1. É gol! "O Mercado de Notícias" - documentário que o cineasta Jorge Furtado fez sobre jornalismo - acaba de ganhar o festival de cinema de Pernambuco.
2. O documentário propõe uma saudável discussão sobre a atividade jornalística. Jornalista - como se sabe - passa a vida falando dos outros mas...que tal falar do próprio jornalismo ?
3. Furtado descobriu uma preciosidade: um texto teatral inglês de 1625 chamado..."O Mercado de Notícias". Dirigiu a encenação de trechos da peça diante da câmera.
4. O documentário mistura cenas da peça com depoimentos de treze jornalistas: Jânio de Freitas, Mino Carta, Bob Fernandes, Raimundo Pereira, Paulo Moreira Leite, Renata Lo Prete, Maurício Dias, Cristiana Lobo, José Roberto de Toledo, Leandro Fortes, Luis Nassif, Fernando Rodrigues e o locutor-que-vos-fala.
Estou temporariamente longe de redações e de qualquer atividade jornalística, mas fui ver o documentário.
Primeiro, tive de me recuperar do trauma indizível de me ver "em tela grande". ( Confirmadamente, o melhor lugar do mundo para fazer cinema ou algo parecido é atrás de uma câmera, jamais na frente. Aliás: o melhor lugar é diante de um teclado - de preferência, numa ilha remotíssima). Agora, arrisco um palpite: "O Mercado de Notícias" terá uma bela carreira, porque provocará "n" discussões, entre profissionais e estudantes, sobre este bicho complicado, o jornalismo.
4. Ainda não exibido nos cinemas, "O Mercado de Notícias" terá desdobramentos: versões ampliadas dos depoimentos dos 13 jornalistas que estão no documentário serão postadas no site do projeto.
O primeiro: Jânio de Freitas.
O colunista da Folha diz que os jornalistas frequentemente se enganam: pensam que jornais são impressos para divulgar notícias. Não são - diz ele. Jornais são impressos, prioritariamente, segundo Jânio, "para editar publicidade" - porque esta é que dá dinheiro às empresas."O jornalismo recheia o entorno dos anúncios".
O depoimento:
http://goo.gl/jCFtqa
Só pra tentar botar um inútil pingo num i : macaco é quem joga banana nos outros. Ponto. Basta uma ida ao zoológico ( ou, eventualmente, a um estádio ) para confirmar.
Quanto ao resto dos bípedes falantes, são todos humanos - até prova em contrário. Os que se declaram "macacos" na intenção de condenar um gesto estúpido estão, na verdade, se rebaixando e revogando, por vias tortas, a Teoria da Evolução das Espécies. Não é assim que se combate o racismo. Ver os outros se rebaixarem: é tudo o que um racista gostaria que acontecesse. Não vai ser dessa vez. Publicitários: tentem outro slogan, please. O do macacada não vale.
Parem as máquinas! A melhor e mais importante declaração feita este ano por uma "autoridade pública" no Brasil não veio de nenhum governante, nenhum candidato, nenhum parlamentar municipal, estadual ou federal. Veio de uma professora de uma escola pública que fica lá no "fim do mundo" - no norte do Piauí. O lugar se chama Cocal dos Alves.
Nome da professora: Socorro Vieira. Aparece logo no início de um dos episódios da série Educação.Doc - realizada por Luiz Bolognesi e Laís Bodansky - que a Globonews acaba de reprisar.
Em resumo, ela diz que, se tivesse a chance de faturar "milhões" em outra profissão, dispensaria de bom grado o dinheiro para continuar se dedicando a uma tarefa que ela julga mais compensadora: a de guiar a mão de uma criança rabiscando as primeiras letras na turma de alfabetização. Não por acaso, a escola em que ela trabalha vem obtendo índices surpreendentes. Em uma frase: a dedicação vencendo a precariedade. A professora se pergunta por que os governos não fazem o que deveriam fazer. É possível imaginar o que poderia acontecer se as condições fossem melhores.
