que acontecia? A subvenção oficial se tornara um mal pior até do que a censura !
( Dinheiro público, como se sabe, pode financiar produções culturais seja através de patrocínio direto, seja através da famosa "renúncia fiscal" ).
A dúvida que Plínio Marcos levanta parece razoável. Em outras palavras, ele estava perguntando: por que é que os espetáculos teatrais não podem - pura e simplesmente - enfrentar o desafio da bilheteria? A mesmíssima pergunta poderia ser feita em relação á produção de filmes.
Trinta e cinco anos depois, o desabafo de Plínio Marcos permanece atualíssimo. A discussão não se esgotou. Pelo contrário!

Posted by geneton at 10:25 AM

dezembro 11, 2014

DESCOBERTO QUANTO VALE, HOJE, A CREDIBILIDADE DAS EMPREITEIRAS!

Deu trabalho. Não sou bom em matemática - mas, depois de fazer e refazer todos os cálculos possíveis, consegui descobrir quanto vale, hoje, a credibilidade das empreiteiras envolvidas nestas roubalheiras todas, nestes superfaturamentos escandalosos e nestes assaltos sistemáticos aos cofres públicos. O resultado foi o seguinte: somada, a credibilidade das empreiteiras vale, hoje, no máximo, no máximo, no máximo, dois reais e trinta e quatro centavos. E é uma avaliação generosíssima!

Posted by geneton at 10:26 AM

dezembro 08, 2014

JOHN LENNON MANDA LEMBRANÇAS: O 8 DE DEZEMBRO DE CADA UM

Beatles.jpg

Bato o olho no alto da página do jornal para checar a data e se estou no planeta Terra: oito de dezembro!

A data – por um desses mecanismos pessoais e intransferíveis – deflagra uma torrente de lembranças sobre um daqueles acontecimentos que "marcam uma geração": a morte de John Lennon, que foi assassinado a tiros por um fã enlouquecido, num oito de dezembro, no saguão de entrada de um edifício chamado Dakota, em Nova York.

Quem um dia foi devoto dos Beatles deve se lembrar exatamente onde estava quando recebeu a notícia de morte de Lennon. Não sou exceção. Por coincidência, 14 anos depois, em 1994, um grande nome da MPB morreria num oito de dezembro, também em Nova York: o maestro Tom Jobim.

(Não faz tempo, um manifestante, fatigado de um mundo sem utopias, pichou num muro: "Chega de realizações! Queremos promessas!". Bingo. O meu demônio-da-guarda me sopra no ouvido, neste oito de dezembro: "Chega de notícias! Queremos lembranças!". Faço, então, uma pequena expedição pelo Boulevard da Memória).

O locutor-que-vos-fala estudava cinema e, nas "horas vagas", fazia bicos como motorista de uma família rica e camareiro de um hotel no Quartier Latin, em Paris, naquele dezembro de 1980 (um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias Secretas de um Camareiro Acidental...).
Dias antes, por uma grande coincidência, eu comentara com um amigo – Fernando Correia, à época estudante de economia – o plano de fazer, em Nova York, o que fizera em Paris: desembarcar "na aventura", pela simples curiosidade de ver o que se escondia além da linha do horizonte da Cidade do Recife. "Quem sabe, vou tentar entrevistar aquele alcoólatra decadente", disse, na brincadeira, numa referência injusta a Lennon.

Porteiro da noite num hotel nos arredores de Paris, este amigo ouviu no rádio, na madrugada francesa, a notícia que começava a correr mundo: John Lennon tinha sido assassinado naquela noite de inverno.
De volta à "pensão" na qual morava um punhado de brasileiros, depois de cumprir o plantão noturno, ele deixou, de manhã de bem cedo, embaixo da porta do meu quarto, um bilhete: "Bicho, mataram John Lennon!". Pensei que era brincadeira. Ao sair para a escola, em Nanterre, deixei embaixo da porta do quarto do vizinho outro aviso, em retribuição: "Bicho, mataram Fidel Castro!".

