agosto 29, 2014

DESCOBERTA A RECEITA DA FELICIDADE TERRENA!

Se, por escassas vinte e quatro horas, todas as TVs do mundo parassem de ladrar; se todos os jornais e revistas de todas as cidades do planeta sumissem provisoriamente; se todos os blogs de todos os continentes saíssem do ar; se as editoras parassem de despejar a cota diária de lançamentos na livrarias; se todos os sites estancassem de repente; se todo mundo em todos os lugares fizesse um voto de silêncio planetário nem que fosse por um dia; se, enfim, todas estas maravilhas acontecessem diante de nossas retinas descrentes, o Paraíso estaria instalado nesta esfera esvoaçante também conhecida pela alcunha de Terra.
A receita da felicidade terrena é simples assim - mas inalcançável.
Que prossiga a barulheira, então.

Posted by geneton at 01:32 PM

DESCOBERTA A RECEITA DA FELICIDADE TERRENA!

Se, por escassas vinte e quatro horas, todas as TVs do mundo parassem de ladrar; se todos os jornais e revistas de todas as cidades do planeta sumissem provisoriamente; se todos os blogs de todos os continentes saíssem do ar; se as editoras parassem de despejar a cota diária de lançamentos na livrarias; se todos os sites estancassem de repente; se todo mundo em todos os lugares fizesse um voto de silêncio planetário nem que fosse por um dia; se, enfim, todas estas maravilhas acontecessem diante de nossas retinas descrentes, o Paraíso estaria instalado nesta esfera esvoaçante também conhecida pela alcunha de Terra.
A receita da felicidade terrena é simples assim - mas inalcançável.
Que prossiga a barulheira, então.

Posted by geneton at 01:32 PM

agosto 28, 2014

OLHE-SE NO ESPELHO. REPITA EM VOZ BAIXA, TODO DIA DE MANHÃ: "PATÉTICO, PATÉTICO, PATÉTICO!" (OU: "PATÉTICA, PATÉTICA, PATÉTICA!" ). NÃO EXISTE MELHOR MANEIRA DE COMEÇAR O DIA!

O grande repórter Joel Silveira é que contava: uma vez, estava na redação, diante da máquina de escrever, entregue à tarefa de ordenar com graça e leveza sujeitos, verbos e predicados num pedaço de papel em branco.
Dedilhava o teclado da Remington jurássica com ar grave, como se estivesse descrevendo a volta de Cristo. De repente, Nélson Rodrigues para diante de Joel, fica observando a cena em silêncio e pronuncia apenas uma palavra, antes de sumir do mapa:
- Patético!

Joel - que nunca foi fanático por Nélson Rodrigues - me contava a história com ar de quem, no fim das contas, décadas depois, terminou concordando com a exclamação rodriguiana.
Noventa e oito vírgula oito por cento dos jornalistas são exageradamente pretensiosos. Não falo da pretensão saudável de quem sonha em fazer algo importante. Falo da pretensão descabida.
Já vi em redações nulidades semi-analfabetas empinarem o nariz ou falarem de seus pretensos feitos jornalísticos como se estes fossem a Sétima Maravilha do Mundo. São lixo em estado bruto. Já vi sabichões destroçando o trabalho alheio com intervenções incompetentes. Já vi ególatras apunhalando pelas costas supostos concorrentes. Já vi criaturas de caráter tíbio negarem diante de monstros o que tinham dito meia-hora atrás.
Um dia, quando estiver auto-exilado num bairro cinzento da Europa Ocidental, a dois passos de um bom crematório, ou habitando uma ruela sem saída no município de Solidão, no sertão de Pernambuco, entregue ao Grande Exercício do Silêncio Absoluto, darei nomes aos bois. Ou pelo menos as iniciais. Ou, na pior das hipóteses, vagas referências. ( aliás: pode existir nome mais bonito de cidade do que Solidão? Ah, meu Recife de nomes de ruas bonitos: rua da Saudade, rua do Sol, rua da Aurora, já cantadas pelo grande poeta Manuel Bandeira. Ah, meu Pernambuco de nomes de cidades bonitos: Solidão, Santa Maria da Boa Vista, Triunfo....).
De volta ao chão do mundo real: o androide do filme Blade Runner diz: "Eu vi coisas em que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na comporta Tannhauser. Todos estes momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva". (transcrevo a citação feita no prefácio de um belo livro: "Lágrimas na Chuva", escrito por Sérgio Faraco).
É por aí: o que não se conta se perde. Ponto. A fascinação do Jornalismo é esta: a chance de contar o que - de outra forma -
estaria perdido.
Salvar da perdição as histórias, palavras e cenas que a gente ouve de personagens anônimos ou famosos: eis o que me anima a fazer tantas entrevistas - em vez de ficar nos corredores das redações maldizendo os horrores da profissão. Dá trabalho. Sempre deu. Mas vale a pena. Faz de conta que vale.
O problema é que há lições primárias que nem todo jornalista se anima a seguir - por cegueira. A prudência recomenda que a gente ouça a voz da sabedoria - virtude que só se obtém com a experiência. É o caso de Joel Silveira, sábio em jornalismo.
Ouçamos o que o autoproclamado dinossauro nos dizia. A cena que Joel descreve deixa uma lição. O melhor antídoto contra o vírus da pretensão descabida é o seguinte: todo dia, logo pela manhã, encare o espelho e repita três vezes, em voz baixa:
- Patético, patético, patético!
Ou :
- Patética, patética, patética!
Cumprida esta tarefa, você estará pronto (ou pronta) para encarar saudavelmente o planeta, sem se julgar maior do que é nem cair na armadilha da pretensão descabida. A receita da felicidade profissional é simples assim.
Socorro! Acabo de me transformar num sub-consultor de autoajuda.
Mas esta veleidade só durou um parágrafo - o anterior. Declaro, aqui, definitivamente encerrada minha carreira de conselheiro.
Apenas digo: crianças e dinossauros, nunca se esqueçam de repetir três vezes a palavra mágica diante do espelho.
Não existe nada melhor nem mais honesto.

Posted by geneton at 01:33 PM

OLHE-SE NO ESPELHO. REPITA EM VOZ BAIXA, TODO DIA DE MANHÃ: "PATÉTICO, PATÉTICO, PATÉTICO!" (OU: "PATÉTICA, PATÉTICA, PATÉTICA!" ). NÃO EXISTE MELHOR MANEIRA DE COMEÇAR O DIA!

O grande repórter Joel Silveira é que contava: uma vez, estava na redação, diante da máquina de escrever, entregue à tarefa de ordenar com graça e leveza sujeitos, verbos e predicados num pedaço de papel em branco.
Dedilhava o teclado da Remington jurássica com ar grave, como se estivesse descrevendo a volta de Cristo. De repente, Nélson Rodrigues para diante de Joel, fica observando a cena em silêncio e pronuncia apenas uma palavra, antes de sumir do mapa:
- Patético!

Joel - que nunca foi fanático por Nélson Rodrigues - me contava a história com ar de quem, no fim das contas, décadas depois, terminou concordando com a exclamação rodriguiana.
Noventa e oito vírgula oito por cento dos jornalistas são exageradamente pretensiosos. Não falo da pretensão saudável de quem sonha em fazer algo importante. Falo da pretensão descabida.
Já vi em redações nulidades semi-analfabetas empinarem o nariz ou falarem de seus pretensos feitos jornalísticos como se estes fossem a Sétima Maravilha do Mundo. São lixo em estado bruto. Já vi sabichões destroçando o trabalho alheio com intervenções incompetentes. Já vi ególatras apunhalando pelas costas supostos concorrentes. Já vi criaturas de caráter tíbio negarem diante de monstros o que tinham dito meia-hora atrás.
Um dia, quando estiver auto-exilado num bairro cinzento da Europa Ocidental, a dois passos de um bom crematório, ou habitando uma ruela sem saída no município de Solidão, no sertão de Pernambuco, entregue ao Grande Exercício do Silêncio Absoluto, darei nomes aos bois. Ou pelo menos as iniciais. Ou, na pior das hipóteses, vagas referências. ( aliás: pode existir nome mais bonito de cidade do que Solidão? Ah, meu Recife de nomes de ruas bonitos: rua da Saudade, rua do Sol, rua da Aurora, já cantadas pelo grande poeta Manuel Bandeira. Ah, meu Pernambuco de nomes de cidades bonitos: Solidão, Santa Maria da Boa Vista, Triunfo....).
De volta ao chão do mundo real: o androide do filme Blade Runner diz: "Eu vi coisas em que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na comporta Tannhauser. Todos estes momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva". (transcrevo a citação feita no prefácio de um belo livro: "Lágrimas na Chuva", escrito por Sérgio Faraco).
É por aí: o que não se conta se perde. Ponto. A fascinação do Jornalismo é esta: a chance de contar o que - de outra forma -
estaria perdido.
Salvar da perdição as histórias, palavras e cenas que a gente ouve de personagens anônimos ou famosos: eis o que me anima a fazer tantas entrevistas - em vez de ficar nos corredores das redações maldizendo os horrores da profissão. Dá trabalho. Sempre deu. Mas vale a pena. Faz de conta que vale.
O problema é que há lições primárias que nem todo jornalista se anima a seguir - por cegueira. A prudência recomenda que a gente ouça a voz da sabedoria - virtude que só se obtém com a experiência. É o caso de Joel Silveira, sábio em jornalismo.
Ouçamos o que o autoproclamado dinossauro nos dizia. A cena que Joel descreve deixa uma lição. O melhor antídoto contra o vírus da pretensão descabida é o seguinte: todo dia, logo pela manhã, encare o espelho e repita três vezes, em voz baixa:
- Patético, patético, patético!
Ou :
- Patética, patética, patética!
Cumprida esta tarefa, você estará pronto (ou pronta) para encarar saudavelmente o planeta, sem se julgar maior do que é nem cair na armadilha da pretensão descabida. A receita da felicidade profissional é simples assim.
Socorro! Acabo de me transformar num sub-consultor de autoajuda.
Mas esta veleidade só durou um parágrafo - o anterior. Declaro, aqui, definitivamente encerrada minha carreira de conselheiro.
Apenas digo: crianças e dinossauros, nunca se esqueçam de repetir três vezes a palavra mágica diante do espelho.
Não existe nada melhor nem mais honesto.

