O PAI DE DUAS CRIANÇAS DEFICIENTES ESCREVE O QUE OUTROS PAIS NÃO TERIAM CORAGEM DE ESCREVER. RESULTADO: UM BELO LIVRO
Fiz,em 2.000, uma entrevista de vinte horas (!) de duração com um jornalista que tinha se especializado em comandar redações : Evandro Carlos de Andrade. Vinte horas! Dez sessões de duas horas cada. Fiz um rosário de perguntas sobre o Diário Carioca, o Globo, a Rede Globo de Televisão.
A entrevista permanece inédita. Evandro morreu em 2001, quando comandava a Central Globo de Jornalismo. Tinha dirigido a redação do Globo por anos. Prometido: a entrevista um dia vai ser publicada, porque é um registro importante sobre a história da imprensa brasileira nas últimas décadas.
Um detalhe me chamou a atenção. Depois de falar de presidentes, ministros, campanhas, eleições, revoluções, vitórias, derrotas, grandezas e fraquezas, Evandro concluiu: o sentido da vida são os filhos. Ponto final. Não era nem o jornalismo nem a carreira nem a política nem o dinheiro nem a literatura nem a religião. Nada. Eram os filhos. E assunto encerrado.
Eu me lembrei do comentário sucinto mas inequívoco de Evandro Carlos de Andrade ao terminar a leitura de um livro belo e perturbador sobre filhos. Título: “Aonde a gente vai, papai?” (“Où on va, papa?”) . Autor: Jean-Louis Fournier. Editora: Intrínseca.
Fournier é um diretor de programas de TV francês. Teve dois filhos deficientes. Nomes: Mathieu e Thomas. A experiência, claro, deixou marcas profundíssimas na vida de Fournier – que, depois de décadas de silêncio, resolveu escrever sobre o assunto. O livro fez um enorme sucesso na França. Os filhos ficaram adultos. Um já morreu. O outro vive internado numa espécie de clínica de repouso.
Fournier teve a imensa coragem de escrever o que outros pais que viveram experiência semelhante podem até ter pensado mas dificilmente teriam coragem de confessar : diz,por exemplo, que, ao levar os filhos deficientes para passear de carro, pisava no acelerador e fechava os olhos, porque achava que um acidente na estrada poderia ser uma “solução” para tantos planos irrealizados, tantos silêncios, tantas impossibilidades. Mas, ao contrário do que as aparências possam fazer supor, o sentimento de Fournier pelos dois é de paixão.
Faço contato com o pai corajoso – o escritor que expôs, em livro, os dilemas e dubiedades provocadas pela dupla experiência.
“Se vocês fossem como os outros, eu talvez tivesse tido menos medo do futuro. Mas, se vocês tivessem sido como os outros, seriam como todo mundo”
Trechos do livro:
“Quando se fala de crianças deficientes, assume-se um ar circunspecto, como quando se fala de uma catástrofe. Ao menos uma vez, eu gostaria de falar de vocês com um sorriso. Você me fizeram rir, nem sempre involuntariamente”.
“Graças a vocês, tive algumas vantagens em relação aos pais de crianças normais. Não me preocupei com seus estudos nem com orientação profissional. Não tivemos de hesitar entre uma carreira científica ou literária. Nem de nos inquietar quanto ao que vocês fariam mais tarde – soubemos rapidamente o que seria: nada”.
“Se vocês fossem como os outros, eu os teria levado ao cinema, teríamos visto juntos os velhos filmes de Chaplin, Eisenstein, Hitchcock, Bunuel e outra vez Chaplin(…)Se vocês fossem como os outros, eu os teria levado ao baile com suas namoradas em meu velho carro conversível(…)Se vocês fossem como os outros, eu teria tido netos. Se vocês fossem como os outros, eu talvez tivesse tido menos medo do futuro. Mas, se vocês tivessem sido como os outros, seriam como todo mundo. Talvez não tivessem se interessado por nada na escola. Teriam gostado de Jean-Michel Jarre. Teriam se casado com uma idiota. Teriam se separado. E talvez tivessem tido filhos deficientes. Escapamos de boa”.
“Aqueles que nunca tiveram medo de ter um filho que não fosse normal que levantem a mão. Ninguém levantou.Todo mundo pensa nisso como pensa num terremoto, como pensa no fim do mundo – algo que só acontece uma vez. Eu tive dois fins do mundo”.
“Quando eu era jovem, desejava ter mais tarde uma escadinha de filhos. Eu me via escalando montanhas cantando, atravessando oceanos com pequenos marinheiros que se pareceriam comigo, percorrendo o mundo seguido de uma alegre tribo de crianças curiosas de olhar vivo, às quais eu ensinaria muitas coisas – os nomes das árvores, dos pássaros e das estrelas(…)Crianças para quem eu inventaria histórias engraçadas. Não tive sorte. Joguei na loteria genética, perdi”.
“Nunca compreenderei por que foram punidos com tanto rigor. É profundamente injusto, eles não fizeram nada. Isso parece um terrível erro judiciário”.
“Queríamos poder tê-lo defendido da sorte que se havia agarrado a ele. O mais terrível é que não podíamos fazer nada. Não podíamos sequer consolá-lo, dizer-lhe que o amávamos assim como era – tinham-nos dito que ele era mudo. Quando penso que sou o autor dos dias dele, dos dias terríveis que ele passou na Terra, que fui eu quem o fez vir, tenho vontade de lhe pedir desculpas”.
“Quando estou sozinho no carro com Thomas e Mathieu, passam-me às vezes pela cabeça ideias estranhas. Penso que se sofresse um grave acidente de carro talvez fosse melhor. Estou ficando cada vez mais insuportável de conviver – e as crianças crescem e ficam cada vez mais difíceis. Então, fecho os olhos e acelero – mantendo-os fechados o maior tempo possível”.
“Quando acontece algo assim, a gente não costuma falar. É como um tremor de terra, é como o fim do mundo”
A entrevista de Jean-Louis Fournier ao DOSSIÊ GERAL:
O senhor não costumava falar sobre seus filhos. Por que mudou de atitude?
Jean-Louis Fournier: “Quando acontece algo assim, a gente não costuma falar. É como um tremor de terra, é como o fim do mundo. Quando a gente vê um tremor de terra, a gente espera que ele termine, antes de falar sobre ele. Porque, quando a gente sofre um tremor de terra, há tantas coisas a fazer que não se pode refletir. Não há tempo para escrever.É preciso esperar que a poeira baixe. É exatamente o que aconteceu comigo. Agora que um dos meus filhos morreu – e outro vive numa clínica- , já não tenho problemas domésticos ou problemas práticos a serem enfrentados. Posso, então, refletir. E mais: já não sou jovem. Tenho setenta anos. Sou biodegradável. Já não posso esperar tanto, se desejo deixar uma lembrança dos meus filhos. Fiz o livro também para deixar uma lembrança, um marca dos dois. Porque as crianças deficientes não deixam marcas na vida. Não falamos sobre elas. Os outros,em geral, nem sabem que elas existem. Quando eles morrem, não dizemos a ninguém. Não há nada. Com meu livro, quis fazer com que eles passassem a existir. Quis fazer com que eles fossem conhecidos no mundo inteiro”.
O senhor conseguiu, já que eu, por exemplo, estou ligando do Brasil para falar dos seus filhos….
Jean-Louis Fournier: “O que é extraordinário é que, quanto a estas crianças, ninguém pergunta por elas. As pessoas ficam incomodadas. Porque a verdade é que não há nada a dizer sobre as crianças deficientes. Não podemos dizer: o que é que elas estão estudando? Fizeram provas? Arranjaram uma namorada? A única resposta que a gente pode dar, quando alguém nos pergunta o que é que nossos filhos deficientes estão fazendo, é: “nada”.O que é que eles fazem? Nada. O que é que eles fazem? Nada. Não me perguntavam nunca sobre eles. Agora, quando um dos meus filhos já nos deixou – e o outro quase já não vive entre nós -, os que leram meu livro me pedem notícias dos dois”.
Qual foi a lição mais importante que você aprendeu com seus filhos?