As notícias, "naquele tempo", corriam velozes, mas não na velocidade da luz, como acontece hoje. Não existia internet! As edições da manhã dos jornais franceses não publicaram nada sobre a morte de Lennon, por conta do fuso horário. Quando a bomba explodiu na Europa, os jornais já estavam na rua.
"Por desencargo", dei uma olhada nas primeiras páginas estendidas numa banca perto do metrô Place D´Italie. Nada. Perguntei a colegas que frequentavam um seminário sobre documentários, na Universidade de Nanterre: "Vocês ouviram falar alguma coisa sobre John Lennon?". Incrivelmente, nada.

O choque veio no caminho de volta para a casa. A manchete do vespertino France Soir berrava, num título que, para mim, foi inesquecível, pelo impacto: "John Lennon assassinado por um admirador decepcionado. Era o mais talentoso dos Beatles". Guardei o jornal comigo pelas décadas seguintes.

Não é exagero dizer que um geração inteira se sentiu de alguma maneira órfã naquele oito de dezembro. Perto do Natal, Joan Baez foi fazer um concerto ao ar livre, diante da Catedral de Notre Dame. Não disse nada sobre a tragédia, mas, ao final do show, cantou “Let it Be”, acompanhada apenas do violão. A multidão fez coro. A cena foi bonita.

(Fui ao show por complacência dos meus "patrões" – a família rica para quem eu "trabalhava" como motorista. O que não faz "um rapaz latino-americano /sem dinheiro no banco / sem parentes importantes", em busca de uns trocados para ir tocando a vida? O casal ia a uma ceia antecipada de Natal, na casa de uma filha. Perguntou se eu poderia fazer uma jornada extra naquela noite, já que eles queriam levar o neto de carro para o jantar em família. Era algo que só acontecia uma vez por ano. Douglas era um menino especial, incapaz de se mover sem ajuda. Aprendi com ele lições inesperadas sobre a convivência com gente especial. Promessa dois: um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias de um Motorista Acidental... Eu disse a meus "patrões" que sim, claro, não poderia deixar de levar Douglas e os avós para a ceia de Natal, mas gostaria de ver Joan Baez cantando na frente da Notre Dame. E eles: "Você nos deixa, vai ver e volta para nos levar de volta para casa, no fim da noite". E assim foi feito. Duvido que o casal, simpático e bem situado, imaginasse quem era a cantora de protesto Joan Baez.)

O filme "Let it Be" voltou a cartaz, num cinema perto do metrô Odeon. Fui ver. Fazia frio. A plateia era de beatlemaníacos repentinamente jogados na "orfandade".

Paulo Francis escreveria na “Folha de São Paulo”: "A morte de Lennon é o fim de uma época, talvez a última que conheçamos em que uma geração de jovens talentosos, como os Beatles, tentou humanizar o nosso mundo de poderes impiedosos, impessoais e letais. Lennon baniu Reagan, Brejnev, Israel, Síria e Jordânia do centro das notícias. Talvez porque a maioria das pessoas reconhecesse nele um ser humano, enquanto esses outros problemas não podem ser tocados pelo cidadão comum, que, se interessado neles, é submetido à dieta de “press releases” dos poderosos. Com Lennon, se foi não só uma era, nos parece, mas um anseio de simplicidades que se tornaram aparentemente impossíveis em nosso tempo".

Francis acertou na mosca: além de tudo, ali, se perdia para sempre uma espécie de inocência e de ingenuidade que, embalada por belíssimas canções, parecia protegida e inalcançável pelos horrores do mundo.

A revista “Newsweek” publicaria um lead brilhante (aos não iniciados em jornalismo: lead é o início de uma reportagem – aquelas frases em que o autor tenta fisgar logo o leitor. O lead da “Newsweek” reproduzia o momento em que a figura nefasta de Mark David Chapman, o assassino, abordou Lennon, na calçada do Edifício Dakota: "Era apenas uma voz, saída de dentro de uma noite americana: "Mister Lennon?".
Faço um pequeno tour pelo Youtube. Lá, vejo Joan Baez cantando "Let it Be", uma das melhores canções da dupla imbatível, Lennon & McCartney.

Quando o casal Rosenberg, acusado de espionagem pró-União Soviética, foi executado nos Estados Unidos, Jean Paul Sartre escreveu: "O casal Rosenberg morreu, a vida continua. Não era o que vocês queriam?".