Posted by geneton at 01:33 PM

agosto 27, 2014

AS SURPRESAS DA POLÍTICA BRASILEIRA: O DIA EM QUE UM EX-PRESIDENTE BRASILEIRO REVELOU, NA CAMA DE UM HOSPITAL, POR QUE TINHA RENUNCIADO

A política brasileira, como se sabe, de vez em quando é agitada por surpresas que poderiam ter saído da imaginação fértil de um roteirista de cinema.
Um das surpresas mais espetaculares foi a renúncia de um presidente que chegara ao Palácio do Planalto como fenômeno de popularidade. Nome: Jânio Quadros.
Durante décadas, houve especulações de todo tipo sobre os motivos da renúncia.
O que pouca gente sabe é que o próprio Jânio Quadros fez ao neto, no leito de um hospital, em São Paulo, uma espécie de confissão final sobre o gesto estapafúrdio.
( Pausa para uma pequena digressão.
O incrível, o extraordinário, o inacreditável é que nossa imprensa
desconheceu solenemente a confissão - feita pelo principal personagem do drama.
Deus do céu: como o jornalismo pode ser espetacularmente burocrático, cinzento, medíocre, chato, insensível e sonolento!
Conclusão óbvia: a temível TDM ( "Tropa dos Derrubadores de Matérias ), formada por aqueles jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo, não descansa nunca! É pior do que a Divisão Panzer. Passa a vida se dedicando, dia e noite, à tarefa de destruir o que o jornalismo possa ter de vívido, curioso, revelador e interessante. Sempre foi assim. E assim será, até o dia do juízo final. Triste, triste, triste.
Vou morrer dizendo: o maior inimigo do Jornalismo é o jornalista. Não é algum general, algum censor, algum crítico.
Um dia, se me sobrarem engenho e arte, pretendo fazer, para meus oito leitores, uma pequena lista de absurdos cometidos, contra o Jornalismo, pelos cães ferozes da TDM. Fiz uma lista. Vou procurá-la. É inacreditável.
A cegueira diante da confissão de Jânio é um exemplo escandaloso da cegueira jornalística.
Duvido que um leitor minimamente interessado em política não lesse uma manchete do tipo "a confissão final: Jânio revela ao neto o motivo da renúncia".
Eu leria. Não sou exceção - é claro.
Se uma declaração feita por um ex-presidente sobre um dos maiores enigmas da política brasileira não é notícia, então o que será? )
Fiz minha parte, na medida do possível: gravei para o Fantástico - onde trabalhava - uma reportagem sobre a confissão do ex-presidente.
Publiquei um texto sobre o caso no nosso livro "Dossiê Brasil" (1997).
Ei-lo:
A mais sincera confissão já feita por Jânio Quadros sobre os reais motivos que o levaram a renunciar à Presidência da Republica no dia 25 de agosto de 1961 somente foi publicada em 1995, em escassas sete páginas de uma calhamaço lançado por uma editora desconhecida de São Paulo em louvor ao ex-presidente
Organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, o livro ‘’Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’’ é, na verdade, um bem nutrido álbum de recortes sobre o homem. Grande parte das 340 páginas do livro, publicado pela Editora Rideel, é ocupada pela republicação de reportagens originalmente aparecidas em jornais e revistas sobre a figura esquisita de JQ.
A porção laudatória do livro é leitura recomendável apenas a janistas de carteirinha. O ‘’Memorial’’ traz, no entanto, um capítulo importante: a confissão que Jânio, já doente, fez ao neto, num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein, no dia 25 de agosto de 1991, no trigésimo aniversário da renúncia.
Jânio morreria no dia 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade. O neto fez segredo sobre o que ouviu. Somente publicou as palavras do avô quatro anos depois.
Ao contrário do que fazia diante dos jornalistas - a quem respondia com frases grandiloquentes mas pouco objetivas sobre a renúncia - Jânio Quadros disse ao neto, sem rodeios e sem meias palavras, que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo,os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Não levaram.
Talvez porque já pressentisse o fim próximo, Jânio admite, diante do neto, pela primeira vez,que a renúncia foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais,o maior erro que cometi’’.
A já vasta bibliografia sobre a renúncia ganhou, assim, um acréscimo fundamental, feito pelo próprio Jânio - a única pessoa que poderia explicar o enigma. Desta vez, a explicação parece clara.
Um detalhe inacreditável - que revela como as redações brasileiras são povoadas por uma incrível quantidade de burocratas que vivem assassinando o jornalismo: a confissão final de Jânio mereceu destaque zero nas páginas da imprensa brasileira,o que é estranho, além de lamentável.
A imprensa - que passou três décadas perguntando a Jânio Quadros por que é que ele renunciou - resolve deixar passar em brancas nuvens a confissão final do ex-presidente sobre a renúncia, acontecimento fundamental na historia recente do Brasil!
Tamanha desatenção parece ser um subproduto típico de uma doença facilmente detectável nas redações - a Síndrome da Frigidez Editorial. Joga-se noticia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café . Leigos na profissão podem estranhar, mas a verdade é que há notícias que precisam enfrentar uma corrida de obstáculos dentro das próprias redações, antes de merecerem a graça suprema de serem publicadas! Isto não tem absolutamente nada a ver com disponibilidade de espaço, mas com competência e faro jornalístico.
Se a última palavra do um presidente sobre um fato importantíssimo não merece uma linha sequer em jornais e revistas que passaram anos e anos falando sobre a renúncia, então há qualquer coisa de podre no Reino de Gutemberg. Quem paga a conta, obviamente, é o leitor, a quem se sonegam informações.
O caso da confissão de Jânio sobre a renúncia é exemplar: a informação fica restrita aos magros três mil exemplares do livro do neto. E os milhares, milhares e milhares de leitores de jornais e revistas, onde ficam ? A ver navios. É como dizia o velho Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus!".
Eis trechos do diálogo entre o ex-presidente e o neto,no hospital.As palavras de Jânio não deixam margem de dúvidas sobre a renúncia :
-‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação: nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi(...)Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (N:vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim, ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares, os governadores e, principalmente, o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era, na época, semelhante a Lula : completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse(...) Renunciei no dia do soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que, em primeiro lugar, o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra. Fui reprovado. O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.

Posted by geneton at 01:34 PM

AS SURPRESAS DA POLÍTICA BRASILEIRA: O DIA EM QUE UM EX-PRESIDENTE BRASILEIRO REVELOU, NA CAMA DE UM HOSPITAL, POR QUE TINHA RENUNCIADO