O locutor-que-vos-fala votaria de bom grado num candidato - ou candidata - que prometesse o seguinte: um dia depois de tomar posse, entraria no gabinete presidencial no Palácio do Planalto para anunciar que, a partir daquela data, TODAS as escolas públicas do país funcionariam em tempo integral - de nove da manhã às cinco da tarde. E também: 95% das verbas gastas pelo governo em publicidade seriam imediatamente "desviadas" para o ensino público. Ponto. Acorda, Darcy Ribeiro!
Vai aqui o link para a fala da professora. Vale ouvir:
http://goo.gl/zXecJg
Parem as máquinas! A melhor e mais importante declaração feita este ano por uma "autoridade pública" no Brasil não veio de nenhum governante, nenhum candidato, nenhum parlamentar municipal, estadual ou federal. Veio de uma professora de uma escola pública que fica lá no "fim do mundo" - no norte do Piauí. O lugar se chama Cocal dos Alves.
Nome da professora: Socorro Vieira. Aparece logo no início de um dos episódios da série Educação.Doc - realizada por Luiz Bolognesi e Laís Bodansky - que a Globonews acaba de reprisar.
Em resumo, ela diz que, se tivesse a chance de faturar "milhões" em outra profissão, dispensaria de bom grado o dinheiro para continuar se dedicando a uma tarefa que ela julga mais compensadora: a de guiar a mão de uma criança rabiscando as primeiras letras na turma de alfabetização. Não por acaso, a escola em que ela trabalha vem obtendo índices surpreendentes. Em uma frase: a dedicação vencendo a precariedade. A professora se pergunta por que os governos não fazem o que deveriam fazer. É possível imaginar o que poderia acontecer se as condições fossem melhores.
O locutor-que-vos-fala votaria de bom grado num candidato - ou candidata - que prometesse o seguinte: um dia depois de tomar posse, entraria no gabinete presidencial no Palácio do Planalto para anunciar que, a partir daquela data, TODAS as escolas públicas do país funcionariam em tempo integral - de nove da manhã às cinco da tarde. E também: 95% das verbas gastas pelo governo em publicidade seriam imediatamente "desviadas" para o ensino público. Ponto. Acorda, Darcy Ribeiro!
Vai aqui o link para a fala da professora. Vale ouvir:
http://goo.gl/zXecJg
Eis os belos versos de Walt Whitman que Paulo César Peréio declama, com aquela voz de trovão, na abertura e no encerramento do nosso documentário DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS - que será reexibido neste sábado, dia 19, às sete da noite, no Canal Brasil ( produzido pela GLOBONEWS, o COMÍCIO reúne, pela primeira vez, a voz ou a imagem de todos os onze jogadores brasileiros que enfrentaram o Uruguai na decisão da Copa de 50 no Maracanã - e naufragaram gloriosamente. Passaram a vida estigmatizados pela derrota. É hora de anistiá-los.
Grita, Peréio:
“Com música forte eu venho
Com minhas cornetas e meus tambores:
Não toco hinos
só para os vencedores consagrados
Vocês já ouviram dizer
Que ganhar o dia é bom ?
Pois eu digo que é bom também perder:
Batalhas são perdidas
Com o mesmo espírito
Com que são ganhas.
Eu rufo e bato o tambor pelos mortos
e sopro nas minhas embocaduras
o que de mais alto e mais jubiloso
posso por eles.
Vivas àqueles que levaram a pior
E àqueles cujos navios de guerra
afundaram no mar !
E a todos os generais das estratégias perdidas-
Foram todos heróis !
E ao sem-número de heróis desconhecidos,
equivalentes aos heróis maiores
Que se conhecem !
Aos que falharam, grandes na aspiração,
Aos soldados sem nome
tombados na vanguarda do combate-
- eu gostaria de erguer
um monumento coberto de louros
alto, bem alto , acima dos demais”.