Hoje, o assassino Mark David Chapman mofa numa prisão – e o oito de dezembro traz de volta lembranças que, aos olhos de beatlemaníacos de todas as gerações, parecerão sempre irreais e absurdas.
É inevitável fazer o cálculo inútil: quantas e quantas belas canções não deixaram de ser escritas depois daquele fim de noite de inverno em Nova Iorque?

Não era o que os beatlemaníacos queriam.

(Aqui, uma das melhores pérolas do Lennon pós-Beatle: "Mother". Em um verso, ele resume tomos e tomos de Sigmund Freud: "Mãe, não vá embora/ Pai, volte para casa")

Não se fez, em música pop, nada que igualasse a beleza de Abbey Road – o auge dos Beatles. Os versos de "Golden Slumbers" soam tristemente irônicos aos ouvidos de beatlemaníacos embalados pelas lembranças "pessoais e intransferíveis" do oito de dezembro de cada um ("Boy / Você vai carregar este peso / Vai carregar este peso/ por um longo tempo).

*Foto: John Lennon, Ringo Starr, Paul McCartney e George Harrison desembarcam no aeroporto John F. Kennedy Airport, em Nova York, EUA, onde são recebidos por multidão de fãs em fevereiro de 1964 (AFP)

Posted by geneton at 11:39 PM

"ERA APENAS UMA VOZ, SAÍDA DE DENTRO DE UMA NOITE AMERICANA: "MISTER LENNON!" ( OU: POR QUE TODO BEATLEMANÍACO QUE SE PREZA VAI SE LEMBRAR SEMPRE DO OITO DE DEZEMBRO ).

Bato o olho no alto da página do jornal, para checar a data e se estou no planeta terra: oito de dezembro!
A data - por um desses mecanismos pessoais e intransferíveis - deflagra uma torrente de lembranças sobre um daqueles acontecimentos que "marcam uma geração": a morte de John Lennon - assassinado a tiros por um fã enlouquecido, num oito de dezembro, no saguão de entrada de um edifício chamado Dakota, em Nova Iorque.
Quem um dia foi devoto dos Beatles deve se lembrar exatamente onde estava quando recebeu a notícia de morte de Lennon. Não sou exceção. Por coincidência, quatorze anos depois, em 1994, um grande nome da MPB morreria num oito de dezembro, também em Nova York: o maestro Tom Jobim.
( Não faz tempo, um manifestante, fatigado de um mundo sem utopias, pichou num muro: "Chega de realizações! Queremos promessas!". Bingo. O meu demônio-da-guarda me sopra no ouvido, neste oito de dezembro: "Chega de notícias! Queremos lembranças!". Faço, então, uma pequena expedição pelo Boulevard da Memória ).