A política brasileira, como se sabe, de vez em quando é agitada por surpresas que poderiam ter saído da imaginação fértil de um roteirista de cinema.
Um das surpresas mais espetaculares foi a renúncia de um presidente que chegara ao Palácio do Planalto como fenômeno de popularidade. Nome: Jânio Quadros.
Durante décadas, houve especulações de todo tipo sobre os motivos da renúncia.
O que pouca gente sabe é que o próprio Jânio Quadros fez ao neto, no leito de um hospital, em São Paulo, uma espécie de confissão final sobre o gesto estapafúrdio.
( Pausa para uma pequena digressão.
O incrível, o extraordinário, o inacreditável é que nossa imprensa
desconheceu solenemente a confissão - feita pelo principal personagem do drama.
Deus do céu: como o jornalismo pode ser espetacularmente burocrático, cinzento, medíocre, chato, insensível e sonolento!
Conclusão óbvia: a temível TDM ( "Tropa dos Derrubadores de Matérias ), formada por aqueles jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo, não descansa nunca! É pior do que a Divisão Panzer. Passa a vida se dedicando, dia e noite, à tarefa de destruir o que o jornalismo possa ter de vívido, curioso, revelador e interessante. Sempre foi assim. E assim será, até o dia do juízo final. Triste, triste, triste.
Vou morrer dizendo: o maior inimigo do Jornalismo é o jornalista. Não é algum general, algum censor, algum crítico.
Um dia, se me sobrarem engenho e arte, pretendo fazer, para meus oito leitores, uma pequena lista de absurdos cometidos, contra o Jornalismo, pelos cães ferozes da TDM. Fiz uma lista. Vou procurá-la. É inacreditável.
A cegueira diante da confissão de Jânio é um exemplo escandaloso da cegueira jornalística.
Duvido que um leitor minimamente interessado em política não lesse uma manchete do tipo "a confissão final: Jânio revela ao neto o motivo da renúncia".
Eu leria. Não sou exceção - é claro.
Se uma declaração feita por um ex-presidente sobre um dos maiores enigmas da política brasileira não é notícia, então o que será? )
Fiz minha parte, na medida do possível: gravei para o Fantástico - onde trabalhava - uma reportagem sobre a confissão do ex-presidente.
Publiquei um texto sobre o caso no nosso livro "Dossiê Brasil" (1997).
Ei-lo:
A mais sincera confissão já feita por Jânio Quadros sobre os reais motivos que o levaram a renunciar à Presidência da Republica no dia 25 de agosto de 1961 somente foi publicada em 1995, em escassas sete páginas de uma calhamaço lançado por uma editora desconhecida de São Paulo em louvor ao ex-presidente
Organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, o livro ‘’Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’’ é, na verdade, um bem nutrido álbum de recortes sobre o homem. Grande parte das 340 páginas do livro, publicado pela Editora Rideel, é ocupada pela republicação de reportagens originalmente aparecidas em jornais e revistas sobre a figura esquisita de JQ.
A porção laudatória do livro é leitura recomendável apenas a janistas de carteirinha. O ‘’Memorial’’ traz, no entanto, um capítulo importante: a confissão que Jânio, já doente, fez ao neto, num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein, no dia 25 de agosto de 1991, no trigésimo aniversário da renúncia.
Jânio morreria no dia 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade. O neto fez segredo sobre o que ouviu. Somente publicou as palavras do avô quatro anos depois.
Ao contrário do que fazia diante dos jornalistas - a quem respondia com frases grandiloquentes mas pouco objetivas sobre a renúncia - Jânio Quadros disse ao neto, sem rodeios e sem meias palavras, que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo,os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Não levaram.
Talvez porque já pressentisse o fim próximo, Jânio admite, diante do neto, pela primeira vez,que a renúncia foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais,o maior erro que cometi’’.
A já vasta bibliografia sobre a renúncia ganhou, assim, um acréscimo fundamental, feito pelo próprio Jânio - a única pessoa que poderia explicar o enigma. Desta vez, a explicação parece clara.
Um detalhe inacreditável - que revela como as redações brasileiras são povoadas por uma incrível quantidade de burocratas que vivem assassinando o jornalismo: a confissão final de Jânio mereceu destaque zero nas páginas da imprensa brasileira,o que é estranho, além de lamentável.
A imprensa - que passou três décadas perguntando a Jânio Quadros por que é que ele renunciou - resolve deixar passar em brancas nuvens a confissão final do ex-presidente sobre a renúncia, acontecimento fundamental na historia recente do Brasil!
Tamanha desatenção parece ser um subproduto típico de uma doença facilmente detectável nas redações - a Síndrome da Frigidez Editorial. Joga-se noticia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café . Leigos na profissão podem estranhar, mas a verdade é que há notícias que precisam enfrentar uma corrida de obstáculos dentro das próprias redações, antes de merecerem a graça suprema de serem publicadas! Isto não tem absolutamente nada a ver com disponibilidade de espaço, mas com competência e faro jornalístico.
Se a última palavra do um presidente sobre um fato importantíssimo não merece uma linha sequer em jornais e revistas que passaram anos e anos falando sobre a renúncia, então há qualquer coisa de podre no Reino de Gutemberg. Quem paga a conta, obviamente, é o leitor, a quem se sonegam informações.
O caso da confissão de Jânio sobre a renúncia é exemplar: a informação fica restrita aos magros três mil exemplares do livro do neto. E os milhares, milhares e milhares de leitores de jornais e revistas, onde ficam ? A ver navios. É como dizia o velho Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus!".
Eis trechos do diálogo entre o ex-presidente e o neto,no hospital.As palavras de Jânio não deixam margem de dúvidas sobre a renúncia :
-‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação: nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi(...)Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (N:vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim, ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares, os governadores e, principalmente, o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era, na época, semelhante a Lula : completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse(...) Renunciei no dia do soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que, em primeiro lugar, o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra. Fui reprovado. O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.

Posted by geneton at 01:34 PM

agosto 26, 2014

LEMBRANÇAS DE UM AGOSTO TRÁGICO: O DIA EM QUE A PRINCESA DIANA MORREU UMA "MORTE AMERICANA" - DENTRO DE UM CARRO, A TODA VELOCIDADE, PERSEGUIDA POR FOTÓGRAFOS

Revejo anotações feitas sobre os primórdios da Globonews:
Azar: quando a notícia de que a Princesa Diana tinha morrido num acidente de carro em Paris chegou à Inglaterra, na madrugada de um domingo de agosto de 1997, eu estava no sétimo sono. Pior: estava de folga. Desastre: nem em casa eu estava!. Tinha viajado para um fim de semana em Blackpool.
Quando acordei, no domingo, cedo, para não perder a hora do café do manhã, liguei a TV. Quase caio para trás quando vi a notícia estampada numa tarja, no pé do vídeo: “Diana morta em acidente em Paris”. Todas as emissoras tinham suspendido a programação normal. Lá embaixo, no salão de café, vi gente chorando enquanto ouvia, paralisada, as notícias vindas de Paris. Comoção nacional.

Pude ouvir, na secretária eletrônica de casa, recados razoavelmente desesperados deixados na madrugada do sábado por editores da Globonews à procura do correspondente de férias...Assim que liguei para a redação do Rio, fui imediatamente “plugado” para o ar. Pude dar as primeiras impressões sobre a tragédia.
De volta a Londres, fiz, para o Jornal das Dez, uma reportagem apressada diante do Palácio de Buckingham. A cena era comovente: as calçadas diante do Palácio estavam literalmente tomadas por centenas, milhares de buquês de rosas. A Inglaterra nunca tinha visto uma demonstração tão ostensiva de luto coletivo. .
Mas nada se comparava às cenas que aconteceriam no sábado seguinte, dia do enterro de Diana.
Parece que estou vendo tudo de novo.
Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Dias atrás, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá.
Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão.
Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.
A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.
São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.
Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?
Enterrada a Princesa, tive a chance de entrevistar, em regime de emergência, um historiador brilhante, para o programa “Milênio”. Chamava-se David Starkey. É um dos maiores especialistas na história da realeza britânica. Fez uma biografia de Henrique VIII, o rei que mandava matar as mulheres.
Durante a semana que se passou entre o acidente em Paris e o enterro da Princesa, David Starkey brilhou nas tevês britânicas ao analisar o impacto da tragédia sobre a opinião pública.
O que diferenciava Starkey do exército de especialistas que desfilavam pelas vídeos das TVs, pelas páginas dos jornais e pelas ondas dos rádios era a originalidade de suas observações.
Terminou encontrando tempo para nos receber – a mim e ao cinegrafista Paulo Pimentel - em casa. Deu um show de verve, ironia e erudição. Comportou-se como um aristocrata chocado com demonstrações de “vulgaridade” registradas durante as homenagens à Princesa.
Os telespectadores do “Milênio”, assim como nós, devem ter ficado deliciosamente chocados com a metralhadora giratória do historiador. Starkey ficou indignado – por exemplo – com o fato de Elton John, um cantor pop, ter sido convocado para cantar na Catedral de Westminster nos funerais das Princesa. Logo ali, na Catedral, tida como “Casa de Deus, Casa dos Reis”....
O historiador via no convite a Elton John uma concessão intolerável ao mau gosto popularesco. Num toque final de ironia, ele disse que Elton John cantando na Catedral era um ato de mau gosto tanto quanto seria ver Luciano Pavarotti soltando seus trinados no funeral da Princesa. A única diferença é que a careca de Luciano Pavarotti era visível. Já Elton John – notou Starkey – trata de esconder a calvície com uma "peruca indecente".
O melhor comentário do historiador irritado foi sobre o cenário da morte da Princesa. Starkey disse que, ao fazer concessões ao circo da fama, a Princesa já tinha deixado há tempos de encarnar as virtudes da “realeza britânica”.
Diana estava, nas palavras do historiador, levando uma vida “americana”. Ao morrer a bordo de um automóvel, a toda velocidade, perseguida por fotógrafos numa madrugada de Paris, ela morreu uma “morte americana”.
Brilhante.

Posted by geneton at 01:36 PM

LEMBRANÇAS DE UM AGOSTO TRÁGICO: O DIA EM QUE A PRINCESA DIANA MORREU UMA "MORTE AMERICANA" - DENTRO DE UM CARRO, A TODA VELOCIDADE, PERSEGUIDA POR FOTÓGRAFOS

Revejo anotações feitas sobre os primórdios da Globonews:
Azar: quando a notícia de que a Princesa Diana tinha morrido num acidente de carro em Paris chegou à Inglaterra, na madrugada de um domingo de agosto de 1997, eu estava no sétimo sono. Pior: estava de folga. Desastre: nem em casa eu estava!. Tinha viajado para um fim de semana em Blackpool.
Quando acordei, no domingo, cedo, para não perder a hora do café do manhã, liguei a TV. Quase caio para trás quando vi a notícia estampada numa tarja, no pé do vídeo: “Diana morta em acidente em Paris”. Todas as emissoras tinham suspendido a programação normal. Lá embaixo, no salão de café, vi gente chorando enquanto ouvia, paralisada, as notícias vindas de Paris. Comoção nacional.

