março 31, 2014

CENAS DO SURREALISMO BRASILEIRO

Cenas do surrealismo brasileiro: preso num quartel, no Rio de Janeiro, nas semanas que se seguiram à decretação do AI-5, Gilberto Gil ouve a oferta surpreendente: um sargento pergunta se Gil quer um violão - emprestado. A resposta é sim. O sargento traz um violão de casa. Gil guarda até hoje o nome do militar: sargento Juarez. É uma das histórias de CANÇÕES DO EXÍLIO, documentário que o CANAL BRASIL exibe nesta segunda-feira, dia 31, às sete da noite - nos cinquenta anos do golpe de 1964. E mais: Caetano Veloso se lembra de ter visto um gravador em cima da mesa, durante o interrogatório a que foi submetido por militares, no Rio. Por onde andaria, hoje, esta fita ?

Posted by geneton at 12:19 PM

BYE, BYE, BRASÍLIA: SIMON FAZ UM RETRATO FALADO DOS ÚLTIMOS DIAS DE GOULART NO PODER

Termina já, já, a uma e cinco da manhã,a MARATONA DOSSIÊ GLOBONEWS/50 ANOS DO GOLPE DE 64 -
com um detalhado depoimento do hoje senador Pedro Simon sobre a agonia dos últimos dias de João Goulart no poder.
As palavras de Simon - à época um jovem deputado, partidário de Goulart - retratam um presidente sitiado no poder, bombardeado por pressões de todos os lados: aliados que queriam pressa na execução das "reformas de base", os jornais disparando petardos impressos, os militares conspirando, os americanos se articulando para uma possível intervenção. É um depoimento que dá o que pensar.
O DOSSIÊ trouxe, nos últimos dias, depoimentos tanto de guerrilheiros que pegaram em armas quanto de generais que estão certos de que tiraram o Brasil do abismo - e civis que apoiaram o golpe.
É aquela história: uma das funções do Jornalismo pode ser, simplesmente, a de "produzir memória" - sem pretensões exageradas, sem patrulhagem ideológica. Já é o bastante.
Então, boa noite. É hora de voltar à caverna, para um período de hibernação.

Posted by geneton at 12:19 PM

março 29, 2014

GENERAL: "SOLDADO É O CIDADÃO DE UNIFORME, PARA O EXERCÍCIO CÍVICO DA VIOLÊNCIA"

Uma voz dos quarteis dos "anos de chumbo": GLOBONEWS reexibe já, já, neste sábado, às 21:05, com reapresentação no domingo às 17:05, entrevista em que o general Leônidas Pires chama todos os exilados de "fugitivos", diz que DOI-CODI pagou por informações e declara que "soldado é o cidadão de uniforme, para o exercício cívico da violência". Faz, também, narrativa sobre a noite dramática da internação do presidente eleito Tancredo Neves num hospital de Brasília, um dia antes da posse ( o general Leônidas tinha sido escolhido por Tancredo como ministro do Exército ). Um grupo de políticos - "os luminares da República", segundo ele - discutia quem deveria tomar posse no lugar de Tancredo: se o vice José Sarney ou se o presidente da Câmara, Ulysses Guimarães. O general narra que se aproximou do grupo com uma Constituição e disse que não poderia haver dúvida. Quem deveria tomar posse era Sarney. E assim foi feito.

Posted by geneton at 12:22 PM

"PAI, AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE"