O locutor-que-vos-fala estudava cinema e, nas "horas vagas", fazia bicos como motorista de uma família rica e camareiro de um hotel no Quartier Latin, em Paris, naquele dezembro de 1980 ( um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias Secretas de um Camareiro Acidental....).
Dias antes, por uma grande coincidência, eu comentara com um amigo - Fernando Correia, à época estudante de economia - o plano de fazer, em Nova York, o que fizera em Paris: desembarcar "na aventura", pela simples curiosidade de ver o que se escondia além da linha do horizonte da Cidade do Recife. "Quem sabe, vou tentar entrevistar aquele alcoólatra decadente" - disse, na brincadeira, numa referência injusta a Lennon.
Porteiro da noite num hotel nos arredores de Paris, este amigo ouviu no rádio, na madrugada francesa, a notícia que começava a correr mundo: John Lennon tinha sido assassinado naquela noite de inverno.
De volta à "pensão" em que morava um punhado de brasileiros, depois de cumprir o plantão noturno, ele deixou, de manhã de bem cedo, embaixo da porta do meu quarto, um bilhete: "Bicho, mataram John Lennon!". Pensei que era brincadeira. Ao sair para a escola, em Nanterre, deixei embaixo da porta do quarto do vizinho outro aviso, em retribuição: "Bicho, mataram Fidel Castro!".
As notícias, "naquele tempo", corriam velozes - mas não na velocidade da luz, como acontece hoje. Não existia internet! As edições da manhã dos jornais franceses não publicaram nada sobre a morte de Lennon, por conta do fuso horário. Quando a bomba explodiu na Europa, os jornais já estavam na rua.
"Por desencargo", dei uma olhada nas primeiras páginas estendidas numa banca perto do metrô Place D´Italie. Nada. Perguntei a colegas que frequentavam um seminário sobre documentários, na Universidade de Nanterre: "Vocês ouviram falar alguma coisa sobre John Lennon?". Incrivelmente, nada.
O choque veio no caminho de volta para a casa. A manchete do vespertino France Soir berrava, num título que, para mim, foi inesquecível, pelo impacto: "John Lennon assassinado por um admirador decepcionado. Era o mais talentoso dos Beatles". Guardei o jornal comigo pelas décadas seguintes.
Não é exagero dizer que uma geração inteira se sentiu de alguma maneira órfã naquele oito de dezembro. Perto do Natal, Joan Baez foi fazer um concerto ao ar livre, diante da Catedral de Notre Dame. Não disse nada sobre a tragédia, mas, ao final do show, cantou Let it Be, acompanhada apenas do violão. A multidão fez coro. A cena foi bonita.
( Fui ao show por complacência dos meus "patrões" - uma família rica, para quem eu "trabalhava" como motorista. O que não faz "um rapaz latino-americano /sem dinheiro no banco / sem parentes importantes", em busca de uns trocados para ir tocando a vida? O casal ia a uma ceia antecipada de Natal, na casa de uma filha. Perguntou se eu poderia fazer uma jornada extra naquela noite, já que eles queriam levar o neto de carro para o jantar em família. Era algo que só acontecia uma vez por ano. Douglas era um menino especial, incapaz de se mover por si só. Precisava de assistência. Aprendi com ele lições inesperadas sobre a convivência com gente especial. Promessa dois: um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias de um Motorista Acidental...Eu disse a meus "patrões" que sim, claro, não poderia deixar de levar Douglas e os avós para a ceia de Natal - mas gostaria de ver Joan Baez cantando na frente da Notre Dame. E eles: "Você nos deixa, vai ver e, depois, no leva de volta para casa, no fim da noite". E assim foi feito. Duvido que o casal, simpático e bem situado, imaginasse quem era a cantora de protesto Joan Baez. )
O filme "Let it Be" voltou a cartaz, num cinema perto do metrô Odeon. Fui ver. Fazia frio. A plateia era de beatlemaníacos repentinamente jogados na "orfandade".
Paulo Francis escreveria, na Folha de São Paulo: "A morte de Lennon é o fim de uma época, talvez a última que conheçamos em que uma geração de jovens talentosos, como os Beatles, tentou humanizar o nosso mundo de poderes impiedosos, impessoais e letais. Lennon baniu Reagan, Brejnev, Israel, Síria e Jordânia do centro das notícias. Talvez porque a maioria das pessoas reconhecesse nele um ser humano, enquanto esses outros problemas não podem ser tocados pelo cidadão comum - que, se interessado neles, é submetido à dieta de press releases dos poderosos. Com Lennon, se foi não só uma era, nos parece, mas um anseio de simplicidades que se tornaram aparentemente impossíveis em nosso tempo".
Francis acertou na mosca: além de tudo, ali, se perdia para sempre uma espécie de inocência e de ingenuidade que, embalada por belíssimas canções, parecia protegida e inalcançável pelos horrores do mundo.
A revista Newsweek publicaria um lead brilhante ( aos não iniciados em jornalismo: lead é o início de uma reportagem - aquelas frases em que o autor tenta fisgar logo o leitor. O lead da Newsweek reproduzia o momento em que a figura nefasta de Mark David Chapman - o assassino - abordou Lennon, na calçada do Edifício Dakota: "Era apenas uma voz, saída de dentro de uma noite americana: "Mister Lennon!".
Quando Lennon fez menção de se virar, para ver quem o chamara, Mark Chapmann atirou quatro vezes nas costas do ex-beatle. Depois, soltou a arma no chão, pegou no bolso do casaco um exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio - de J.D. Salinger - e começou a ler. Não tentou fugir. Quando a polícia chegou, minutos depois, Chapmann se entregou sem resistência.
Faço um pequeno tour pelo Youtube. Lá, vejo Joan Baez cantando "Let it Be", uma das melhores canções da dupla imbatível - Lennon & McCartney:
http://goo.gl/wePC7K
Quando o casal Rosenberg, acusado de espionagem pró-União Soviética, foi executado nos Estados Unidos, Jean Paul Sartre escreveu: "O casal Rosenberg morreu, a vida continua. Não era o que vocês queriam? ".
Hoje, o assassino Mark David Chapman mofa numa prisão - e o oito de dezembro traz de volta lembranças que, aos olhos de beatlemaníacos de todas as gerações, parecerão sempre irreais e absurdas.
É inevitável fazer o cálculo inútil: quantas e quantas belas canções não deixaram de ser escritas depois daquele fim de noite de um inverno americano?
Não era o que os beatlemaníacos queriam.
( Aqui, uma das melhores pérolas do Lennon pós-Beatle:
"Mother". Em um verso, ele resume tomos e tomos de Sigmund Freud: "Mãe, não vá embora/ Pai, volte para casa":
http://goo.gl/l4odcL )
Não se fez, em música pop, nada que igualasse a beleza de Abbey Road - o auge dos Beatles. Os versos de Golden Slumbers soam tristemente irônicos aos ouvidos de beatlemaníacos embalados pelas lembranças "pessoais e intransferíveis" do oito de dezembro de cada um ( "Boy / Você vai carregar este peso / Vai carregar este peso/ por um longo tempo ):
http://goo.gl/9jvmNI