Pude ouvir, na secretária eletrônica de casa, recados razoavelmente desesperados deixados na madrugada do sábado por editores da Globonews à procura do correspondente de férias...Assim que liguei para a redação do Rio, fui imediatamente “plugado” para o ar. Pude dar as primeiras impressões sobre a tragédia.
De volta a Londres, fiz, para o Jornal das Dez, uma reportagem apressada diante do Palácio de Buckingham. A cena era comovente: as calçadas diante do Palácio estavam literalmente tomadas por centenas, milhares de buquês de rosas. A Inglaterra nunca tinha visto uma demonstração tão ostensiva de luto coletivo. .
Mas nada se comparava às cenas que aconteceriam no sábado seguinte, dia do enterro de Diana.
Parece que estou vendo tudo de novo.
Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Dias atrás, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá.
Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão.
Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.
A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.
São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.
Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?
Enterrada a Princesa, tive a chance de entrevistar, em regime de emergência, um historiador brilhante, para o programa “Milênio”. Chamava-se David Starkey. É um dos maiores especialistas na história da realeza britânica. Fez uma biografia de Henrique VIII, o rei que mandava matar as mulheres.
Durante a semana que se passou entre o acidente em Paris e o enterro da Princesa, David Starkey brilhou nas tevês britânicas ao analisar o impacto da tragédia sobre a opinião pública.
O que diferenciava Starkey do exército de especialistas que desfilavam pelas vídeos das TVs, pelas páginas dos jornais e pelas ondas dos rádios era a originalidade de suas observações.
Terminou encontrando tempo para nos receber – a mim e ao cinegrafista Paulo Pimentel - em casa. Deu um show de verve, ironia e erudição. Comportou-se como um aristocrata chocado com demonstrações de “vulgaridade” registradas durante as homenagens à Princesa.
Os telespectadores do “Milênio”, assim como nós, devem ter ficado deliciosamente chocados com a metralhadora giratória do historiador. Starkey ficou indignado – por exemplo – com o fato de Elton John, um cantor pop, ter sido convocado para cantar na Catedral de Westminster nos funerais das Princesa. Logo ali, na Catedral, tida como “Casa de Deus, Casa dos Reis”....
O historiador via no convite a Elton John uma concessão intolerável ao mau gosto popularesco. Num toque final de ironia, ele disse que Elton John cantando na Catedral era um ato de mau gosto tanto quanto seria ver Luciano Pavarotti soltando seus trinados no funeral da Princesa. A única diferença é que a careca de Luciano Pavarotti era visível. Já Elton John – notou Starkey – trata de esconder a calvície com uma "peruca indecente".
O melhor comentário do historiador irritado foi sobre o cenário da morte da Princesa. Starkey disse que, ao fazer concessões ao circo da fama, a Princesa já tinha deixado há tempos de encarnar as virtudes da “realeza britânica”.
Diana estava, nas palavras do historiador, levando uma vida “americana”. Ao morrer a bordo de um automóvel, a toda velocidade, perseguida por fotógrafos numa madrugada de Paris, ela morreu uma “morte americana”.
Brilhante.

Posted by geneton at 01:36 PM

agosto 17, 2014

A GRANDE NOITE DOS DILEMAS, A LONGA TARDE DAS DESPEDIDAS

Faz um ano. Tínhamos terminado a gravação de uma entrevista com o senador Pedro Simon, em Brasília, para a Globonews. De repente, o nome de Eduardo Campos é citado.
( Simon tinha falado sobre a grande noite dos dilemas: as horas dramáticas em que se decidia o futuro político do Brasil numa sala de hospital em Brasília. Com a ausência do presidente eleito Tancredo Neves, internado às pressas na véspera da posse, quem deveria assumir a presidência da República naquele 15 de março de 1985? José Sarney - o vice de Tancredo - ou Ulysses Guimarães, o presidente da Câmara? Pedro Simon foi voto vencido: naquela madrugada, defendia a tese de que Ulysses Guimarães é que deveria sentar na cadeira de presidente durante o impedimento de Tancredo.

A explicação de Simon fazia sentido: se o presidente eleito - Tancredo Neves - ainda não tinha tomado posse, então o vice não poderia substituí-lo. Nenhum dos dois estava exercendo seus cargos. Mas Simon foi voto vencido: o vice Sarney foi entronizado no cargo. Como se sabe, terminou cumprindo todo o mandato, porque Tancredo Neves não sairia vivo do calvário que enfrentou nos hospitais. Um acontecimento absolutamente inesperado - a doença de Tancredo, um dia antes da posse - mudou tudo ali ).
Pouco antes de se despedir, Simon faz uma confissão: tinha ficado impressionadíssimo depois de uma longa conversa com Eduardo Campos. Já se vislumbrava, ali, um possível candidato à presidência da República. Não deu outra.
( Faz sete anos. Numa conversa em "off" em 2007, em São Paulo, depois de um debate sobre jornalismo, o já ex-chefe da secretaria de imprensa da Presidência da República, o grande repórter Ricardo Kotscho, dizia que Lula tinha uma certa predileção pelo então ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. Kotscho lembrava que o então presidente vivia chamando o ministro para acompanhá-lo em viagens - até quando a presença de Eduardo não era rigorosamente necessária na comitiva. Naquela conversa, com anos de antecedência, Kotscho fez uma aposta que se revelaria acertada: dizia que, se fosse escolher uma candidatura dentro do PT para as eleições de 2010, Lula poderia lançar Dilma. Acertou na mosca .).
Agora, outro golpe inesperado do "destino" altera de novo os caminhos da política: o candidato Eduardo Campos embarca num voo fatal menos de uma semana antes do início da campanha "pra valer" - no rádio e na TV.
Choque, perplexidade - uma dor pernambucana que se espalhou pelo país.
Imagens tristes do Recife desfilam na tevê. A "carreata" que atravessou a cidade buzinando na madrugada atrás do caminhão que conduzia o corpo do candidato produziu cenas emocionantes.
Vai ser longa a tarde das despedidas. A comoção popular é sincera.
"Ah, minha cidade suja /
de muita dor em voz baixa /(...) de vestidos desbotados / de camisas mal cerzidas / de tanta gente humilhada / comendo pouco / mas ainda assim bordando de flores / suas toalhas de mesa / suas toalhas de centro / de mesa com jarros / - na tarde / durante a tarde / durante a vida - cheios de flores / de papel crepom / já empoeiradas / minha cidade doída".
É como se a cidade lembrasse dos versos bonitos de Gullar no Poema Sujo - ou daquela velha canção de Caetano: "Guitarras / salas/ vento/ chão / Que dor no coração".
O Diário de Pernambuco divulgou o que seria a primeira peça de uma campanha presidencial que já não poderá ser feita:

Posted by geneton at 01:36 PM

A GRANDE NOITE DOS DILEMAS, A LONGA TARDE DAS DESPEDIDAS

Faz um ano. Tínhamos terminado a gravação de uma entrevista com o senador Pedro Simon, em Brasília, para a Globonews. De repente, o nome de Eduardo Campos é citado.
( Simon tinha falado sobre a grande noite dos dilemas: as horas dramáticas em que se decidia o futuro político do Brasil numa sala de hospital em Brasília. Com a ausência do presidente eleito Tancredo Neves, internado às pressas na véspera da posse, quem deveria assumir a presidência da República naquele 15 de março de 1985? José Sarney - o vice de Tancredo - ou Ulysses Guimarães, o presidente da Câmara? Pedro Simon foi voto vencido: naquela madrugada, defendia a tese de que Ulysses Guimarães é que deveria sentar na cadeira de presidente durante o impedimento de Tancredo.

A explicação de Simon fazia sentido: se o presidente eleito - Tancredo Neves - ainda não tinha tomado posse, então o vice não poderia substituí-lo. Nenhum dos dois estava exercendo seus cargos. Mas Simon foi voto vencido: o vice Sarney foi entronizado no cargo. Como se sabe, terminou cumprindo todo o mandato, porque Tancredo Neves não sairia vivo do calvário que enfrentou nos hospitais. Um acontecimento absolutamente inesperado - a doença de Tancredo, um dia antes da posse - mudou tudo ali ).
Pouco antes de se despedir, Simon faz uma confissão: tinha ficado impressionadíssimo depois de uma longa conversa com Eduardo Campos. Já se vislumbrava, ali, um possível candidato à presidência da República. Não deu outra.
( Faz sete anos. Numa conversa em "off" em 2007, em São Paulo, depois de um debate sobre jornalismo, o já ex-chefe da secretaria de imprensa da Presidência da República, o grande repórter Ricardo Kotscho, dizia que Lula tinha uma certa predileção pelo então ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. Kotscho lembrava que o então presidente vivia chamando o ministro para acompanhá-lo em viagens - até quando a presença de Eduardo não era rigorosamente necessária na comitiva. Naquela conversa, com anos de antecedência, Kotscho fez uma aposta que se revelaria acertada: dizia que, se fosse escolher uma candidatura dentro do PT para as eleições de 2010, Lula poderia lançar Dilma. Acertou na mosca .).
Agora, outro golpe inesperado do "destino" altera de novo os caminhos da política: o candidato Eduardo Campos embarca num voo fatal menos de uma semana antes do início da campanha "pra valer" - no rádio e na TV.
Choque, perplexidade - uma dor pernambucana que se espalhou pelo país.
Imagens tristes do Recife desfilam na tevê. A "carreata" que atravessou a cidade buzinando na madrugada atrás do caminhão que conduzia o corpo do candidato produziu cenas emocionantes.
Vai ser longa a tarde das despedidas. A comoção popular é sincera.
"Ah, minha cidade suja /
de muita dor em voz baixa /(...) de vestidos desbotados / de camisas mal cerzidas / de tanta gente humilhada / comendo pouco / mas ainda assim bordando de flores / suas toalhas de mesa / suas toalhas de centro / de mesa com jarros / - na tarde / durante a tarde / durante a vida - cheios de flores / de papel crepom / já empoeiradas / minha cidade doída".
É como se a cidade lembrasse dos versos bonitos de Gullar no Poema Sujo - ou daquela velha canção de Caetano: "Guitarras / salas/ vento/ chão / Que dor no coração".
O Diário de Pernambuco divulgou o que seria a primeira peça de uma campanha presidencial que já não poderá ser feita:

Posted by geneton at 01:36 PM

agosto 12, 2014

AVISO À PRAÇA: NÃO LEVE A SÉRIO JORNALISTA QUE SE LEVA A SÉRIO

Jornalista adora contar vantagem. Se ele se levar cem por cento a sério, deve ser internado. Se não se levar, deve ser lido.
Feitas as apresentações, convido-vos ao próximo parágrafo.
Repórter é aquele ser bípede que ganha um salário para se intrometer na vida dos outros. Ou para perguntar o que o entrevistado preferiria não responder. Não há exceção a esta regra. Quando vira “amigo” da celebridade, o repórter se anula. Transforma-se em uma entidade não-jornalística.
Uma das primeiras vacinas que o jornalista deve tomar, já no início da carreira, é a AD: anti-deslumbramento. Assim, ele aprenderá que estar próximo não é ser íntimo. Nunca.

O fato de eventualmente conviver com quem é de fato importante e célebre, como presidentes, astros, estrelas, gênios e sumidades, não faz do repórter um integrante desta corte. Pelo contrário. Desde que adote este mandamento como mantra, o repórter estará tecnicamente liberado para contar vantagem à vontade. É o que farei agora.
Feitas as ressalvas, intimo-os ao próximo parágrafo.
Já passei uma hora trancado numa suíte de um hotel em Londres com Woody Allen – que me confessou: “Quero a imortalidade é no meu apartamento, não no meu trabalho!”.
Fui convidado pelo primeiro baterista dos Beatles, Pete Best, para tomar uma cerveja pós-entrevista num pub em frente ao Cavern Club, em Liverpool, em companhia do cinegrafista Paulo Pimentel. Pensei: “Beatlemaníacos dariam a mão direita para estar no nosso lugar”.
Ouvi a viúva mais famosa do mundo, Yoko Ono, soltar uma suspiro desolado, ao ver uma foto em que aparecia ao lado de John Lennon diante do Edifício Dakota.
Vi a Dama de Ferro, a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, me fitar com olhos gelidamente azuis para dizer que não, não iria atender ao pedido que eu fizera a ela: que tal se, num exercício de autoavaliação instantânea, ela escolhesse entre todas as palavras apenas uma, capaz de defini-la?
Vi de perto a cabeleira de um velho ídolo, Paul McCartney, o meu Beatle favorito: a juba tinha levado uma tintura, com certeza. O tom da pele do rosto era ligeiramente esquisito: tinha levado uma camada de pó. Não consegui articular uma pergunta. Os seguranças o cercaram.
Vi um Chico Buarque jovem e nervoso entornar um gole de uísque nos bastidores do Teatro Santa Isabel, no Recife, em busca de coragem para encarar a platéia.
Vi o Rei Roberto Carlos pedindo à nossa equipe que não, não gravasse imagens de uma santa que reinava em cima de uma pequena penteadeira no camarim.
Vi Pelé caminhar anônimo pela Quinta Avenida, em Nova Iorque, por apenas dezesseis segundos - tempo suficiente para ser reconhecido por um africano e, em seguida, por uma multidão que causou um tumulto na calçada.
Vi o ex-presidente Fernando Collor acompanhar nossa equipe até o automóvel, no pátio de uma estação de televisão em Maceió, num gesto que não lembrava em nada o político de ar empertigado dos tempos em que desfilava pela rampa do Palácio. Durante o caminho, foi falando com saudade da finada revista "Realidade".
Vi um Glauber Rocha meio inchado, com cara de sono, desfilar pelo saguão de um cineminha num subúrbio de Paris com uma cópia do último filme que fez, "A Idade da Terra". Queria mostrar a críticos franceses.
Vi Paulo Francis se divertir feito criança com a história de que um embaixador brasileiro teria feito uma nova "opção sexual" depois de velho.
Vi o rosto sereno do Carlos Drummond de Andrade morto: em vida, era o homem mais discreto do planeta. Inerte, no caixão, tinha o rosto bombardeado por flashes. Fiquei pensando no absurdo da situação.
Vi Ulysses Guimarães, à época comandante da oposição política ao regime militar, me soprar no ouvido uma frase que não sei se era uma queixa ou um cumprimento : "Você disparou um petardo!". O velho combatente de olhos azuis reclamava de que eu o "forçara" a se pronunciar sobre a morte de um operário nos porões do Exército, em São Paulo, num momento em que ele, raposa, ainda não tinha recebido informações concretas sobre o caso.
Vi, num momento especialíssimo, o ar contrito do homem que, para o bem e para o mal, mudou a história do Século XX: depois de votar na primeira eleição para presidente realizada na história da Rússia, Mikail Gorbachev caminhou, cabisbaixo, por uma alameda, em direção a um portão de ferro, num subúrbio de Moscou. O homem que comandou uma superpotência vivia, ali, um momento de intensa solidão. Um observador rigoroso flagraria, nas feições de Gorbachev, aquela “dor atônita dirigida contra todo o ordenamento das coisas” que o Dom Fabrizio de “O Leopardo” notou no olhar de um coelho abatido.
O rosto de Gorbachev exibia um ar grave, enquanto ele caminhava, silente, com o olhar voltado para o chão. Em que estaria pensando? Um mundo desabava ali – não com um estrondo nem com um suspiro, como poderia imaginar o poeta, mas com um silêncio enigmático.
Boa noite.

Posted by geneton at 11:52 AM

agosto 10, 2014

FILOSOFIA BARATA: A VIDA, NO FIM DAS CONTAS, NÃO PASSA DE UMA GLORIOSA COLEÇÃO DE INUTILIDADES. QUER VER ?

Sou capaz de citar de memória a escalação completa do time do Sport Club do Recife de 1968: Miltão; Baixa, Bibiu, Gílson e Altair: Válter e Vadinho; Dema, Zezinho, Acelino e Fernando Lima.
Faz quarenta e tantos anos que tento encontrar algum uso para esta lista de nomes.
Não encontrei até agora.
Nunca apareceu a chance de ir a um programa de televisão para responder à pergunta fatal que me daria um milhão de reais em prêmio: quem era o ponta-esquerda do time do Sport que ganhou o Nordestão de 1968?

Eu diria, depois de uma pausa dramática de quinze segundos: "Fernando Lima!".
O apresentador exclamaria: "Absolutamente certo!!!".
Com o dinheiro do prêmio, eu iria morar numa casa de quarto e sala na zona rural de Santa Maria da Boa Vista, sem celular e, principalmente, sem televisão. Lá, passaria o resto dos anos à espera de uma visita da Charlotte Rampling dos anos setenta, miraculosamente rediviva.
Charlotte não apareceria, é claro. O dinheiro um dia iria se acabar.
E eu teria de me inscrever de novo num programa de perguntas-e-respostas, em que um apresentador faria a pergunta fatal:
quem era o médio-volante do time do Náutico que foi vice-campeão da Taça Brasil de 1967?
Depois de dezoito segundos de pausa, eu diria: "Rafael!".
O apresentador diria: "Absolutamente certo!".
E tudo começaria de novo.