"Pai, afasta de mim esse Cálice" :
( ou: ...e,agora, uma pequena pausa para nossos "comerciais"..)
O CANAL BRASIL exibe, às sete da noite de segunda-feira, dia 31 de março, aniversário do golpe militar, íntegra do nosso documentário CANÇÕES DO EXÍLIO : A LABAREDA QUE LAMBEU TUDO. Com : Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner. Narração: Paulo César Peréio. Participação: Lorena Silva.
Sou suspeitíssimo para falar, mas vale ver: os depoimentos são ricos. Em alguns momentos, emocionam - como a descrição de como foi composta a música Cálice ,rara parceria de Gilberto Gil & Chico Buarque de Holanda.
O documentário não traz guerrilheiros, políticos ou militares. Vai por outro caminho: como a decretação do AI-5 afetou a vida de grandes nomes da música popular? Qual foi o impacto que a fase mais dura dos chamados "anos de chumbo" teve sobre a vida e o trabalho de artistas? Depoimentos completos de Gilberto Gil e Caetano Veloso sobre a prisão dos dois, em São Paulo; revelações sobre o que Caetano ouviu nos quartéis sobre Geraldo Vandré; as ricas discussões, no exílio, entre Glauber Rocha e Caetano Veloso sobre o papel que os militares poderiam ter na abertura política; as dúvidas sobre se deveriam ou não voltar ao Brasil do general Médici; a lembrança emocionada de Gilberto Gil sobre a experiência de ver pela TV, no exílio londrino, a vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo no México; a incrível cena vivida por Gilberto Gil num quartel, na prisão: o comandante pede que ele cante para a tropa. Delírios brasileiros, dores do passado, caminhos interrompidos, sonhos reconstruídos.

Posted by geneton at 12:22 PM

março 28, 2014

MARATONA 50 ANOS DE 64: EX-MINISTRO DOS GOVERNOS MÉDICI E GEISEL FALA DOS BASTIDORES DO PODER NO DOSSIÊ GLOBONEWS, A UMA E CINCO DA MANHÃ

Ex-ministro Reis Velloso diz que militares deveriam ter devolvido logo o poder aos civis: teria de ter havido, em 1965, uma eleição presidencial que tinha tudo para ser empolgante: Juscelino Kubitschek enfrentaria Carlos Lacerda nas urnas. Mas não. Militares revogaram eleição direta e estenderam mandato do marechal Castelo Branco. Resultado: a eleição empolgante foi para o espaço. JK foi cassado. Lacerda idem. Só haveria eleição de novo para presidente em 1989!

Posted by geneton at 12:29 PM

A LONGA NOITE DOS DILEMAS

GLOBONEWS reexibirá depoimento do hoje senador Pedro Simon ao DOSSIÊ GLOBONEWS sobre os dilemas vividos por João Goulart nas últimas horas antes do golpe de 1964.
Simon testemunhou a chegada de Jango a Porto Alegre, na madrugada do dia primeiro, para últimas e dramáticas conversas com aliados - civis e militares. Leonel Brizola queria que fosse articulada uma resistência. O comandante do III Exército disse que estaria pronto para defender o presidente.
Simon tinha ouvido um desabafo de Jango: numa audiência em Brasília, o presidente reclamara do açodamento de aliados que queriam que as reformas fossem feitas já. Jango se sentia, também, sitiado por pressões vindas de todos os lados: dizia que empresários, Igreja, imprensa, estavam todos contra ele. E os americanos prontos a intervir. Quando a situação chegou a um ponto dramático, na madrugada do dia primeiro, Jango estava diante do dilema: resistir ou partir. Se houvesse resistência, haveria, provavelmente, derramamento de sangue - algo que o presidente não desejava. Partiu para o Uruguai. Só voltaria ao Brasil morto, em dezembro de 1976. É o único caso de presidente brasileiro que morreu no exílio. O depoimento de Simon é a palavra de uma testemunha ocular de cenas que, hoje, fazem parte da história.

Posted by geneton at 12:24 PM

março 25, 2014

O QUE UM CONSUMIDOR QUE É TRATADO COMO OTÁRIO PODE FAZER ? NADA, ALÉM DE REPETIR: QUEREM UM CONSELHO? NÃO COMPREM NO PONTO FRIO ! NÃO QUEIRAM DEPENDER DA SPRINGER PARA NADA ! NUNCA, JAMAIS, SOB HIPÓTESE ALGUMA !