Posted by geneton at 10:26 AM

dezembro 03, 2014

EU SINTO MUITO, DARWIN, MAS VOCÊ ESTAVA BÊBADO

Toda vez que vejo um carrão avançar o sinal vermelho, guiado por um idiota protegido por vidros pretos, meu demônio interior fica repetindo obsessivamente o seguinte mantra: "Eu sinto muito, Darwin, mas você estava bêbado quando falou em evolução das espécies. Eu sinto muito, eu sinto muito, eu sinto muito mesmo...."

Posted by geneton at 01:35 PM

dezembro 02, 2014

BYE, BYE, DEZEMBRO!

Anotações de dezembro de 2013 republicadas, com pequenos acréscimos, em dezembro de 2014 ( porque vai ser sempre assim ):
BYE, BYE, DEZEMBRO!
"O GDHD ( Grande Desfile de Horrores de Dezembro ) se avizinha.
Lá vem ele, inconfundível_- como se fosse a Divisão Panzer passando por cima dos prazeres do recolhimento.
Nem preciso enumerá-los - os tais horrores - porque eles já produzem, desde já, por antecipação, nas ruas, nas lojas, nos corredores dos shoppings, a típica cacofonia do décimo segundo mês: vozerios, algazarras, o ritual de milhões de cartões de créditos zunindo no ar.
O que dizer das músicas todas & mensagens todas & subliteraturas todas & anúncios todos que atormentam nossas retinas e canais auditivos ao longo dos dezembros com suas insuportáveis e toscas ladainhas "otimistas"?
Primeiro, repito para mim mesmo, em voz baixa, como se fosse um mantra anti-GDHD: "Estou fora, estou fora, estou fora". Depois, pergunto aos céus: o que fazer para atravessar a tormenta que se avizinha?
A saída haverá de ser a de sempre: assim que dezembro chegar, vou me recolher, mudo, ao meu bunker. O mundo não sentirá a menor falta de minha desolação. Estará ocupado em povoar os corredores de shoppings. Ainda bem! Ainda bem! Ainda bem! Em meu refúgio, estarei cem por cento protegido das investidas do GDHD.
Em questão de instantes, a desolação se transformará em encantamento. É o que acontecerá quando eu começar a folhear as páginas já gastíssimas do meu exemplar de O Leopardo. Minha solidão te saúda, te saudará para sempre, Lampedusa!
( Tento reunir o que resta de minhas forças para combater o GDHD, mas, a bem da verdade, gostaria de fazer uma concessão. Dezembro terá 44.640 minutos. Desses, um - e apenas um - minuto se salvará: aquele que flagrará, no rosto das crianças, uma cintilação de legítima alegria diante de um presente de Natal, seja ele qual for ).
Feita a concessão, emudeço. E assim ficarei até que as desolações de dezembro derem lugar, aí sim, aos esplendores de janeiro. Desde já, bye, bye, dezembro. Estou fora".

Posted by geneton at 01:37 PM