Posted by geneton at 12:00 PM

agosto 08, 2014

FAZER JORNALISMO É DIZER QUEM É SCOTT WOLF A UMA CAMAREIRA QUE - ASSIM COMO NÓS - JAMAIS SUSPEITOU QUE SCOTT WOLF EXISTISSE

Reviro meus papéis virtuais, em busca de um texto. Termino encontrando um relato sobre os bastidores da "indústria do entretenimento". Correspondente em Londres, no fim dos anos noventa, eu tinha sugerido ao editor: que tal se, em vez de fazer a tradicional matéria sobre o lançamento de um filme, a gente contasse como funciona o "circo" de divulgação dos grandes estúdios? Ok - a matéria poderia entrar no fim de semana. O relato foi enviado para a redação. Surpresa: quando a matéria foi publicada pelo jornal, só ficaram as declarações do ator. Nada sobre os bastidores. Nada, nada, nada. Assim caminha a humanidade. Com um ou outro acréscimo, eis aqui a reportagem - antes de ter sido jogada na assustadora, horripilante, tétrica, sanguinolenta e burocratíssima MTT ( Máquina de Triturar Textos ), diligentemente operada por editores nos confins das redações do planeta:
LONDRES - Começa assim: num belo dia de primavera, o telefone toca às onze da manhã. Do outro lado da linha, uma voz aveludada anuncia, em tom ligeiramente solene : ''Bom dia ! Você foi indicado para....''.
A palavra ''indicado" (''nominated'', em inglês) lembra, na hora, aquelas festas de entrega do Oscar: ''The nominated are....''. Por uma milésimo de segundo, você pensa, com seus surrados botões : ''É a glória - ainda que tardia ! A Europa se curva diante do Brasil !''.
O delírio se desfaz rapidamente, porque você jamais passou diante de uma câmera de cinema. A festa do Oscar já acabou há seculos.
A voz aveludada esclarece que você foi ''indicado'' para entrevistar Scott Wolf ao meio-dia e meia da quinta-feira na suite 1132 do Saint James Court Hotel, no numero 45 da Buckingham Gate - endereço nobre, a um passo do Palácio de Buckingham. Ótimo. Mas uma dúvida devastadora paira no ar : quem é Scott Wolf, pelo amor de Deus ?
Por cortesia, você livra a moça de voz aveludada do constrangimento de ouvir a pergunta. Corre, então,para o Dicionário de Cinema. Nada. Nem uma linha sobre nosso heroi. Você se lembra daquele escritor inglês - G.H.Chesterton - que uma vez disse: ''O jornalismo consiste basicamente em dizer ''Lorde Jones morreu'' a pessoas que nunca souberam que Lorde Jones estava vivo''.
Quem sabe não terá chegado a hora de adaptar a máxima: fazer jornalismo é entrevistar o famoso Scott Wolf sem jamais ter imaginado que Scott Wolf existisse.
Horas depois do telefonema, chega um novo convite : você é esperado para a avant-première de ''White Squall'', o novo filme de Ridley Scott (o inglês que dirigiu sucessos como ''Alien'', ''Blade Runner,o Caçador de Andoides'' e ''Thelma e Louise''). O filme vai ser exibido para jornalistas na sala de projeção de uma produtora na Dean Street, uma transversal da Oxford Street, no centro de Londres.
Um fax chega com os detalhes. O mistério começa a se desfazer : Scott Wolf -um ator de vinte e sete anos - é um dos astros do filme. Um dia depois da avant-première, o famoso Scott Wolf estará à espera dos jornalistas ''indicados'' na suite do hotel nas vizinhanças do palácio da Rainha Elizabeth Segunda.
Martin Amis, um dos mais incensados escritores ingleses, viajou uma vez para Nova Iorque para entrevistar Madonna, mas a estrela não quis recebe-lo. Amis não desistiu. Primeiro, morreu de rir da pompa ridícula que cercou o lançamento daquele livro de Madonna em poses provocativas.
Depois, produziu um longo artigo para dizer que o grande assunto hoje não é o artista, o cineasta ou o escritor - mas a máquina publicitária que os cerca. Acertou na mosca. O público nem sempre sabe, mas os bastidores, em geral, são mais interessantes que as declarações da estrela da vez .O nome da estrela da vez é Scott Wolf.
Se algum forasteiro ouvisse os cumprimentos trocados por jornalistas na sala de exibição antes do início da avant-première certamente imaginaria que ali estavam legítimos representantes do jet set internacional : ''E aí ? Como é que foi a Sharon Stone ?''. ''Não fui. Mas deu pra fazer Susan Sarandon - uma simpatia''. ''E Robin Williams ? Vem ou não vem a Londres ?''.
Os jornalistas revivem ali a cena surrealista que encenam incontáveis vezes durante o exercício da profissão : falam de celebridades como se fossem velhos íntimos de cada uma. Não são,obviamente. Frequentam, na condição de entrevistadores, suítes presidenciais de hotéis de cinco estrelas em que jamais,sob hipótese alguma, poriam os pés em missão particular, por absoluta insuficiência de lastro bancário.
A reciproca é verdadeira : celebridades tratam os jornalistas como se fossem amigos de infância. Astros diplomados no jogo sabem como conquistar simpatias imediatas : Paul McCartney faz questão de tratar os entrevistadores pelo primeiro nome, um sinal de intimidade que, em situações normais, os ingleses só dispensam a velhos conhecidos.
Ali McGraw - aquela atriz de ''Love Story'' - deu o endereço, pessoal, a um repórter brasileiro, na contracapa de um livro, depois de uma entrevista. Se o repórter, acometido de uma crise delirante de otimismo, resolvesse pegar um avião rumo ao endereço de Miss McGraw em busca de emoções extra-jornalísticas seria, com toda certeza, enxotado para longe por seguranças do porte de Adilson Maguila ainda na porta da mansão. ( De qualquer maneira, guardei a relíquia autografada. Ah, Ali McGraw: você estava tão bonita, séculos atrás, naquele filme com Steve McQueen... ).
É tudo uma grande festa, feita de interesses mútuos. O jogo é aberto : a distribuidora oferece ao jornalista ''indicado'' a chance de entrevistar um astro, porque quer ocupar espaços nos jornais ou tempo nas tevês.
O jornalista aproveita a chance porque, quem sabe, pode obter uma boa entrevista. Quem dispensaria a chance de um encontro exclusivo, sem a presença de intrusos, com o gênio Woody Allen, por quarenta cronometrados minutos,na suíte de um hotel com vista para o Hide Park ? Ninguém. ( o locutor-que-vos-fala estava lá, uma hora antes do previsto ).
O problema é que nem sempre os entrevistados são do primeiríssimo time no ranking dos campeões de preferência. Para cada Wood Allen que cai do céu, há dez roteiristas ou produtores ou astros coadjuvantes que nem os próprios jornalistas conhecem. Mas o sentimento comum é de que vale a pena arriscar. Quem sabe, não estará ali um futuro Stanley Kubrick ou o Dustin Hoffmann ainda anônimo?
O NOVO TOM CRUISE ENFRENTA
UM NAUFRÁGIO EM ALTO MAR
Começa - afinal - o novo filme de Ridley Scott. Minutos depois de iniciada a projeção,um dos jornalistas convidados dorme um sono solto. Morfeu ronda a sala. Mas as cenas de catástrofe na tela despertam os sonolentos.
O filme conta a história de dezesseis adolescentes que partem em viagem de instrução em um barco comandado por um velho lobo do mar, vivido por Jeff Bridges.
Toda a experiência do capitão não impede que o barco vá parar em meio a uma tempestade cortada por raios e trovoes. ''White Squall'' -o titulo do filme - é o nome da tempestade.
Filmadas em um grande tanque, em meio a ondas gigantescas provocadas por um motor, as cenas do naufràgio são de tirar a respiração.
Seis tripulantes - quatro alunos,um oficial e a mulher do capitão - morrem na tempestade. A tragédia vai para as manchetes. O capitão termina no banco de réus.
O julgamento vira dramalhão típico de Hollywood. É a versão marítima de ''Sociedade dos Poetas Mortos'' ou de ''Brubaker'', aquele filme em que Robert Redford faz o papel do diretor que tenta humanizar uma penitenciária.
Agora, o herói que enfrenta a incompreensão do sistema é o capitão vivido por Jeff Bridges (uma curiosidade biográfica : Jeff Bridges é filho de Lloyd Bridges,o ator da serie de TV ''Viagem do Fundo do Mar''. Chegou a fazer pontas na serie. Não é estranho, portanto,ao mundo dos golfinhos, tubarões e tempestades). Scott Wolf faz o papel de um dos adolescentes que vivem a aventura no mar.
O estúdio poderia ter trazido Jeff Bridges - ator consagrado- ou o diretor Ridley Scott para a bateria de entrevistas na suite do hotel em Londres. Mas não. A hora é de apontar os refletores sobre o futuro astro Scott Wolf.
Os jornalistas ''indicados'' deparam-se com um poster do filme na antessala da suite. Um garçom aparece para tirar as dúvidas: em que posso servi-los ? Os mais famintos podem avançar sobre um bolo de chocolate, se quiserem.
A moça de voz aveludada vai levando os jornalistas, em grupos de quatro, para o encontro com o futuro superstar. Há restrições : ninguém deve levar máquina fotográfica. Os jornalistas devem chegar pelo menos quinze minutos antes do horário previsto.
Parece que um dos segredos usados pela máquina publicitária para conceder um ar de importância a qualquer acontecimento é cercá-lo com um certo ar de solenidade. ''Nada de fotos''.''Por favor,chegue na hora''. ''Mister Wolf terá trinta minutos para cada grupo''.
Há poucas semanas, jornalistas passaram pelo ritual de ter as mãos carimbadas com uma tinta especial para ter o direito de ouvir a entrevista coletiva dos renascidos Sex Pistols, em que a maior atração foram os retumbantes arrotos do líder da banda. A engrenagem sabe como funciona.
Scott Wolf usa a tática Paul McCartney para criar um clima de intimidade: repete o nome de cada um dos jornalistas, enquanto os recebe com um aperto de mão firme e um ''que bom ver você!''.
Pela enésima vez, ele repetirá - sem demonstrar qualquer sinal de impaciência - como foi difícil enfrentar aquelas ondas na filmagem da cena do naufrágio. Dirá que se surpreende ao ser reconhecido na rua ''tão longe de casa'' - graças à exibição na TV inglesa de seriados americanos em que atua, como ''Party of Five'' ou ''Saved by the Bell''.