Jean-Louis Fournier: “A lição mais importante….(pausa) foi : o fato de não ser parecido com os outros não quer dizer, necessariamente, que você não seja tão bom quanto os outros. As crianças deficientes são um mistério. Não temos o direito de dizer que a vida que elas vivem não é interessante, já que não sabemos. A vida de cada um é diferente. A frase que não gosto de ouvir – mas que ouvi algumas vezes – é : “Eu me coloco no lugar dessa criança”. Ora, ninguém pode se colocar no lugar de outro. Não podemos dizer que a vida de um gato é menos interessante do que a vida de um político ou de um sábio. Não sabemos”.
Por que o senhor diz que não se considera um bom pai ?
Jean-Louis Fournier: “Não fui porque sou impaciente. Não sei ser paciente. Perco logo a cabeça. Quando eles choravam de noite, eu tinha vontade de jogá-los pela janela. Não creio, portanto, que tenha sido um pai tão bom. Com essas crianças, é preciso ter uma paciência de um anjo. E não sou um anjo”.
O que é o senhor pode dizer a um pai que tenha o mesmo problema que o senhor teve?
Jean-Louis Fournier: “Digo que não há uma criança deficiente: há uma criança que, por ser não ser como as outras, é um mistério. Dizem que são menos inteligentes do que as outras. O que é que elas significam ? Que há diferentes formas de inteligência. Ouço coisas como: se a Terra fosse povoada apenas por pessoas normais e inteligentes,a vida seria impossível. Porque a vida seria parecida com um estádio, onde cada um tentaria ser o primeiro. Mas, graças a essas crianças, há coisas que valorizamos, como o sonho, a inutilidade, a poesia. Porque de certa maneira elas são poetas, já que não estão integradas ao nosso mundo moderno: não vivem, por exemplo, tentando ganhar dinheiro. Vivem no sonho. Creio que o surrealismo é próximo do que essas crianças são. Há poemas surrealistas que poderiam ter frases ditas por crianças deficientes. É o que quero dizer. O que aprendi com meus filhos é que crianças deficientes são uma forma de poesia”.
PAULO COELHO CONVOCA: “SINTAM-SE LIVRES PARA INSULTOS”
Paulo Coelho, o escritor brasileiro que se tornou um espantoso fenômeno de vendas no Brasil e no exterior, dá sinal de vida no DOSSIÊ GERAL.
O blog publicou trechos da entrevista em que um professor emérito da Universidade de Brasília, Édson Néry da Fonseca, cita Paulo Coelho como exemplo de “subliterato” ( ver post anterior)
Já habituado a levar bordoadas, o mago Paulo Coelho informa que, por coincidência, criou, há apenas uma semana, um espaço virtual para armazenar as críticas que lhe são feitas.
Uma nota pessoal: estive poucas vezes com Paulo Coelho. Uma vez, incomodei-o no apartamento com vista para o mar que ele mantém em Copacabana. Fui até lá para antecipar uma gravação que ele faria para um programa da TV Globo.
Eu me lembro de que ele contou que cultuava uma pequena esquisitice: adorava o “boa noite” que a apresentadora Lílian Witte Fibbe dava no final dos telejornais. Chegou a gravar uma fita com uma coleção de “boas noites”.
Em resumo: se fosse possível resumir em uma frase a impressão que Paulo Coelho deixou, eu diria, sem hesitar, que ele é “do bem”. Parece imune às tentações do megasucesso. Passa a impressão de uma simplicidade pouco vista em personalidades internacionalmente aclamadas, como ele é.
O mago PC é um brasileiro vitorioso. Faz sucesso como escritor num país iletrado. A qualidade do que ele faz é aberta a discussões? É óbvio que é. Por que não seria ?
O próprio Paulo Coelho convoca os eventuais críticos a publicar seus insultos à vontade.
Eis a mensagem do mega best-seller Paulo Coelho ao DOSSIÊ GERAL:
“Muito engraçada a entrevista. Como diz um dos comentários, tem gente que quer aparecer apenas porque faz críticas – e neste caso conseguiu estar aqui neste blog. Isso dito, sintam-se livres para insultos: criei um lugar no meu blog na semana passada, especialmente para isso
http://paulocoelhoblog.com/2009/11/19/por-que-odeio-paulo-coelho-why-i-hate-paulo-coelho/
Os comentários são moderados, mas não censurados. Leiam os insultos de outras 700 pessoas ali”.
INTELECTUAL QUE COMBATE SUBLITERATURA NÃO PODE PISAR NA ACADEMIA. MOTIVO: PODE LEVAR UMA SURRA DOS SUBLITERATOS
Aviso aos navegantes: o DOSSIÊ GLOBONEWS exibiu uma entrevista com o intelectual que combate a subliteratura, a ponto de ter sido aconselhado a não pisar numa academia de letras, porque corria o risco de levar uma “surra”:
http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1396570-17665-337,00.html
Édson Néry da Fonseca é uma figura rara, porque, num mundo dominado pelo culto à mediocridade, ao exibicionismo e à idiotia, vive de cultivar a beleza literária e as virtudes do silêncio e do recolhimento. Não por acaso, este professor emérito da Universidade de Brasília vive hoje num casarão antigo, ao lado do Mosteiro de São Bento, em Olinda. Faz sucesso em feiras literárias – como aconteceu na Flip – recitando versos belíssimos de Manuel Bandeira.
O homem que cultiva o silêncio, a poesia e a fé acaba de lançar um livro de memórias. Título: “Vão os dias e eu Fico”. Editora: Ateliê Editorial. Recomendado.
Um trecho da entrevista:
Qual é o verso mais comovente que o senhor conheceu ?
A importância da poesia descobri uma vez em que havia aqui no Recife um jornalzinho distribuído nas praias chamado “O Praieiro”. Um dia, publico neste jornal o poema de Carlos Drummond de Andrade Consolo na Praia. Quando chego à praia de Boa Viagem, aproxima-se de mim um médico amigo que me abraçou e me disse: “Muito obrigado! Eua ia me matar hoje mas não me matei por causa do poema de Drummond!”. Eu disse: “Que coisa!”. Ia se matar porque tinha um neto drogado, incorrigível. O poema:
“Vamos, não chores.
A infância está perdida
A mocidade está perdida
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou,
o segundo amor passou,
o terceiro amor passou,
mas o coração continua” (trecho)
O senhor diz que detesta escritores acadêmicos e subliteratos. O senhor poderia citar, se é que existe, uma grande virtude um escritor subliterato e e um grande defeito de um escritor acadêmico ?
“Não diria que sou contra escritores acadêmicos. Sou contra a academia porque não é o meu ideal de convivência literária. Que uma Academia como a brasileira tem grandes escritores não há dúvida nenhuma. O que sou é contra a subliteratura. Os subliteratos é que me aborrecem. Mas eles têm virtudes humanas. Podem ser pessoas boas e nobres. Não são culpados de serem subliteratos. A subliteratura é a literatice, a oratória – algo que prejudica muitos escritores -, o estilo empolado, também chamado de barroco, o que é uma injustiça aos grandes escritores barrocos que houve”.
Quem é subliterato hoje no Brasil?
“Vou minimizar. Não posso entrar na Academia Pernambucana de Letras porque, numa entrevista que dei ao Jornal do Commercio, disse que ela era um reduto de medíocres.Quando o meu amigo José Paulo Cavalcanti Filho se elegeu, disse que não dispensava minha presença na posse. Mas,na véspera, veio à minha casa às oito da manhã pedir para eu não ir. Perguntei: por quê?. E ele me disse que fizera uma sondagem: “Disseram que iam dar uma surra em você se você entrar lá”. O subliterato não quer que a gente o chame de subliterato…”.
O senhor não poderia fazer a concessão de citar um nome de um subliterato brasileiro?
“Paulo Coelho. Com toda a consagração mundial, aquilo é um fenômeno de marketing que vai ser esquecido um dia”.
Qual foi o primeiro grande contato que o senhor teve com a mediocridade ?
“Aconteceu no colégio onde estudei – de jesuítas. Eram quase todos medíocres. Basta dizer que o professor de literatura, o padre Villas Boas, chamada Eça de Queirós de patife”.
O fato de um padre jesuíta citar um grande escritor como Eça de Queirós como um patife significou uma decepção para o senhor com a escola ?