.
O cansaço deixou marcas no rosto de Gabriel García Márquez: os olhos estão vermelhos, os cabelos desgrenhados são uma moldura perfeita para o tédio que se desenha em cada sulco da face, a camisa branca exibe marcas de suor nas axilas. São 11 e 45 da noite.
A fama cansa. Deixe-me em paz. Quero dormir – é o que diria, se quisesse ser brutalmente franco com o repórter que o importuna neste fim de noite.
Se pudesse escolher, García Márquez estaria dormindo o quarto sono agora. Mas o Prêmio Nobel é homem de palavra. Cumpre a promessa feita horas antes : depois de passar a tarde inteira falando a estudantes de cinema sobre os segredos da criação literária, como se os talentos da imaginação pudessem ser transmitidos numa sala de aula, ele chega sozinho à recepção deste hotel de terceira categoria em Havana.
Desaba o peso do corpo sobre uma poltrona vagabunda. Acende um charuto. Aceita com um meneio de cabeça a oferta do garçom : um copo de água mineral.
GGM acha que qualquer tempo concedido a repórteres é puro desperdício. Mas aceitara dar uma entrevista desde que o assunto não fosse literatura.
Por imposição do entrevistado, o único tema permitido em nossa conversa seria o mais improvável e aparentemente mais desimportante de todos os assuntos por ventura merecedores de menção num diálogo com um prêmio Nobel de Literatura : o fascínio que as matinês de cinema exercem sobre ele até hoje.
Como todo grande escritor conquista o direito de exercitar pequenas excentricidades sem precisar dar explicações aos intrusos, GGM também determinou com antecedência o número de perguntas: somente seis. Nada além. Número cabalístico ? Jamais se saberá. Não pude perguntar. Não era este o assunto da entrevista.
Eis as descobertas de Gabriel García Márquez sobre as matinês:
1
Por que o senhor considera as matinês tão fascinantes ?
“À hora da matinê – uma palavra francesa metida a empurrões no castelhano – ,no interior dos cinemas, respira-se uma atmosfera lúgubre. Parece que os passos ressoam menos no piso atapetado, mas a verdade é que os que assistem à sessão das três procuram, inconscientemente, passar despercebidos. “É o sentimento de culpa da matinê”, já disse alguém, definindo dessa maneira a atmosfera de mistério e clandestinidade que têm os cinemas às três da tarde”
2
O que é que diferencia, então, o frequentador de matinês dos das outras sessões ?
“Um cinema à hora da matinê se parece a um museu. Ambos têm um ar gelado, uma quietude funerária. E, entretanto, é a hora preferida dos verdadeiros cinéfilos. O verdadeiro cinéfilo vai ao cinema sempre sozinho. Senta-se invariavelmente nas laterais da sala. Não mastiga chiclete nem come qualquer tipo de guloseima. Não lê jornais nem revistas, pois permanece nas nuvens, concentrando a tela com ar de concentrada estupidez até começar a projeção”
3
Pelo que o senhor conseguiu observar no escuro, como é que este cinéfilo se comporta depois de iniciado o filme ?
“Desaperta o cinto, desamarra os cordões dos sapatos e o nó da gravata e trata de apoiar os joelhos ou pôr os pés no espaldar da poltrona dianteira. Cinco minutos depois de começada a a projeção, pode estourar uma bomba no cinema que o verdadeiro cinéfilo não se dará conta”
4
Mas não é possível que as matinês sejam povoadas somente por cinéfilos fanáticos. Quem é, então, que faz companhia a eles ?
“Vai também à matinê aquele a quem o cinema não tem a menor importância. É muito provável que a clientela das matinês diminuiria sensivelmente se os colégios secundários fossem fechados. Os estudantes que comumente vão ao cinema em grupos não têm outro interesse além de se refugiar em lugar seguro enquanto as aulas passam”.