Fará revelações biográficas curiosas : chegou a se formar em ''finanças'' na Universidade de George Washington, mas terminou, tardiamente, optando pela carreira de ator, gracas aos conselhos de um amigo.
Não,não se considera ''símbolo sexual'' - quem se considera, no planeta Hollywood ? Os elogios vão, todos, para o diretor que o escolheu como estrela - Ridley Scott.
Com que outro gostaria de trabalhar ? ''Meu Deus'', diz o futuro astro ao GLOBO,''são tantos...''. Termina citando nomes : Barry Levinson, Martin Scorcese, Quentin Tarantino, Robert Redford, Francis Ford Coppola. Comete uma boa frase : ''Quero trabalhar com diretores que me ajudem a descobrir dentro de mim coisas que nem eu sei que existem''.
Enquanto fala,o novo Tom Cruise não para de comer uvas, traça uma banana e consome copos d'água. ''É o meu café da manhã...'',explica.
Barba por fazer, olhos azuis, camisa de manga comprida preta, calca de veludo verde escuro, o novo ''símbolo sexual das adolescentes'' anuncia que não quer criar limites para si próprio : depois de se recuperar da maratona de lançamento de ''White Squall'', aceitará participar de qualquer projeto que lhe pareca um desafio: ''O problema é que a maioria dos scripts que a gente recebe é lixo''.
Numa mesa ao lado, uma agenda prevê o que acontecerá nas próximas horas até o dia seguinte, quando, ''às 6:55'' , um carro estará no aeroporto,em Los Angeles, para levar Scott Wolf para casa. É tudo cronometrado.
Trinta minutos depois de iniciada a entrevista, uma das funcionárias encarregadas de organizar a maratona abre discretamente a porta da sala e caminha sem produzir qualquer ruído para as proximidades da cadeira onde o novo Tom Cruise consome uvas e bananas entre uma e outra frase. É o sinal de que o tempo acabou.
Wolf ainda brinca. Depois de fazer pontas em filmes inexpressivos, ele confessa : ''É a primeira vez que faço um filme capaz de reunir pessoas em torno de uma mesa...''.
Os jornalistas recebem um pacote de informações sobre o novo filme: um texto de trinta e sete páginas com biografias de atores, diretor e produtores e a história das filmagens, alem de slides coloridos e cópias de reportagens publicadas em revistas sobre o futuro astro.
Há material de sobra para encher páginas e páginas. A engrenagem publicitária se move para lançar um novo nome nas fachadas de cinemas de todo o planeta.
Quando o grupo de jornalistas deixa a sala, Scott Wolf repete o ritual com o grupo seguinte, formado por suecos, portugueses e espanhóis : de pá diante da porta, repete o nome de cada um, exibe um sorriso de gala.Vai começar tudo de novo.
O candidato a astro já aprendeu a lição : não demonstra o menor sinal de enfado. É provável que, no íntimo, esteja contando os segundos para se ver livre daqueles desconhecidos que fazem perguntas como se o conhecessem desde o berço.
Cumpre o ritual com atuação exemplar. Porque sabe que, em breve, aparecerá em publicações e em tevês de todas as partes - em idiomas tao díspares quanto o árabe ou o sueco. Assim nasce uma estrela.
Lá fora, uma camareira olha com curiosidade para o gravador do repórter, pergunta quem é, afinal, a figura importante que ocupa aquela suíte. Você tenta exibir um ar de intimidade: ''Scott Wolf!''
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Ok, lord Jones morreu, mas a máxima de Chesterton talvez mereça uma nova - e última - correção. De vez em quando, como agora, nesta manhã clara de primavera nas vizinhanças do Palácio de Buckingham, fazer jornalismo é dizer que Scott Wolf existe a camareiras que - exatamente como nós, pobres mortais - jamais suspeitaram que Scott Wolf um dia tivesse existido.

Posted by geneton at 12:05 PM

agosto 01, 2014

RELATO DE UM ENCONTRO COM MILLÔR FERNANDES - O "CÉTICO" MIRA CONTRA A "BABAQUICE INERRADICÁVEL DO INTELECTUAL BRASILEIRO", A VULGARIDADE DA FAMA, A "MEDIOCRIDADE" DA TV E OUTRAS FERAS MENOS VOTADAS

Tive a chance de entrevistar Millôr Fernandes longamente, numa tarde de domingo, no apartamento de Ipanema que ele usava como estúdio, ateliê e refúgio. Era uma espécie de bunker - de onde disparava petardos contra a vulgaridade geral. Terminada a gravação, pude alinhavar um decálogo do que ouvi do homem. O que um repórter pode fazer de útil na vida, além de ligar o gravador ? Reviro meus arquivos não tão implacáveis. Eis o principal do que ele disse:
1.“Jornalismo cultural brasileiro é extremamente mafioso”
2.“O ceticismo é uma indagação permanente – que leva à criatividade”


3.“Não fui dominado por quadros acadêmicos nem pela Igreja nem pelo marxismo”
4.“Sou uma pessoa lamentavelmente feliz”
5.“Há a babaquice inerradicável do intelectual brasileiro”
6.“O ser humano sempre chorou à beira do abismo”
7.“O homem é um animal inviável. Mas eu sou viável !”
8.“Popularidade é extremamente vulgar”
9.“Não quero andar na rua e ser reconhecido”
10. “Brigar com os poderes públicos é sempre uma coisa nobre”