“Ah, significou. Quando concluí o curso ginasial, neste colégio católico, deixei de ter fé. Deixei de frequentar a Igreja. Durante os dois anos do curso pré-jurídico,fui agnóstico.Não quis saber daquilo. Porque a mensagem que eles transmitiam era muito infantil: tinham por programa e por orientação só falar do inferno e das penas eternas. Isso não passou. Anos depois, em Brasília, participei de um retiro espiritual. O pregador era um jesuíta que veio para pregar. Era um típico jesuíta com aquela batina preta, aquela sotaina. Só falou em penas eternas. Logo no segundo dia de retiro, o pregador disse: “Eu soube que vocês querem conversar comigo. Não admito conversa! Conversem com os cardeais que estão aí à disposição! “. Veja que coisa…”.
O senhor diria que a velhice é a idade da contemplação?
“Pago para ver gente inteligente falar. Para mim, o espetáculo da inteligência é algo que me deslumbra. Sou capaz de pagar para ver gente inteligente falar, assim como sou capaz de pagar para não ir ver burros falarem”.
Ás vésperas de completar 88 anos de idade, qual é a grande pergunta para a qual o senhor não encontrou resposta até agora?
“É o fato de – com a exceção de um – todos os amigos de minha geração terem morrido, mas eu não morri. Eu me pergunto permanentemente a Deus: por que é que eu fiquei ? Isso me lembra o melhor romance de Graham Greene, “O Poder e a Glória”. Todos os padres virtuosos estavam sendo fuzilados.O padre devasso e bêbado era poupado. E esse padre perguntava a Deus: por que é que os virtuosos estão sendo mortos e eu sobrei?”.
Isso é um mistério. Não sei o que é que Deus quer de mim”.
Anotação de uma visita ao museu que homenageia um grande poeta em Moscou:
A poucos passos da antiga sede da KGB, a famigerada polícia secreta dos tempos do regime soviético, o forasteiro encontrará, preservado, um discreto monumento à poesia : o quarto onde vivia Vladimir Maiakóvski, autor de versos épicos e geniais. Não existe lugar melhor para celebrar a beleza trágica da vida do maior poeta russo do século vinte.
“Tudo
o que quero
é um palmo de terra
ao lado
dos mais pobres
camponeses e obreiros.
Porém
se vocês pensam
que se trata apenas
de copiar
palavras a esmo,
eis aqui,camaradas,
minha pena,
podem
escrever
vocês mesmos !”.
Uma pequena legião de fãs maiakovskinianos desembarca todos os dias neste endereço que vem se tornando cult,em pleno centro de Moscou. Uma placa aponta para um pátio, no início da rua Myatninskaya. O visitante que deixar a calçada rumo ao pátio interno de um prédio desbotado terá uma surpresa.O pátio dá acesso a um dos mais originais,irreverentes e anticonvencionais museus abertos nos últimos anos na Rússia.
“Perdidos em disputas monótonas,
buscamos o sentido secreto,
quando um clamor sacode os objetos :
Dai-nos novas formas !”
Não há mais tolos boquiabertos
esperando a palavra do “mestre”.
Dai-nos,camaradas,uma arte nova
-nova-
que arranque a República da escória “.
O Museu Maiakovski abriu suas portas em 1990 – quando o comunismo já agonizava sob os escombros do Museu de Berlim.Virou ponto de peregrinação de fãs de Maiakovski,principalmente porque foi lá que o poeta morou,entre l9l9 e l930,num quarto modesto onde viria a morrer.
Os quatro andares do prédio onde ficava o quarto de Maiakovski foram transformados em museu,administrado pelo Estado. Ao contrário do que acontece em museus instalados em casas onde viveram escritores – em geral,marcados pelo tom austero e solene – o Museu Maiakovski dá asas ao delírio.
“Bebe e celebra ! Desata
nas veias a primavera !
Coração,bate a combate !
O peito – bronze de guerra”.
O Museu quer reproduzir,numa espécie de ”instalação” que poderia ser perfeitamente montada numa dessas bienais de artes plásticas,o que se passava pela ”imaginação em chamas do poeta”. Assim,objetos que pertenceram a Maiakovski,como manuscritos e até boletins escolares, são expostos de uma maneira que pode confundir visitantes desatentos. É esta exatamente a intenção do Museu : provocar espanto no visitante.
Cadeiras estão suspensas no ar. Uma estante de vidros quebrados parece enterrada no chão. Surrealismo puro. A porta de uma cadeia é a maneira de informar que Maiakóvski ficou preso por nove meses por ter ajudado presos políticos a fugir.Um dossiê policial registra,ainda na primeira década do século,as atividades do subversivo Maiakóvski,na Rússia pré-revolucionária. Bolas azuis jogadas no trajeto dos visitantes são uma citação ao futurismo.
Depois de descobrir o futurismo na Escola de Pintura e Escultura de Moscou,Maiakóvski foi um dos autores de um manifesto que pedia ”um tapa na rosto do gosto do público”. Bustos clássicos espalhados pelo chão testemunham a necessidade de estilhaçar velhas formas da criação artística : ”Sem forma revolucionaria não há arte revolucionária”. Seis fuzis apontam para o céu.
O poeta chegou a fazer um apelo para ser recrutado pelo Exército. Depois de percorrer os quatro lances da instalação delirante,o visitante chegará ao pequeno quarto de pensão que exibe,na porta,o nome do poeta. O cenário é modesto : um sofá,um baú azul,uma estante de quatro prateleiras,uma foto de Lênin na parede. É tudo despojado e simples,como convém a um poeta que escreveu :
Os versos
para mim
não deram rublos,
nem mobílias
de madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara
e basta -
para mim é tudo.
Ao Comitê Central
do futuro ofuscante,
sobre a malta dos vates
velhacos e falsários,
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
os cem tomos
dos meus livros militantes”.
Ao lado do quarto de Maiakóvski, o chão foi pintado de amarelo. Há portas vermelhas entreabertas. O visitante que desembarcar neste estranho mas fascinante museu terá como guia um personagem que parece saído de um dos versos do poeta : uma mulher de 74 anos,chamada Maria Leonietvna. Depois de ler um aviso de que o museu estava à procura de ”trabalhadores idosos”,esta ex-professora se apresentou. Contratada,virou especialista em Maiakovski.
Aos visitantes,ela explicará que durante anos a vizinha KGB,”por razões de segurança”,era contrária à instalação de um Museu no local onde Maiakóvski viveu e morreu.”Desde que Maiakóvski morreu, ninguém voltou a morar no quarto que ele ocupava.Era propriedade do Estado” – dirá a paciente guia. Entusiasmada com a narrativa da odisséia do poeta na Rússia conflagrada das primeiras décadas do século,Maria Leonietvna vai guiando os navegadores entre um e outro cenário do planeta maiakovskiniano instalado no centro de Moscou :
-”Maiakovski era uma figura contraditória sob todos os aspectos. Rejeitava o amor burguês,mas amou uma mulher de origem burguesa.Temos um ícone de Nossa Senhora no Museu : Maiakóvski era ateu, mas se voltou para a idéia de Deus. Rejeitava o Estado,mas serviu ao Estado.Fez versos e pinturas triunfalistas sobre a Rússia. Stalin vetou Maiakóvski, porque ele tinha escrito um poema dedicado a Lênin. Quando Stalin devolveu Maiakóvski à vida russa,pensou que Maiakóvski escreveria um poema de louvor a ele.Mas Maiakóvski não escreveu” – diz a guia.
Tanto tempo depois, visitantes anônimos percorrem este pequeno território no centro de Moscou.O capítulo final pode ter sido – e foi – trágico. Mas Maiakovski é lembrado como o poeta vital,épico,rebelde,que celebrava o Comitê Central do Futuro em versos gritados como estes,em que dialoga com o sol :
(…)”Vamos,poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu,de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol”.
Maiakovski – que enfiaria um balaço no peito no dia quatorze de abril de 1930, aos trinta e seis anos de idade - produziu em 1926 um poema belíssimo em homenagem a Serguei Iessienin, um poeta e amigo que se matara três dias depois do Natal de 1925 . Não se sabe o que é maior ali : se a tragédia de um suicídio consumado (e outro antevisto) ou se a beleza de versos encharcados de dor e esperança. Maiakovski passou três meses escrevendo os versos de ”A Serguei Iessienin”.
Haroldo de Campos traduziu assim o canto de Maiakovski ao amigo morto :
”Por enquanto
há escória de sobra.
O tempo é escasso-
mãos à obra.
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la -
em seguida.
(…)Para o júbilo
o planeta
está imaturo.
É preciso
arrancar alegria ao futuro.
Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício”.
Iessienin tinha deixado,como despedida,versos belos mas desesperançados – escritos, literalmente,com sangue, num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Depois de cortar os pulsos e escrever os versos finais, Iessienin se enforcou.
A tradução de Augusto de Campos para os versos de Iessienin foi publicada no volume ”Maiakovski/Poemas”,um pequeno tesouro organizado a seis mãos por Boris Schnaiderman e pelos irmãos Campos para a Editora Perspectiva,em São Paulo, em 1983 :
”Até logo,até logo,companheiro
Guardo-te no meu peito e te asseguro :
O nosso afastamento passageiro
é sinal de um encontro no futuro.
Adeus,amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer,nesta vida,não é novo,
tampouco há novidade em estar vivo”.
Cinco anos depois,o próprio Maiakovski se matou. O bilhete de despedida dizia :
”O incidente está encerrado.O barco do amor quebrou-se contra a vida cotidiana. Estou quite com a vida. É inútil passar em revista as dores,os infortúnios e os erros recíprocos. Sejam felizes”.
QUE MADONNA QUE NADA! MAIOR CELEBRIDADE INTERNACIONAL A VISITAR O BRASIL EM 2009 FOI NEIL ARMSTRONG : PRIMEIRO HOMEM A PISAR NA LUA FEZ VIAGEM SECRETA A SANTA CATARINA
O primeiro homem a pisar na lua e o administrador do hotel, em Santa Catarina: foto tirada pelo irmão da noiva (Cortesia Carlos Herique Schmidt)
Começa, já,já, a temporada de retrospectivas.
Pergunta-se: quem terá sido a maior celebridade internacional a pisar em solo brasileiro em 2009? A cinquentenária Madonna ? Não,não, não. “Façam suas apostas”.
Edwin Aldrin, o segundo homem a pisar na Lua, passou pelo Brasil na semana passada, numa rápida visita que incluiu uma conferência para estudantes em Campos (Estado do Rio), a inauguração de uma fábrica de brinquedos em São Caetano do Sul (São Paulo) e reuniões com empresários da indústria aeronáutica. Deu entrevistas, tirou fotos, distribuiu autógrafos.
Mas, por uma grande coincidência, Edwin Aldrin não foi o único tripulante da Apolo 11 a desembarcar no Brasil em 2009 – exatos quarenta anos depois da primeira missão tripulada à lua.
Aos fatos:
Uma das maiores celebridades do Século XX passou pelo Brasil anônimo, sem ser descoberto nem pela imprensa nem por caçadores de autógrafos.
Neil Armstrong, o astronauta que entrou para a história como o primeiro ser humano a pisar no solo da lua, passou dois dias hospedado na suíte 122 do Plaza Itapema Resort & Spa, em Itapema, Santa Catarina. Desceu em São Paulo, pegou uma conexão para Florianópolis e desembarcou no aeroporto Hercílio Luz, onde um carro o esperava para a viagem até um hotel e resort em Itapema, a cerca de cem quilômetros da capital. Passou com louvor no teste do anonimato. Ninguém o reconheceu.
Notoriamente recluso, Neil Armstrong sempre evitou entrevistas, fotos e aparições. Desde 1994, deixou de dar autógrafos. Só dá o ar da graça em ocasiões especiais – como neste ano, quando posou para fotos ao lado do presidente Obama e dos dois outros astronautas da Apolo 11, nas comemorações dos quarenta anos da conquista da lua.
Neil Armstrong com o Presidente Obama, em rara aparição pública, nos 40 anos da viagem à lua : óbvia predileção por gravatas amarelas e camisas azuis (Foto: site da Casa Branca)
Depois de correr mundo e receber todo tipo de homenagem como “herói do espaço” no final dos anos sessenta, Neil Armstrong resolveu dispensar, para sempre, a adulação da fama. Voltou à vida de professor de engenharia. Terminou se aposentando. Vive numa fazenda em Ohio, Estados Unidos. Nada de entrevistas, nada de fotos, nada de autógrafos, nada de badalação.
Uma prova da fascinação despertada até hoje pelo primeiro homem a pisar na lua: um barbeiro vendeu por 3 mil dólares um tufo de cabelo de Neil Armstrong
Como se fosse o Greta Garbo da corrida espacial, a mensagem que ele envia ao planeta é claríssima: “Leave me alone”. Deixem-me sozinho. O jornal inglês The Guardian chamou-o recentemente de “o J.D.Salinger da corrida espacial: a supercelebridade que foge da publicidade” – uma referência ao escritor que,depois de publicar “O Apanhador no Campo de Centeio”, resolveu se esconder do mundo. Um site que reúne informações sobre relíquias da corrida espacial diz que Neil Armstrong é o único contemporâneo que será citado daqui a mil anos, porque foi o primeiro ser humano a por os pés em um solo que não pertencia ao planeta Terra. O assédio não chega a ser uma surpresa.
A caça por “traços” do primeiro homem a pisar na lua bateu o recorde não faz tempo: o barbeiro que costumava atendê-lo tratou de guardar mechas de cabelo do homem. Quando o astronauta deixava a barbearia, o barbeiro recolhia tufos de cabelo do chão. Em seguida, anunciou que era dono da relíquia. Resultado: vendeu o tufo de cabelo por três mil dólares a um colecionador de relíquias espaciais. Armstrong ficou uma fera. Processou o barbeiro. Mas não conseguiu recuperar os tufos de cabelo.
Por obra do acaso, a família do astronauta silencioso terminou ganhando uma conexão brasileira em 2009 : Andi Knight, enteado de Neil Armstrong, apaixonou-se por Cristina Chang, brasileira que vive na Califórnia. Decidiram que o casamento seria no Brasil.
A surpresa: Neil Armstrong saiu da reclusão para participar da celebração de casamento, num resort localizado à beira-mar, em Santa Catarina.
A escolha do local não ocorreu por acaso: comerciante em Itajaí, Santa Catarina, o pai da noiva costuma jogar golfe nas dependências do resort.
Quem imaginaria encontrar Neil Armstrong flanando nas dependências de um resort, no quilômetros 144 da BR 101 ? Mas ele estava lá.
O mais importante – e mais recluso – dos astronautas fez um pedido antes de embarcar para o Brasil: que ninguém soubesse da viagem. O pedido foi atendido
A administração do Plaza Itapema Resort & Spa recebeu com antecedência um pedido, encaminhado pelo astronauta: a viagem brasileira da celebridade mais reclusa do planeta só poderia ser divulgada depois que ele tivesse ido embora. A direção do hotel cumpriu a exigência.
Livre do assédio indesejado de repórteres ou caçadores de autógrafos, Neil Armstrong circulou pelas instalações do resort sem ser reconhecido – nem incomodado. Fez longas caminhadas pela praia, mas não arriscou um mergulho. A água estava fria. Tomava café da manhã entre os outros hóspedes sem chamar a atenção de ninguém. Era tudo o que queria.
Em retribuição ao sossego que pediu – e encontrou -, Neil Armstrong posou para fotos com a família da noiva e com o administrador do resort. A ficha de hóspedes regista os nomes de Carol Armstrong – a segunda mulher do astronauta. Em seguida, como segundo hóspede da suíte 122, aparece um nome abreviado: N.A. Armstrong (o nome completo do herói do espaço é Neil Alden Armstrong).
Sem ser reconhecido por outros hóspedes, Armstrong não se furtou a trocar idéias com o superintendente da rede Plaza de hotéis - Carlos Henrique Schmidt – que tinha tido o cuidado de fazer um “curso intensivo” sobre o astronauta: tratou de ler tudo o que encontrou sobre ele.
O primeiro astronauta a pisar na lua disse que é bobagem (“bullshit”) responsabilizar o homem pelo aquecimento global
O trato feito com a administração foi cumprido ao pé da letra: o astronauta recluso entrou no resort no dia 24 e saiu no dia 27 de maio, mas o primeiro registro sobre a presença do viajante ilustre só foi feito tempos depois, no site do hotel.
Schmidt terminou brindado com uma declaração surpreendente do astronauta: Armstrong disse que a paranóia sobre o aquecimento global era “bullshit”. Ou seja: besteira. O que Schmidt ouviu de Armstrong ?