Em resumo: o consumidor-otário teve a péssima idéia de comprar um ar-condicionado na loja do Ponto Frio no Barra Shopping, no dia 15 de janeiro de 2014.
O ar-condicionado foi entregue. Ficou devidamente embalado, porque não iria ser instalado na hora, claro. Quando, dias depois, o pacote foi aberto, descobriu-se que o aparelho estava amassado - muitíssimo provavelmente, o dano foi provocado por uma queda durante o transporte até a casa do consumidor-otário.
O que deveria acontecer ? Se esta não fosse a Republiqueta dos Pilantras, o aparelho deveria, simplesmente, ser trocado. É algo que poderia se resolver em duas horas - se este país não se chamasse Brasil e se o comércio não fosse dominado por bandidos de todo tipo.
Fico imaginando quantos e quantos casos parecidos não se repetem todo dia.

Primeiro, o Ponto Frio diz que o consumidor-otário deveria ter aberto o pacote para inspecionar o aparelho no momento da entrega. Em nenhum momento os entregadores disseram nada parecido: apenas entregaram o aparelho, pegaram a gorjeta e tchau.
Depois, o Ponto Frio encaminha o consumidor-otário para uma nova Via Crucis - com fabricante, assistência técnica etc.etc.. Ora, não é a loja que faz a venda que deveria fazer a troca ? Não: o consumidor-otário é orientado a entrar em contato com o fabricante - Springer ( primeiro de uma série de absurdos ).
Em seguida, a Springer aciona uma empresa chamada Service Sul - para fazer "um laudo".
Depois de uma dúzia de telefonemas, um técnico foi finalmente enviado à casa do consumidor-otário, no dia 24 de fevereiro. Constatou, por escrito: "Aparelho amassado. Provavelmente no transporte, o aparelho sofreu uma queda. Cliente solicita troca".
Desde então, um atendente empurra para outro. Diz que o consumidor-otário deve "aguardar retorno" amanhã. Não ligam nunca de volta ! Não é exagero: NUNCA! Fazem o consumidor não apenas de otário - mas de palhaço. Ficam dando inúteis números de protolocos ( já são pelo menos quatro....).
Resumo da ópera: quer ficar livre do risco de ter dor de cabeça ?
Não passe nem perto do Ponto Frio. Não passe nem perto da Springer. É preocupação, stress e perda de tempo, na certa.
Tudo indica que serão R$ 1.194.71 jogados no lixo - o preço do malfadado ar-condicionado. O número da nota poderia servir para jogar no bicho: 290.221.794. O problema é que nunca joguei.
Já virou um lugar comum: num país minimamente sério, quem trata o consumidor como otário deveria, no mínimo, levar uma multa milionária. Mas este é o país dos bandidos.
Não há o que fazer. É botar o nariz de palhaço e correr para longe, o mais longe possível de quem trata assim o idiota do consumidor que, um dia, teve a péssima ideia de entrar numa loja dessas. Como diria o corvo do poema, nunca mais, nunca mais, nunca mais.

Posted by geneton at 12:25 PM

março 21, 2014

CHE GUEVARA: "VOCÊS, BRASILEIROS, FAZEM MILAGRE...."

Aviso aos navegantes: dentro da Maratona 50 anos de 64, GLOBONEWS reprisa, a uma da manhã, entrevista com o jornalista e ex-militante Flávio Tavares: a história completa de um encontro entre Leonel Brizola e Ernesto Che Guevara, no Uruguai. Comentário de Che Guevara sobre o Brasil, ao notar que Flávio Tavares iria fotografá-lo à noite, sem flash: "Vocês, brasileiros, fazem milagre...".