5
O fato de estudantes se refugiarem nas matinês para escapar das aulas explica o ar de estranha clandestinidade dessas sessões de cinema ?
“Como todos nós o fizemos alguma vez, é também muito provável que essa seja a origem do “sentimento de culpa” e da sensação de clandestinidade de que nós, adultos, padecemos na matinê. Devido a esse pequeno público, um cinema às três da tarde é o lugar mais seguro para um encontro escondido, para os amores secretos – por qualquer motivo – e para fugir a uma obrigação inadiável”.
6
Qual foi a melhor definição que o senhor já ouviu sobre as matinês ?
” “Quando tiver um problema sem solução, vá à matinê´´, dizia, há algum tempo, o gerente de uma importante empresa ao chefe de relações públicas : na quarta-feira da semana seguinte, eles se encontraram à saída de uma matinê”.
Meia-noite e meia. Gabriel García Márquez disfarça o bocejo, mas, dois minutos depois, emite um suspiro de cansaço e impaciência, como a dizer que chega, basta, já tinha dito o que queria sobre o mistério das matinês, um assunto mais importante do que todas as inúteis teorias literárias.
Despede-se com um aperto de mão pouco convincente. Em vinte segundos, desaparece de vista, na penumbra de um corredor de hotel mal iluminado nesta noite de julho em Havana.
***************************
(*) PS: Tanto os encontros com Gabriel García Márquez em Havana quanto as perguntas da entrevista são imaginários : um exercício de realismo mágico amador. Mas as divagações de García Márquez sobre as matinês são verdadeiras : foram extraídas do texto “Por que você vai à matinê ?”, publicado no livro “Textos Andinos” (Editora Record)
O grande Gabriel García Márquez morreu, mas tão cedo poderá descansar: dará voltas e voltas no túmulo, diante da quantidade industrial de subliteratura que será escrita sobre ele nos próximos dias, próximas semanas, próximos meses. Assim caminha a humanidade.
( primeira impropriedade: só deveria chamá-lo pelo apelido - "Gabo" - quem fosse realmente íntimo do homem. Todos os outros deveriam tratá-lo como Excelentíssimo Escritor Doutor Gabriel García Márquez. Ah, a falsa intimidade dos apelidos... ).
Um dia disse, ao se referir aos tempos em que não havia ainda trabalhado em redações: "Eu ainda não tinha sido vitimado pelo engodo do jornalismo como ofício".
Por castigo, ao longo da vida terminou virando "vítima" do jornalismo como personagem. Faz poucos dias, mandou dizer aos jornalistas acampados na porta do hospital: "Vão fazer algo útil !".
Tinha horror a dar entrevistas. Uma vez, reclamou de famosa incapacidade de jornalistas de reproduzir com clareza o que ouviram.
Numa conferência, o Excelentíssimo Escritor Doutor García Márquez lamentou:
"Para os redatores dos jornais, a transcrição é uma prova de fogo: confundem o som das palavras, tropeçam com a semântica, naufragam na ortografia e morrem do infarto na sintaxe".
( o texto completo da conferência de García Márquez sobre o jornalismo foi publicado em livro, no Brasil, com o título de "Eu Não Vim Fazer um Discurso").
Em "Viver para Contar", ao falar de um suicida, escreveu que ele "se pôs a salvo dos tormentos da memória".
Eis uma maneira precisa de falar da morte ! Quem morre se salva dos "tormentos da memória" - para sempre.
Ninguém melhor do que o próprio García Márquez para falar da morte de García Márquez.
Poderia - simplesmente - repetir o que escreveu em Viver para Contar, ao lembrar do navio que o levou para longe do lugar onde tinha passado parte da infância. A paisagem sumia, ao longe:
"Contemplei pela última vez as luzes do mundo que eu me dispunha a esquecer sem dor - e chorei à vontade até o amanhecer".