Procurado pelo Dossiê Geral, o interlocutor do astronauta deu este depoimento sobre o que ouviu de Neil Armstrong (horas depois, enviou a foto tirada pelo irmão da noiva):
“É um homem simples, tremendamente discreto. Não curte a importância que tem. De qualquer maneira, ninguém o reconheceu. Tomava café da manhã a fazia refeições no restaurante, em meio aos outros hóspedes. Tinha pedido para não tirar fotos. Já que ele é uma das poucas pessoas de toda a humanidade que tiveram a chance de enxergar a terra de um ponto-de-vista a que ninguém teve acesso (somente doze astronautas pisaram na lua), perguntei o que é que ele achava dessa situação de catastrofismo que tantos colocam: a sensação de que a terra vai acabar, a questão do aquecimento global, todas essas coisas que todos nós vemos diariamente na imprensa. Quero ouvir a opinião de Neil Armstrong, porque parece estar havendo muita especulação. E ele me disse: “Isso tudo é bullshit!A Terra é maior do que a humanidade. Você pode acabar com a vida humana, mas a Terra não vai acabar”. Também me disse de que o aquecimento global causado pelo homem na verdade faz parte de ciclos vividos não apenas pelo planeta, mas pelo sistema solar. O planeta vive sujeito a acontecimentos como, por exemplo, um meteorito que pode acabar com a vida na terra de um momento para outro. A situação de aquecimento global é mais decorrente da proximidade da terra com o sol, por exemplo. Ou seja: Neil Armstrong acha que a parcela do homem no processo de aquecimento global é mínima. Fenômenos solares e geológicos são muito mais impactantes do que a atuação do homem. É o que de mais interessante ouvi de Armstrong”.
“Disse a ele do meu orgulho de conhecê-lo, porque ele é uma das maiores personalidades vivas do planeta. Isso é mais impactante quando a gente vê a simplicidade com que ele age. Armstrong fez um discurso aos noivos. Transmitiu aos noivos que a vida a dois é uma vida que tem de ser marcada por respeito. Passou uma mensagem sobre a importância de um respeitar ao outro, num casamento. Disse que o princípio básico de um bom relacionamento é o respeito. Não fez qualquer referência à carreira de astronauta. O discurso foi familiar. Armstrong falou como padastro do noivo. Pela personalidade que ele é, todos queriam ouví-lo. Uma das características do ritual de casamento cumprido pelos coreanos é que os parentes próximos fazem, todos, uma mensagem aos noivos: os irmãos, os pais, todos. A noiva era brasileira – de origem coreana . É impressionante a tranquilidade que Armstrong passa para as pessoas. Digo que vi tal tranquilidade em poucas pessoas na minha vida…Não pedi autógrafo. Não caberia, naquele momento, porque era um momento privado”.
Assim como chegou, o primeiro homem a pisar na lua se foi : como se fosse um hóspede qualquer. Mas não é. Um tufo de cabelo de Neil Armstrong vale, comprovadamente, três mil dólares. Que outra celebridade atingiria tal cotação no louco mercado da fama?
AGENTE SECRETO JURADO DE MORTE PELA MÁFIA DIZ QUE DELEGADO BRASILEIRO ACEITOU “FAVORES” DE “PROSTITUTA DE LUXO” OFERECIDA POR INFORMANTE PROFISSIONAL EM PARIS
O DOSSIÊ GLOBONEWS exibe neste domingo, com exclusividade, o depoimento de um “agente infiltrado” ( o programa vai ao ar na Globonews ao meio-dia e meia do domingo e às três e meia da tarde da segunda, depois de exibido pela primeira vez no sábado, às sete e meia da noite).
Ei-lo:
O agente, no Rio de Janeiro: missões perigosas (Imagem: Lúcio Rodrigues)
Fausto Cattaneo é o nome deste homem – que se diz marcado para morrer pela Máfia siciliana. Nacionalidade: suíça. Idade: sessenta e seis. Circulou, anônimo, pela zona sul do Rio nas últimas semanas.
“Eu sei que existe uma bala guardada para mim”, diz, sem drama.”A bala pode chegar da Máfia siciliana, por exemplo. Se quiserem me matar, eles me matam quando e como quiserem”.
Não é para menos: durante anos, o suíço Cattaneo atuou como agente infiltrado em organizações criminosas internacionais – uma função de altíssimo risco.
Sob identidades falsas, fez papel de advogado corrupto, banqueiro, traficante. O trabalho de Cattaneo tornou possível a apreensão de “toneladas de drogas” – e o confisco de “milhões de dólares” de dinheiro sujo, diz ele, sem especificar números.
Um informante que trabalhava para Cattaneo foi executado em grande estilo pela Máfia : ao lado do corpo, os autores da execução deixaram uma bala, intacta.
O célebre juiz italiano Giovanni Falcone, inimigo público da Máfia, tratou de fazer um alerta: aquela bala era um aviso sinistro endereçado ao próprio Cattaneo. Tempos depois, no dia 23 de maio de 1992, o próprio Falconi foi executado pela Máfia, num crime de repercussão internacional.
O locutor-que-vos-fala gravou uma longa entrevista com o agente. Como se fosse um turista comum, ele admirava a paisagem de cinema da Lagoa Rodrigo de Freitas, num dia de céu sem nuvens.
Resignado, diz aprendeu a conviver com o perigo, mas ficou assustado quando recebeu, em casa, uma ameça telefônica : uma voz “com sotaque siciliano”, avisava que seria fácil “pegar’ Cattaneo. Bastaria fazer com que um carro o atingisse, “por acidente”, no momento em que ele estivesse passeando de bicicleta, na pequena cidade onde ele vive, no sul da Suíça.
O temor tinha dois motivos. Primeiro: ter sido alcançado por telefone. “Meus números sempre foram ultra-secretos”. Segundo: o autor da ameaça sabia que ele costuma andar de bicicleta. É verdade.
O agente diz que teria coragem de se infiltrar no comando do tráfico no Rio, desde que contasse com a ajuda de “pessoas certas”
Cattaneo listou táticas usadas para se infiltar entre criminosos sem despertar suspeitas: “Ficar na prisão no meio de criminosos, sem que eles saibam; recrutar informantes, ganhar confiança e ter muita, muita paciência”.
O agente teria coragem de se infiltrar no comando do tráfico de drogas numa favela no Rio?
“”Sim”, diz ele. “Mas com a ajuda de pessoas certas. Sozinho,não. A primeira medida: deixar a impressão de que sou importante. Mas sem dizer jamais “eu sou importante”. O que vale é causar uma impressão particular n0s outros, até que eles digam: “Ah, esse gringo é a pessoa certa. Com esse gringo, a gente pode fazer negócio”.
Assim, o caminho estaria aberto para que o agente conhecesse, por dentro, o comando do tráfico.
O ex-agente infiltrado confirma que “prostitutas de alto luxo” são usadas por informantes profissionais como uma espécie de moeda de troca na garimpagem por informação privilegiada.
O esquema é simples: as “prostitutas de alto luxo” são oferecidas, por exemplo, a policiais envolvidos em investigações sigilosas. Os policiais que aceitam o “presente” ficam devendo este – e “outros favores” – aos informantes profissionais.
Quando ficam íntimos de policiais, os informantes podem eventualmente ter acesso a informações que valem ouro, num submundo marcado por lavagem de dinheiro, tráfico internacional e operações suspeitíssimas.
Os tais “informantes profissionais” de que fala Cattaneo não são nem policiais nem criminosos: são, em última instância, “traficantes” de informações. Fazem de tudo para ganhar a confiança e a intimidade de quem possui aquilo que eles perseguem: informação privilegiada.
Cattaneo garante que, “nos anos noventa”, um delegado da Polícia Federal brasileira enviado a Paris para uma investigação aceitou os “favores sexuais” de uma prostituta oferecida por um informante profissional. Em casos assim, os policiais “ficam na mão do informante”,como diz Cattaneo:
“Amanhã, se o delegado disser ao informante “ah,você não pode entrar nesta investigação”, o informante poderá dizer: “Não se esqueça daquele quarto, daquela cama, daquela bonitona em Paris…”.
A vida aventuresca de Fausto Cattaneo acaba de chegar às telas. Inédito no Brasil, o filme “Dirty Money: l´infiltré” foi lançado este ano na Europa.
A ligação de Cattaneo com o Brasil é sentimental: o ex-agente casou com uma brasileira. Fala um português perfeitamente compreensível, entrecortado por palavras em espanhol e em francês. Além de gosto por passeios de bicicleta, adora água de coco.