Diante de tanto ceticismo, é exagero dizer, para Millôr Fernandes, a vida é uma doença hereditária ?
Millôr : “A vida é – mas não para mim. Sou uma pessoa lamentavelmente feliz. Não cobro do passado o fato de não ter nascido príncipe da Inglaterra. Ou mais bonito, mais inteligente e mais capaz do que eu sou.
Sempre tive boa saúde. Sempre tive em torno de mim pessoas me amando, gostando de mim intensamente e me fazendo sentir bastante protegido. É o que interessa, em última análise. Quanto ao resto, sou cético. Ainda assim, todo o meu trabalho, durante minha vida inteira, sempre foi solicitado, o que me dá segurança. Há sempre gente querendo que eu faça mais do que eu faço. Não tenho amargura, portanto.
Não vou cobrar o dinheiro que não tive. Não vou cobrar as viagens que não fiz. Não vou cobrar o curso de linguística em Masachussets que não pude fazer. Não tive nenhuma formação acadêmica, o que tem um lado negativo e um positivo. Não fui dominado por quadros acadêmicos nem pela Igreja – que é uma bitola fundamental – nem pelo marxismo. Para o bem e para o mal, tenho o meu próprio pensamento. Você me dá uma coisa – e eu penso. Sou uma pessoa profundamente interessada em pensar as coisas.
Não sou, definitivamente, paranóico. Não tenho doenças. E sei que, à proporção que a gente vive, a morte se aproxima. Quanto tem dez anos de idade, você é eterno. Com 20 ou 30 anos, também. Mas um momento em que você sabe que não é eterno. Não é um medo. É uma constatação”.
“Torre de marfim – reserva três para mim” – é o que você diz, num Hai Kai. Você admite que vive numa torre de marfim ?
Millôr: “Não tenho dúvida! Basta ser branco e de classe média no Brasil para já estar numa posição privilegiada. O que é que eu ganho, meu Deus do céu ? Vamos dizer que eu ganhe 50, 100 salários mínimos, o que for. Basta ganhar 50 salários mínimos para ser superprivilegiado. Não tenho do que me queixar. Consegui uma coisa que é absolutamente rara. Digo mais: rara, rara, rara. Nunca tive, a não ser através da violência estatal, uma coisa minha cortada em qualquer órgão de imprensa em que trabalhei.
Brigar com os poderes públicos é sempre algo nobre. O que me deixa humilhado é , por causa de um empreguinho, você aceitar que cortem suas ideias”.
Em que grande causa você acredita ainda hoje ?
Millôr: “Estou completamente cético. Vou dizer uma coisa trivial: o mundo tem, hoje, pela primeira vez na história, a capacidade de se auto-exterminar. Acrescento: o que não faria mal à economia do cosmo.
Chegamos aqui e vamos sair sem que ninguém perceba nada. Talvez seja este o próprio processo ecológico. Sem considerar estas causas metafísicas, acho que o ser humano sempre chorou à beira do abismo. Sempre ia acabar, sempre ia morrer, mas vem fazendo progressos sistemáticos através dos tempos. Ainda que não pareça, o ser humano progrediu do lado ético e moral. O que impede hoje a pena de morte não são fatores como “essa medida vai aumentar a credibilidade” ou “vai diminuir”. Não. O melhor ser humano de hoje – que somos nós dois, no caso – não admite moralmente a pena de morte. Ponto”.
Um dos seus Hai-Kais fala do “cético sábio que ri com um só lábio”. O Hai-Kai é ilustrado, no livro, com um auto-retrato. Você se reconhece na figura do “cético sábio” ?
Millôr : “Eu me reconheço no cético. Mas me reconhecer no sábio seria uma petulância !”.
Você prefere ser chamado de humorista ou de escritor ?
Millôr : “Eu, até há pouco tempo, tinha vergonha quando via o meu nome como escritor. E humorista é algo que há em mim. Se você quiser um termo, é escritor. Ninguém é humorista o tempo todo. Eu, na maior parte do tempo, não sei se estou escrevendo coisas engraçada ou não engraçada”.
Se o homem, como você diz, é um “bípede inviável” – e se é tão difícil acreditar em alguma coisa -, qual é a força que faz você criar ?
Millôr : “Criei uma série de frases no Pasquim. Ziraldo – que se diz a toda hora meu seguidor – vive repetindo-as. Apesar de nossas brigas – este é o lado positivo de Ziraldo - ,ele me corteja através da televisão ( ri). Mas Ziraldo de vez em quando me acusava, dizia que aquela ideia de que o homem era um bípede inviável era de direita. Eu dizia: “Não, Ziraldo ! O homem é um animal inviável ! Mas eu sou viável !”.
Não sou inviável ! Se você quiser falar mal de mim, aconselho você a vir aqui amanhã quando minha empregada estará aí – e falar mal de mim. Experimente falar mal de mim com as pessoas com quem trabalho intimamente – e até com minhas amigas, no sentido mais amplo da palavra. Dificilmente você encontrará alguém que diga que sou um calhorda ou que, na intimidade, não represento aquilo que as pessoas pensam. Isso é que é importante”.
A TV – você escreveu – “é um meio inventado pelo homem medíocre para ser utilizado pela mediocridade para a mediocridade”. A hostilidade que você faz questão de cultivar em relação à TV não corre o risco de parecer anacrônica diante de casos de intelectuais e artistas insuspeitos, como Ziraldo e Paulo Francis, que emprestaram o rosto à TV ?
Millôr: “De Ziraldo não sei qual é a posição. Paulo Francis vive esculhambando a TV. As pessoas vão para a TV tentadas pela coisa humana que é aparecer, algo que não tenho. O pouco que tinha refreei. Popularidade é extremamente vulgar. Não quero andar na rua e ser reconhecido. Mas gosto de um certo prestígio. Gosto de ir a um lugar e não ficar sozinho.
Quanto à TV, é atraente exatamente por esta razão: as pessoas não resistem a mostrar a bunda para um número maior de espectadores. “Calma, você está mostrando a bunda para 30 mil espectadores !”. “Não, mas na outra emissora são 30 milhões…”. É como disco. Se o cantor vende um milhão e passa a vender 800 mil, fica infeliz.
Juro a você: não estou preocupado com essas coisas. Quero que meu trabalho tenha o alcance suficiente para que eu possa continuar a fazê-las”.
Carlos Drummond de Andrade lamentou, dias antes de morrer, que hoje há no Brasil escritores premiados que sequer sabem dominar a língua. Você, como intelectual cultíssimo, constata a vitória do despreparo ?
Millôr : “Totalmente ! É impressionante. E é um dos sintomas da desagregação de um país que não chegou a se agregar completamente. O que se escreve mal…Não falo de ortografia, porque de vez em quando aparece um bobalhão para dizer que você errou ao escrever uma palavra qualquer com “z”, o que é uma bobagem. Ortografia não entra em questão. O que entra é todo o problema sintático do conhecimento, invenção, riqueza e propriedade da língua. A maior das pessoas anda escrevendo muito mal. Isso choca muito. Não vou falar de pessoas que, mal ou bem, são colegas. Parece que você quer ficar apontando erros…
Há poucos dias, saiu um lobby pago pelo Divaldo Suruagy (ex-governador de Alagoas) em todos os jornais. Você lê a matéria paga e vê que aquilo é caso para botar esse rapaz na cadeia. É um analfabeto ! O lobby de Suruagy arranjou dinheiro para pagar aquilo. Gastou uma fortuna. O texto publicado em todos os jornais é de um analfabetismo total, como escritura e como empostação. Como é que ele paga, para ampará-lo como um “grande candidato” ao cargo de ministro da Educação, uma porção de nomezinhos que não têm a menor importância ? Só mostra que não tem a menor noção do que são os fatores culturais do país.
Há pouco, apontei 40 e tantos erros num texto da Petrobrás. Fiz também sobre o Banco do Brasil. Isso sem você querer ser preciosista ! São apenas erros indiscutíveis. Mas, se você procurar coisas mal escritas e os textos em que o autor quer dizer uma coisa e diz outra, encontrará todo dia”.
O intelectual deve ser implacável com todos os governantes, indistintamente ?
Millôr : “Indistintamente. Se você pegar tudo que escrevi, raramente você verá um ataque meu à pessoa física. Com os poderosos, não quero nem saber. Mas procuro ser justo. Evidentemente, não vou fazer um ataque a Afonso Arinos. Posso fazer uma restrição. Mas não vou fazer como faço com Sarney. Desde o princípio, eu sabia que Sarney era um idiota. Infelizmente, eu estava certo. Amanhã, posso fazer restrições a Valdir Pires. Mas não vou tratar Valdir Pires como trato Figueiredo”.
A posição de independência e crítica intransigente a todos os governantes é uma questão ética, para você ?
Millôr: “É uma questão ética, com esta gradação : se amanhã Valdir Pires for presidente, não o tratei, é evidente, como trato Sarney. Ainda que você seja injusto, o homem do poder público tem sempre uma tribuna e meios muito maiores do que você tem para reagir e anular o mal que ocasionalmente você lhe faça”.
Você sempre se refere aos idiotas com irritação, nos textos que você escreve. Qual é o maior exemplo de idiotice hoje no Brasil ?
Millôr : “Quem gostava de falar de idiota era Nélson Rodrigues. Se você quiser saber hoje quem é o maior idiota – pode parecer agressivo, mas não é – vamos botar: entre os maiores idiotas do Brasil está Sarney ( quando da gravação da entrevista, Sarney era presidente da República). Não estou brincando com você. Eu o livro que ele escreveu. É um subintelectual. Absolutamente subintelectual. Uma pessoa a quem a vida deu uma oportunidade histórica inconcebível – e ele jogou a oportunidade no lixo, individualmente e sob o ponto de vista nacional. Se você não classificar esta pessoa como idiota, não sei quem você vai classificar”.
O jornalismo cultural que se faz no Brasil presta ?
Millôr: “Infelizmente, não. Sobretudo, ele é extremamente mafioso. Deixa se seduzir por qualquer coisa, desde o poderoso que oferece uísque na piscina até o amiguinho que não tem nenhuma capacidade de transpor esse perigoso ciclo do envolvimento. Não entro no mérito da qualidade intelectual – aí, vão sempre se salvar algumas pessoas”.
É raríssimo ver Millôr Fernandes falando na imprensa, fora das colunas que você escreve. Em TV, praticamente você não aparece nunca. É excesso de timidez, zelo com a imagem ou patrulhagem ?
Millôr : “É cuidado com a imagem. E, mais do que timidez, um imenso tédio. Vejo tanta gente dizendo besteira e tanta gente salvando a humanidade na TV…Outra coisa: pela minha própria profissão, apareço demais. Há outro ponto fundamental: nestas duas últimas vezes em que fui à TV – inclusive num programa a que todo mundo quer ir, o de Roberto D´Ávila – fui pago. Só fui porque me pagaram. Sou um profissional. Não vou encher a hora do seu Roberto Marinho, Saad ou lá quem seja com um tempo da minha vida – que levei anos e anos para valorizar.
Há a babaquice inerradicável do intelectual brasileiro. Ora, o intelectual brasileiro é até hoje um provinciano que acha bonitinho ir à televisão e aparecer. Acha bonitinho escrever nos jornais. Digo que não são só os intelectuais novos e os que não têm nome. Se você pegar a Folha de S. Paulo, é escândalo que inúmeros daqueles colaboradores socialistas do jornal – dou os nomes: Severo Gomes, Fernando Henrique Cardoso – não se deem conta de que estão fazendo uma lamentável concorrência desleal aos profissionais do setor. São grande nomes, necessários à imprensa. Mas deveriam se reunir, fazer um salário-piso e doar o dinheiro, se acham que não precisam. Mas não podem é escrever de graça. O sistema é mesquinho”.
O que é que tira inteiramente o humor de Millôr Fernandes ?
Millôr: “Sou uma pessoa de um ceticismo muito grande. Não confundir com pessimismo ! O ceticismo é uma indagação permanente – que leva à criatividade. É o contrário do babaca que é o idealista perene ou que aceita o moderno que existe em tudo hoje: existe no feminismo, na pintura, no teatro. O cara vê um movimentozinho qualquer que lhe parece moderno e fica seguro do não-reacionarismo porque entra naquela corporação e naquela ideia. Mas, na verdade, a única coisa que não perdoo – e é realmente imperdoável – é a participação na violência. Não perdoo os políticos que estão aí, inclusive Sarney. Participou. Só não participou mais porque é um abúlico, assim como não participa deste governo até hoje.
Você pode ser o que quiser. Pode ser de direita. Penso que a direita tem todo o direito de estabelecer um critério. Qual é o critério básico da direita ? A superioridade das elites. O que não pode é levar à violência, não pode é dar soco na cara do inimigo, não pode é alijar o inimigo de maneira atrabiliária. O resto ? Podem dizer o que quiserem”.
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*Entrevista gravada em outubro de 1987. Trechos publicados na edição de 07/11/1987 do Jornal do Brasil, no caderno Idéias

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