Posted by geneton at 12:35 PM

março 17, 2014

FERNANDO SPENCER PEDE LICENÇA À PLATEIA E SAI DE CENA

Fernando Spencer - que saiu de cena hoje, num hospital do Recife - tinha um poder mágico: o de irradiar a paixão pelo cinema. Não se contentava em escrever sobre cinema, numa coluna do Diário de Pernambuco. Fazia filmes com o que estivesse ao alcance da mão: pouco importa se em Super 8, 16, 35.
Não é difícil imaginar a precariedade do cenário: faltava dinheiro, faltava equipamento, faltava laboratório. Mas os filmes iam nascendo, como se fossem rebentos de uma guerrilha a favor da luz. É o que o cinema jamais deixará de ser, especialmente em tempos inóspitos como eram aqueles: um ato de guerrilha a favor da luz.
Como se não bastasse, Spencer não se limitava a fazer filmes: fazia questão de mobilizar parceiros para aquela guerrilha. Bastava que o aventureiro fizesse meros filmes em Super-8 - como era o meu caso, em meados dos anos setenta - para ser imediatamente batizado de "cineasta" nas colunas de Spencer.
Trabalhei com ele, naqueles verdes anos. Uma das gavetas da mesa de Spencer na redação do Diário era um território fascinante para o repórter que se iniciava na profissão: lá estavam montanhas de fotos em preto e branco de atores, atrizes, diretores de cinema.