AVENTURAS EM MOSCOU/ PARTE 3: O JORNALISTA REVELA UM SEGREDO GUARDADO DURANTE VINTE ANOS: O CHINÊS QUE ESCREVIA CARTAS SUPER-POLITIZADAS NUNCA EXISTIU
O baú de histórias proibidas que o jornalista Oleg Ignatiev guardou em segredo mas hoje pode contar não pára aí : além do poema que foi arrancado às pressas da edição do jornal porque trazia uma comparação imprópria entre Josef Stalin e a águia das montanhas, ele se viu às voltas com um chinês que jamais existiu.
Ignatiev recebeu a tarefa de encontrar, entre a correspondência enviada ao jornal, uma carta que saudasse a amizade entre a Rússia e a China. Mas não pôde cumprir a missão : a carta simplesmente não existia. Nenhum leitor tinha se dado ao trabalho de louvar os tratados de cooperação assinados entre os dois países.
O que fez nosso herói ? Num gesto que não teve coragem de confessar nem aos seus companheiros de trabalho, Ignatiev cometeu um pecado : simplesmente inventou um leitor chinês, um suposto Sun-Tsé-Lin. Ninguém viu Ignatiev cometer o sacrilégio de redigir uma carta que seria assinada por um leitor que jamais existiu.
A carta impressionou a todos na redação : o suposto autor – um operário chinês – era capaz de exibir um grau de politização que soava como música aos ouvidos dos jornalistas habituados a redigir loas ao regime soviético.
O velho jornalista me entrega o texto em que descreve com detalhes a aparição de um inexistente Sun-Tsé-Lin nas páginas do jornal :
- “O que não nos faltava em absoluto – confessa Ignatiev – era a audácia : ninguém se dava ao trabalho de medir cuidadosamente as expressões quando se tratava de estigmatizar os tubarões do imperialismo empenhados “em devorar a América Latina” (ou a Ásia ou a África – de acordo com a região do mundo a que dizia respeito o material denunciativo…).Mas a repetição infinita de fatos universalmente conhecidos massacrava e entediava não só os leitores mas também os autores.Queríamos escrever algo que fosse diferente de chavões repisados pela milésima vez”.
“A quatorze de fevereiro de 1951,todos os jornais soviéticos comemoravam o primeiro aniversário da assinatura do tratado sino-soviético de amizade, cooperação e ajuda mútua.O Komsomolskaia Pravda também deveria comemorar a data. O redator-chefe do jornal, Dimitri Petrovich Goriunov, encarregou a editoria internacional de preparar um “material não-padronizado”. A seção de correio do Comitê Antifascista da Juventude Soviética me entregou um maço de cartas vindas da República Popular da China. Todas vinham acompanhadas de uma tradução do chinês para o russo”
“Depois de ler todas as cartas, senti um calafrio : ficou claro que eu não conseguiria cumprir a missão do redator-chefe. Os autores de todas as cartas – sem exceção – ignoravam totalmente a amizade entre os povos da União Soviética e da China. Parecia que todos eles tinham combinado entre si pedir que lhes enviassem selos soviéticos….Minha situação era dramática, porque o jornal não poderia sair no dia 14 de fevereiro sem um material original dedicado à China. Não tive outra solução : precisei recorrer a um gesto desesperado”.
“Ninguém pode imaginar o martírio que é inventar uma carta em nome de um autor imaginário que, além de tudo, é chinês….O autor da carta fala de trabalho, sonha com um “futuro feliz” e refere-se com o máximo de calor ao “irmão mais velho” – a União Soviética. “Sun-Tsé-Lin”, maquinista de locomotiva, era um nome cem por cento chinês. A primeira parte do nome tirei de Sun Yat-Sem ; a segunda tirei de Mao Tsé-Tung . A terceira tirei de Lin Piao. Fiz três páginas de texto”.
“Quando o editor Boris Strelnikov entrou no gabinete do redator-chefe, Dmitri Petrocich Goriunov, encontrou-o segurando nas mãos uma prova da página com a minha “obra-prima”. “Diga-me,Boris, perguntou Dmitri Petrovich,como é possível : nossos jovens jornalistas – gente com instrução superior, gente que dispõe de condições especialmente favoráveis para o trabalho - usam uma linguagem pobre e ruim,enquanto que um simples maquinista chinês consegue encontrar palavras que nos emocionam profundamente. São palavras fortes e penetrantes !”.
“Não ousei, naquela ocasião, confessar a minha ação desonesta não só ao redator-chefe como também ao meu amigo Strelnikov. Jurei, então, que, no futuro, jamais utilizaria semelhantes métodos que violam a ética elementar do jornalismo. Somente depois de passados vinte anos, quando todos já tinham deixado de trabalhar no jornal, é que relatei toda a verdade ao meu antigo chefe, o que aliviou a minha alma”.
A dor de consciência só não atormentou Ignatiev porque ele foi - literalmente – salvo pelo gongo : a carta do chinês imaginário teve de ser substituída,”já à meia-noite”, nas páginas do jornal, por um longo artigo intitulado “A União Soviética é o nosso Futuro Feliz”, escrito por um certo Li Chiang – este,sim,um chinês de verdade, integrante da Nova Aliança Democrática da Juventude da China,como registram os arquivos implacáveis de Oleg Ignatiev.
A idéia de escrever uma carta em segredo, como se fosse um chinês politicamente engajado, deixou Ignatiev numa situação surrealista : ao contrário do que acontece com cem por cento dos jornalistas, ele torceu desesperadamente para que suas palavras jamais fossem publicadas. Por sorte, o comício do chinês imaginário sobre as belezas do regime soviético terminou cedendo lugar a outro artigo.
Quando os nomes dos todo-poderosos dirigentes do Kremlin eram escolhidos em conciliábulos do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, o mundo inteiro procurava enxergar, nas entrelinhas do jornal “Pravda”, algum sinal sobre a dança do poder no Olimpo comunista. Como se fossem egiptólogos debruçados sobre hieróglifos, os chamados “analistas políticos” ocidentais interpretavam cada palavra do jornal em momentos decisivos da história da finada União Soviética.
Não era para menos. O Pravda era o porta-voz oficial do Comitê Central do Partido Comunista, num regime que se fechava para o resto do mundo. O jornal tinha uma tiragem de cerca de 11 milhões de exemplares. O número de correspondentes espalhados pelo exterior chegava a quarenta e cinco, na “época de ouro”.
Logo depois do fracassado golpe de comunistas de linha dura contra o então presidente Mikhail Gorbatchev em 1991, o que parecia impossível aconteceu: o Soviet Supremo simplesmente ordenou a suspensão da publicação do Pravda – que voltaria a circular sob a direção de um coletivo de jornalistas.
Fã de Nikita Kruschev, o líder comunista que caiu em desgraça ao tentar ensaiar um início de liberalização do regime comunista nos anos cinqüenta, Ignatiev chama Stalin de “criminoso” e Brejnev de “fraco”.
Se quisesse, o senhor poderia escrever estas opiniões no Pravda ? – pergunto a ele.
Ignatiev suspira fundo. Responde, convicto:
– Não era impossível escrever. Mas sob o ponto-de-vista moral, não seria bom escrever no Pravda que Brejnev era fraco. Porque o Pravda era o órgão do Partido. E Brejnev, o líder do Comitê Central…
Aos setenta e dois anos, o velho jornalista do Pravda — até hoje comunista convicto — faz questão de repetir:
– Quando não concordava com um assunto, eu não escrevia nada. Mas nunca escrevi contra minhas opiniões.
(*) A reportagem completa sobre a primeira eleição para presidente realizada na Rússia depois do fim da União Soviética foi publicada no livro Dossiê Moscou
BASTIDORES DO PRIMEIRO GOVERNO ELEITO PELO POVO DEPOIS DO REGIME MILITAR: SENADOR REVELA QUE ESTAVA COM “ARMA POTENTE” QUANDO ESCOLTOU O PRESIDENTE ATÉ A SAÍDA, NO ÚLTIMO DIA DE COLLOR NO PALÁCIO
O DOSSIÊ GLOBONEWS exibiu, sábado, uma entrevista gravada no interior de Pernambuco com o ex-senador Ney Maranhão, membro da chamada “tropa de choque” do presidente Fernando Collor (a íntegra pode ser vista aqui: http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1379693-17665,00-EXSENADOR+FEZ+ESCOLTA+DE+COLLOR+NO+IMPEACHMENT.html
Aos 81 anos de idade, Maranhão revela que carregava na cintura uma “arma potente” no momento em que acompanhou Fernando Collor até o helicóptero, instantes depois de o Presidente ter sido notificado de que tinha sido afastado do poder.
Trechos da entrevista:
GMN: O senhor estava armado quando acompanhou o Presidente Collor pela última vez na saída do Palácio do Planalto ?
NEY MARANHÃO: “Claro. E estava com uma arma muito potente. Pronto para reagir se alguém tocasse no presidente. Ele morria, mas ia gente junto. Primeiro, eu ia. Depois, ele. Descemos a rampa. Quando fizemos a curva, na saída do Palácio, havia uma multidão: um corredor polonês. Nós levamos o presidente até o helicóptero. Naquela hora, se houvesse alguma coisa ali, ia morrer muita gente. Eu – por exemplo – estava preparado para isso. Se houvesse qualquer coisa com o presidente, eu seria o primeiro a reagir ”.
GMN: O senhor temia algum atentado contra o Presidente naquele momento?
NEY MARANHÃO: “Da maneira como o povo foi jogado contra o Presidente -, quando vi aquele corredor polonês tive a impressão de que não chegaríamos até o fim, porque não tinha nenhuma segurança atrás de nós”.
GMN: O senhor seria capaz de fazer o quê, se houvesse um tumulto na saída do presidente Collor ?
NEY MARANHÃO : “Se acontecesse alguma coisa com o Presidente, eu reagiria no ato. E essa reação não seria boa coisa. Não havia nenhuma segurança para ele. Nada que cobrisse o Presidente se a multidão tentasse linchá-lo ou fazer alguma coisa nesse sentido. Não tenho dúvida nenhuma: em defesa do Presidente, eu estava disposto a matar e morrer”
GMN: Que arma era essa ?
NEY MARANHÃO: “Era uma 44. Anaconda”.
GMN: Mas o senhor entrava armado no Palácio do Planalto sem problema ?
NEY MARANHÃO: “Sempre entrava. Primeiro, a gente tem o anjo-da-guarda. O segundo anjo-da-guarda é o 38. Eu estava preparado para tudo. Fui o primeiro senador a apoiar Collor – e morria com ele. Eu sentia que, naquela hora, eu tinha de estar com uma arma mais potente”.
GMN: O senhor diz que anda armado porque aprendeu lições no sertão. Que lições foram essas ?
NEY MARANHÃO: “As lições que meu pai me ensinou: o cabra tem de ter palavra, tem de ser grato, não adular macho e, quando conselho não resolve, cacete funciona. Eu, por exemplo, dei pra gente. Mas levei cinco surras de tabica – uma varinha fina. Quando a vara bate no sujeito, o cabra pode nem estar com vontade de mijar mas se mija todinho. Levei cinco surras de tabica. Aprendi desse jeito. Meu pai era tão corajoso que, em vez de andar com cachorro, andava com uma onça”.
AVENTURAS EM MOSCOU/ PARTE 2: O TODO-PODEROSO STALIN PODE OU NÃO SER COMPARADO A UMA “ÁGUIA DAS MONTANHAS” ? COMEÇA ASSIM UM DRAMA DE FIM DE NOITE NA REDAÇÃO
Vem chegando a data do aniversário de Josef Stalin, o ditador saudado por seus seguidores como “guia genial dos povos”. Um poema laudatório sobre Stalin chega à redação do Komsomolskaia Pravda . O redator passa os olhos. Os versos laudatórios – que comparam Stalin a uma “águia das montanhas” – ganhariam destaque na edição do dia seguinte. Ignatiev não resiste à curiosidade de passar os olhos pelo poema. De repente, ocorre-lhe uma dúvida devastadora : quanto tempo vive uma “águia das montanhas” ? E se a comparação fosse absurda ? E se a águia tivesse vida curta ? O que aconteceria se o jornal comparasse o intocável Josef Stalin a um pássaro de vida curta ?
A homenagem poderia se transformar numa dor de cabeça monumental não apenas para o autor do poema, mas para a redação inteira.
A dúvida sobre se era ou não apropriado comparar Stalin a uma águia da montanha provoca pandemônio entre os jornalistas naquele fim de noite de sábado. A tentativa de encontrar um redator informado sobre o tempo de vida médio dos animais fracassa redondamente. Era improvável que um daqueles jornalistas que cumpriam expediente no fim de noite fosse capaz de calcular o tempo de vida de uma remota variedade de águia. O amor de um ou outro jornalista pelo mundo animal com certeza não chegaria a tanto. Ignatiev tem, então, a idéia salvadora : por que não procurar o diretor do zoológico de Moscou ?
O problema é que já são onze da noite. Mas, como uma das funções do jornalista é incomodar a espécie humana em horários inconvenientes, Oleg telefona para o zoológico. Nada . O diretor – é claro – já tinha ido embora. O último recurso é tentar encontrar o homem em casa,p ara tirar uma dúvida que,aos olhos do resto da humanidade, poderia parecer excêntrica, mas, para aquelas jornalistas debruçados diante de um poema laudatório a Stalin, era uma questão grave. O jornal não poderia correr o risco de cometer um sacrilégio contra o todo-poderoso. Stalin mandava e desmandava, sem oposição visível, ali ,no final dos anos quarenta.
Ignatiev pede licença, levanta-se, revira papéis amontoados numa gaveta. Parece preocupado porque não encontra o que procura, mas o ar sisudo logo dá lugar a uma expressão de alívio quando ele põe as mãos sobre uma maçaroca de folhas datilografadas. Eis o tesouro : já vertidas para o português – para uma possível publicação em Portugal, sonho que não se realizou – as memórias inéditas de Ignatiev guardam histórias que jamais seriam reveladas se o regime soviético ainda estivesse de pé.
O velho jornalista relata assim as cenas de bastidores, no texto datilografado que me confiou :
“O jornal publicava inúmeras obras servis, poéticas e em prosa, dedicadas ao “aniversário do gênio de todos os homens progressistas do mundo”. Um poema dizia “tu pairas sobre o planeta/como uma águia das montanhas”. Imagine-se como foi difícil achar o telefone de um ornitologista. Obtive o número depois de uma hora da manhã. Telefonei sem esperar qualquer êxito. Quem atendeu foi um homem de idade bastante avançada – a julgar pela voz.
-Boa noite – disse eu – desculpe o adiantado da hora,mas temos um caso excepcionalmente urgente.Falo da redação do Komsomolskaia Pravda.
-Não me interessa de onde o senhor telefona”- respondeu,num tom irritado,o meu interlocutor.”Porque um indíviduo educado não acorda uma pessoa desconhecida no meio da noite”.
-Eu estou perfeitamente de acordo,professor,mas o senhor é a única pessoa que nos pode ajudar.É o senhor que depende se o jornal sai amanhã ou não !.
-Mas o que foi que aconteceu, jovem ? – perguntou o ornitologista.
-Tenho uma única pergunta a fazer-lhe : quantos anos vive uma águia das montanhas ?” .
-Mas foi por este motivo que me despertaram no meio da noite ?”- exclamou o professor, indignado.
-Não fique zangado,professor,”- pronunciei num tom implorante.”Mas este assunto se relaciona com a política : não é uma coisa sem importância !. O senhor nem imagina o que é importante,para nós,esclarecer quantos anos vive uma águia das montanhas !.
-Por favor,não grite assim. Não sou surdo.Em primeiro lugar,águia das montanhas simplesmente não existe. As aves a que o povo dá este nome são,na realidade,águias reais. Vivem no cativeiro – quando muito – uns vinte e cinco anos. Quando à duração da vida dessa águia em liberdade,a ciência não dispõe de dados exatos a respeito. Mas pode-se supor que sejam uns trinta ou trinta e cinco anos.
Ousei,então,fazer uma pergunta :
- Diga,por favor,professor,se existe na natureza alguma espécie de águia que viva cem anos….” .
- Há lendas que dizem que os condores chegam a viver setenta anos,mas a ciência não confirma.Agora, diga-me, por favor : para que o senhor precisa dessa informação ?.