Graças a ele, me arrisquei a fazer um primeiro filme em Super-8. Spencer se deu ao trabalho de ir à minha casa, no domingo, para ver a "filmagem" improvisada. Publicou fotos na coluna. Inscreveu o filme na Jornada de Curta-Metragem de Salvador. Poderia ter ficado em casa, é claro, porque era dia de descanso. Mas, não: queria ver, pessoalmente, o primeiro esforço "cinematográfico" do pupilo ( aliás: se eu tivesse um mínimo controle sobre o que viria adiante, não teria dúvida em escolher cinema - e não jornalismo - como atividade. Mas a vida, em última instância, é uma grande coleção de equívocos ).
Depois, eu teria a chance de passar tardes inteiras no escritório que Spencer mantinha em casa: uma balbúrdia de fotos, laudas, roteiros, anotações, fotogramas, cartas, latas de filme, recortes de jornais e revistas. Dificilmente, Chaplin terá tido um admirador tão devotado.
( uma vez, Spencer recebeu um telefonema inesperado do editor-chefe: o carro do jornal iria levá-lo, às três da manhã, para o aeroporto. Um funcionário da companhia aérea tinha passado, em off, a informação ao jornal: um avião que trazia o ator Jack Nickolson e o diretor Roman Polanski iria fazer uma escala no Recife. Spencer pensou que era brincadeira. Não era. Tomou banho, trocou de roupa, ficou esperando a Kombi do Diário de Pernambuco. Lá se foi, insone, para o Aeroporto dos Guararapes. O funcionário da companhia aérea providenciou o desembarque de Nickolson e Polanski - que, nos poucos minutos passados em território pernambucano, foram devidamente fotografados ao lado de Fernando Spencer, o crítico do jornal. O Diário de Pernambuco estampou o flagrante na primeira página, no início de 1973. Naquelas tardes imensas, Spencer descreveria, também, os encontros com Jane Fonda e Anthony Perkins - o Norman Bates do filme Psicose. Os assessores não permitiram fotos de Jane Fonda durante a rápida entrevista: o jornal só poderia publicar a foto oficial. Coisas do submundo das celebridades...)
Os contatos com as super-estrelas eram, claro, esporádicos. A "vida real" era no Recife, o extremo-oposto do especto hollywoodiano, às voltas com planos que nem sempre saíam do papel. Spencer vibrava com cada rebento que saia da moviola para iluminar - ainda que precariamente - nossas telas improvisadas no Recife. Quem já fez ou pensou em fazer cinema no Recife nas últimas décadas, é devedor de Spencer, como bem lembrou Paulo Cunha. Num ato de justiça,o cineasta Amin Stepple - inteligência luminosa de uma geração que apostou no cinema - chamou Spencer de "pai do cinema pernambucano". Os avôs eram os pioneiros do Ciclo do Recife.
Eu me lembro com toda clareza de Spencer fumando um Hollywood atrás do outro, na última mesa à esquerda de quem entrava na redação do Diário de Pernambuco, no prédio da Praça da Independência. Junto da mesa, ficavam os teletipos das agências de notícias: AP, UPI, France Press, Meridional. O barulho incessante das máquinas transmitia à redação um tom de urgência: o mundo pulsava ali, o planeta mandava notícias - inclusive, sobre o que acontecia nas telas de cinema. A fumaça envolvia o ambiente numa névoa acinzentada. Era outro planeta - nada parecido com as atuais redações, silenciosas, assépticas, antitabagistas. Neste território, sob o som dos teletipos e envolta por aquela fumaça, movia-se a paixão arrebatadora de Spencer pelo cinema, pela luz na tela.
O cigarro matou Spencer. Mas ele já tinha sido salvo, há tempos, pelo cinema.
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PS: Aqui, o artigo que Amin Stepple publicou hoje, no blog de Magno Martins, sobre o guerreiro:
Fernando Spencer, o pai do cinema pernambucano
A sala do cinema ficou hoje ainda mais escura. Morreu Fernando Spencer, aos 87 anos, depois de enfrentar uma longa batalha contra a fumaça dos cigarros que enevoou os seus pulmões ao longo de uma vida dedicada a uma grande paixão: o cinema. Se os avôs do cinema pernambucano são os pioneiros do cinema mudo Ary Severo e Jota Soares, Spencer é inquestionavelmente o pai do moderno cinema realizado hoje em nosso estado.
Crítico de cinema durante quarenta anos, com coluna no Diario de Pernambuco e ainda programa semanal de cinema na televisão, a história da produção cinematográfica pernambucana se confunde com a história de vida de Fernando Spencer. É impossível dissociá-las.
Spencer talvez seja o único cineasta em todo o Nordeste que realizou filmes em todas as bitolas: 35 mm, 16mm, Super-8 e vídeo. Premiado várias vezes em festivais e mostras nacionais, coube a Spencer outra façanha: com determinação e entusiasmo, ele recuperou praticamente todos os filmes da fase silenciosa do Ciclo do Recife (1923-31), preservando a memória visual de uma das etapas fundamentais da cultura de Pernambuco. Não é pouca coisa. Pernambuco e o Brasil devem isso a ele.
Outro traço característico de Fernando Spencer: a generosidade. Ele sempre ajudou quem o procurava com o interesse de se iniciar no cinema, realizar algum filme, escrever alguma tese, fazer alguma pesquisa cinematográfica ou até mesmo trabalho escolar. Jamais fechou a porta ou se negou a atender. Pelo contrário, muitos do que hoje brilham nos jornais ou nos filmes comeram e dormiram na cada dele, sempre aberta aos que, como ele, tinham paixão pelo cinema.
Spencer era um incentivador permanente. Um pai desprendido, sem preconceitos e absolutamente jovial. Spencer era pop, gostava de tudo o que era arte, independentemente da origem. Tive oportunidade de fazer um belo filme com Spencer e também uma série de 25 capítulos para a televisão sobre o cinema mudo pernambucano. Foi a pessoa de trato mais fácil com quem eu trabalhei até agora. Quando eu era jovem e carbonário, andei polemizando com Spencer pelos jornais. Questões rigorosamente cinematográficas, nunca nada pessoal. Uma bobagem, da minha parte.
Mas Spencer tinha duas pastas. Uma, com artigos de pessoas que brigaram com ele ou fizeram alguma crítica negativa. Outra, só com textos de pessoas que o haviam elogiado, bem mais volumosa, logicamente. Eu repousava serenamente nas duas pastas: a do contra e a do a favor. O que, com o passar do tempo, se tornou motivo de riso entre nós dois.
Uma vez ele me disse que iria me tirar da pasta do contra, já que não se sentia à vontade que eu, como grande amigo dele, permanecesse lá. Não concordei. Quem ama o cinema sabe que ele é feito também de conflitos. Disse-lhe que me sentia bem nas duas pastas. Isso era cinema e como tal deveria ficar, inalterado.
Muitas vezes, quando ia a casa dele para visitá-lo ou mesmo a trabalho, ele me oferecia uns drinques. Uísque japonês. O consulado do Japão sempre mandava para ele, no final de ano, umas garrafas de uísque made in Japan. Spencer, que entendia de cigarro (colecionava maços de cigarro de todas as partes do mundo) e nada de bebida, servia, com orgulho e prazer, o uísque dos japas.
Hoje, dia em que o cinema voltou a ficar mudo, só resta aos seus amigos e admiradores, fazer um brinde a Spencer. Uísque japonês para todos. Obrigado, Spencer.

Posted by geneton at 12:35 PM

março 15, 2014

1964: A GUERRA DAS PALAVRAS : DEPOIMENTOS CONTRA - E A FAVOR - DO GOLPE. É HOJE, NA GLOBONEWS

Aviso aos navegantes: Globonews exibe neste sábado, às 21:05, com reprise amanhã, às 17:05, segundo programa da maratona DOSSIÊ GLOBONEWS com personagens ligados ao golpe militar de 1964: gente que apoiou - como ex-ministros e ex-governadores - e gente que combateu, como ex-guerrilheiros.
Entre os personagens: ex-guerrilheiros Carlos Eugênio Paz - que, recrutado para a luta armada por Carlos Marighella, mobilizou a própria mãe para a guerrilha; Cid Benjamin, personagem importante do sequestro do embaixador americano; Paulo Egydio, governador de São Paulo na época da morte de Vladimir Herzog ; Reis Velloso, ministro dos governos Médici e Geisel.

Posted by geneton at 12:35 PM

março 10, 2014

CID BENJAMIN

GUERRILHEIRO QUE PARTICIPOU DE SEQUESTRO DO EMBAIXADOR DIZ QUE, “PESSOALMENTE”, PERDOA TORTURADORES, MAS QUER QUE ELES SEJAM JULGADOS

A Globonews reapresenta, neste domingo, às cinco e cinco da tarde, no DOSSIÊ GLOBONEWS, uma entrevista completa com o ex-guerrilheiro Cid Benjamin, um dos “cabeças” do mais surpreendente golpe desferido contra a ditadura militar: o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil.

O plano dos sequestradores deu certo: a junta militar que, na época, governava o país libertou quinze presos políticos, em troca da vida do embaixador. Os guerrilheiros também exigiram que fosse lido, nas rádios e na TV, um manifesto denunciando a ditadura. Assim foi feito. A “linha dura” engoliu um sapo gigantesco.

Há uma história que ainda não foi totalmente contada: como foi exercida a pressão do governo americano sobre os militares brasileiros para que a vida do embaixador fosse salva. Parece óbvio que o governo americano disse, em resumo, o seguinte: aconteça o que acontecer, queremos o embaixador vivo. É o que aconteceu.

Charles Elbrick saiu da aventura com uma ferida na testa – resultado da coronhada que recebeu na hora em que era capturado. Mas a operação poderia ter acabado em tragédia. Os guerrilheiros que sequestraram o embaixador estavam dispostos a reagir se os chamados “órgãos de segurança” descobrissem e invadissem o cativeiro – uma casa na rua Alice, em Santa Teresa, no Rio. Numa possível invasão, haveria baixas dos dois lados. É possível imaginar o tamanho da crise que se abriria nas relações entre Brasil e EUA se o embaixador voltasse para casa, em Washington, para ser sepultado.

Cid Benjamin terminou preso, meses depois do sequestro. Passou por sessões de tortura – a que não faltaram cenas de “humor negro”. Ao acionar o mecanismo que provocava choque no prisioneiro, torturadores repetiam o bordão que Chacrinha tornara famoso na TV: “Roda, roda, roda e avisa….”.

Além dos choques elétricos, Benjamin foi pendurado no pau-de-arara. Torturadores aplicaram-lhe “telefone” – o que o fez perder, parcialmente, a audição de um dos ouvidos. Também levou injeção: uma aplicação do chamado “soro da verdade”.

Hoje, ele faz, sobre os torturadores, uma declaração que pode provocar alguma surpresa. Diz que, ao contrário do que pode sugerir a imagem caricata, os torturadores não pareciam ser necessariamente “monstros”. Pelo contrário: entre eles, havia gente que parecia ser perfeitamente normal, pacatos pais de família capazes de cometer atrocidades indescritíveis. Pareciam encarnar a “banalidade do mal”.

Demorou, mas Cid Benjamin terminou reunindo em livro suas memórias, em 2013. Título: “Gracias a la Vida”.

Um pequeno trecho da entrevista que irá ao ar no DOSSIÊ GLOBONEWS:

Hoje, tanto tempo depois, qual é a visão que você tem sobre os torturadores?

Cid Benjamin: “O que me chamou atenção é que não necessariamente eles eram monstros. Eu não tinha lido Hanna Arendt – que, no livro que fez sobre Adolf Eichmann, chegou à conclusão de que ele era “horrivelmente normal”, depois de ter cometido aquelas atrocidades todas sob o nazismo. Evidentemente, o cidadão que tem como parte do trabalho a tarefa de torturar pessoas tem a personalidade deformada por esta prática. Com o tempo, ele deixa de ser uma pessoa normal – mas me chamava atenção, desde aquela época, o fato de que nem todos os torturadores se enquadrariam diretamente naquela coisa de monstros.

Eu imaginava que alguns dos torturadores podiam ser bons pais de família, bons vizinhos, torcer por time de futebol, fazer um churrasco com os amigos e, no entanto, torturar pessoas. Nem todos eram assim: havia psicopatas, havia sádicos, havia profissionais – como policiais mais antigos que torturavam presos comuns e passaram a torturar presos políticos. Aquilo, para eles, não afetava o dia-a-dia. Era como se fossem tomar o café da manhã e, depois, almoçar.

Havia militares imbuídos da coisa da Guerra Fria. Achavam que estavam numa guerra. Também havia militares que torturavam e diziam ao preso: “Eu respeito você: é um inimigo respeitável”. E torturavam o sujeito! É uma multiplicidade muito grande de personalidades. Nem todos podem ser enquadrados assim: “É um monstro – que tem a vida social de monstro”. Isso não é passar a mão na cabeça dos torturadores. É muito mais grave que seja assim: que pessoas aparentemente normais sejam capazes de torturar. Isso é mais grave.

Não estou passando a mão na cabeça de ninguém ao fazer esta constatação! Mas é uma constatação real. É um fato. O ser humano é capaz dos gestos mais nobres e dos mais ignóbeis. Isso é parte da natureza humana. É bom que a gente tenha consciência desse fato. Não se iluda. Porque seria mais cômodo dizer: “Quem tortura é monstro”. Não é assim. A sociedade em que vivemos é uma sociedade que não aboliu inteiramente a tortura. Não criou a consciência de que a tortura é algo abominável. É uma sociedade que permite que pessoas com uma vida relativamente normal sejam torturadoras. Isso é dramático!.

Em relação a rancor e ódio: não tenho – inclusive aos que não se arrependeram. É preciso abrir os arquivos das Forças Armadas sobre a repressão política, desvendar tudo o que aconteceu, trazer tudo à tona – muito mais para criar anticorpos na sociedade para que coisas assim não se repitam. Eu poderia perdoar todos os meus torturadores. Mas acho que eles devem ser punidos – não por mim nem pelo meu caso, mas porque o futuro da tortura está ligado ao futuro dos torturadores. Talvez se os torturadores da ditadura tivessem sido punidos, Amarildo estivesse vivo.

Tortura é um crime de lesa-humanidade. Não pode prescrever. Torturadores têm de ser levados a julgamento – não só os que executaram as torturas diretamente, mas a cadeia de comando toda. Não é com a preocupação de quem olha para trás, mas com a preocupação de quem olha para frente. A democracia precisa disso – para que seja solidificada e para que se criem condições para que a tortura não se repita”.

Para ser bem direto: você perdoa os torturadores?

Cid Benjamin: “Pessoalmente, sim. Politicamente, quero que eles sejam julgados. Os que forem condenados que cumpram a pena”.

Posted by geneton at 12:32 AM