Confesso que não satisfiz a legítima curiosidade do cientista.Sequer agradeci a gentileza. Corri para avisar Margarita Ivanovna Kirklissova, vice-secretária do jornal, encarregada da correção literária do material enviado para a composição. A poesia não foi publicada. Juramos a Kirklissova que jamais relataríamos a quem quer que fosse o acontecido. Descrevo agora este acontecimento cômico – que por pouco não se tornou uma tragédia – apenas porque o prazo para que se conservem segredos se limita a vinte anos na maioria dos países !. Hoje,episódios semelhantes parecem absurdos,irreais. Mas compreendíamos perfeitamente que a publicação daquela poesia podia trazer graves conseqüências….”.
O mundo lembra a derrubada do Muro de Berlim - um marco do fim do comunismo.
Tive a chance (rara) de ouvir, em Moscou, um personagem que testemunhou, nas redações, as décadas de vigência do regime comunista na União Soviética : um velho jornalista russo que cometeu pelo menos três indiscrições ao passar em revista uma vida de militância jornalística.
Primeira cena: inventou um provérbio egípcio para tornar menos chato um texto sobre relações entre a União Soviética e o Egito.
Segunda: viveu um drama na redação no dia em que um puxa-saco enviou, para publicação, um poema que comparava o todo-poderoso Stalin a uma “águia das montanhas”.
Terceira: numa concessão às artes da ficção, ele criou um personagem brilhante na seção de cartas dos leitores – um suposto tratorista chinês que dava lições de consciência política….
Aos fatos:
Próxima parada : segredos dos bastidores do Pravda,o mais famoso jornal da Rússia soviética. Quando Moscou era sede de um regime fechado, o mundo tentava decifrar,nas entrelinhas dos textos do Pravda, os humores do Kremlin. Que revelações guardará um velho jornalista que correu o mundo pelo Pravda, no auge do regime comunista ?
Quem me aponta o caminho das pedras – o telefone do velho jornalista do Pravda, já fora de combate – é um executivo da maior rede de TV da Rússia,um historiador chamado Anatoli Sosnovski. A investida à toca do dinossauro seria recompensada. Eu sairia de lá com um pequeno tesouro nas mãos : o globe-trotter do Pravda me confiaria a cópia de um relato inédito, já devidamente traduzido para o português,sobre os bastidores do jornal.
O carro segue para uma rua chamada Vorontsovskie Prudi. Ali,num apartamento modesto, vive Oleg Ignatiev, ex-secretário da embaixada soviética na Argentina,ex-dirigente do Bureau Soviético de Informação e correspondente estrangeiro dos jornais Komsomolskaia Pravda e Pravda durante exatos quarenta e cinco anos. A pensão que recebe como jornalista aposentado é modestíssima : o equivalente a 100 dólares por mês.
Uma foto de Che Guevara ornamenta a sala de estar. Uma das estantes exibe uma foto de Ignatiev em companhia de duas figuras ilustres da constelação comunista : o então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética – Nikita Kruschev – e o homem-forte de Cuba, Fidel Castro. Ignatiev serviu de intérprete no encontro entre os dois em Nova Iorque.
Apaixonado pelo Brasil,Ignatiev guarda fotos em que aparece ao lado de Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes. Chegou a escrever uma biografia de Tiradentes,publicada na Rússia. A alma de repórter levou-o a se embrenhar pela floresta amazônica. O resultado da expedição foi o livro “A Amazônia pelos Olhos de um Moscovita”.
Surpreso por ter sido procurado por um brasileiro,Ignatiev fora efusivo quando fiz o primeiro contato,por telefone. Logo marcou o encontro. Fala um português cambaleante mas perfeitamente compreensível.
Primeiro, faz uma profissão de fé no regime comunista. Depois,revela cenas inacreditáveis,ocorridas longe dos olhos dos leitores, nos bastidores da redação do Pravda.
Um patrulheiro ideológico poderia, agora, cobrar de Ignatiev as décadas em que ele serviu com dedicação absoluta ao regime soviético, mas danem-se os analistas políticos : a verdade é que a imagem deste velho e pobre jornalista do Pravda falando – emocionado – sobre Ernesto Che Guevara, sobre o Brasil ou sobre as noitadas sem fim na redação do jornal é comovente. Magro, dono de olhos miúdos escondidos atrás de grossas lentes, Ignatiev não quer ser visto como um ativista político : é um militante do jornalismo.
O que Ignatiev vai fazer agora é um exercício do que os franceses chamam de “petite Histoire” – a descrição de fatos que podem parecer banais e desimportantes mas ajudam a compreender uma época. A história de um homem sentado num velho birô de madeira num canto da redação de dois dos mais importantes jornais da Rússia comunista pode, sim, jogar um pequeno facho de luz sobre o que era ser jornalista num regime fechado à inspeção externa. A Rússia – na definição perfeita de Winston Churchill – era um mistério, envolto por um enigma,embrulhado num segredo.
Enquanto fazia a contagem regressiva para a eleição presidencial de 1996 – a primeira realizada na Rússia depois do fim da União Soviética -, Ignatiev descreveu três cenas exemplares. É hora de purgar pequenos pecados.
Depois de procurar,em vão,um provérbio egípcio que seria usado para abrilhantar o artigo que estava escrevendo sobre a situação política do Egito, Ignatiev cometeu um pecado contra um dos mandamentos básicos do jornalismo : Não inventarás !. Ignatiev inventou um provérbio.Depois,como se tivesse vida própria, o provérbio inventado por Ignatiev num momento de fraqueza saiu das páginas do jornal para os textos de discursos políticos. O pai do provérbio passou décadas sem confessar a ninguém a autoria daquela fraude inofensiva mas vexatória. Ignatiev narra assim, no texto inédito que me entrega nesse fim de tarde em Moscou, a incrível história do provérbio que nunca existiu :
“O parlamento egípcio tinha denunciado,no Cairo, o tratado anglo-egípcio que permitia ao governo da Inglaterra manter,em época de paz,até dez mil militares na zona do canal de Suez.Houve grandes manifestações de apoio a esta decisão. Um dos membros de uma delegação juvenil soviética – o jornalista Vladimir Parkhitko – recolheu imagens fotográficas de manifestações e cenas de júbilo nas ruas da capital egípcia. Quando a delegação regressou a Moscou,ele foi imediatamente à redação do Komsomolskaia Pravda para oferecer as suas fotos ao jornal. Tivemos,então,a possibilidade de ser o primeiro jornal soviético a publicar as fotos que acabavam de chegar do Egito”.
“Fui encarregado de escrever com urgência um texto especial sobre o assunto. Jamais havia estado no Egito. Não poderia utilizar expressões pessoais sobre o país. Mas,como se tratava de uma revolução (e na nossa seção internacional todos éramos jovens e,portanto,não tínhamos a menor dúvida de que,no Egito,se realizava uma revolução….),seria impossível dar cobertura a um acontecimento destes sem emoções. Tive,então,uma idéia genial : para atribuir um colorido específico à minha reportagem,deveria usar um ditado ou um provérbio egípcio”.
“Infelizmente, nas bibliotecas do jornal Pravda e do nosso jornal, não havia nenhuma coletânea de ditados e provérbios egípcios ou árabes. Mas eu não queria renunciar a este lance interessante.Restava uma única coisa : inventar um ditado. A criação do folclore é uma coisa bastante difícil.Tive de gastar um bom tempo para alcançar o resultado desejado. Afinal,escrevi : “Somente as múmias são capazes de sofrer eternamente em silêncio”. A seguir,vinham frases padronizadas. Depois de entregar o material,fui para casa”.
“Um ditado russo diz “o que se escreveu a pena não se apaga nem a machado”. Agora, já não era possível alterar nada. O “ditado” inventado por uma pessoa real passou a viver, depois de publicado no jornal, uma vida autônoma, independentemente do autor. A redação poderia – naturalmente – fazer uma correção num dos próximos números. Mas o autor não pretendia confessar o excesso de fantasia inventiva…..Em segundo lugar,o “ditado” foi publicado com destaque,em forma de epígrafe, por ordem do redator-chefe. Em terceiro lugar, os jornais não confessavam os seus erros nem publicavam correção de material publicado, a não ser em casos excepcionais”.
“Eu poderia pingar aqui o ponto final,mas a história teve uma continuação. Um alto dirigente soviético fez uma viagem ao Egito em meados da década de cinqüenta. A visita foi precedida de cuidadosos preparativos. Os textos dos brindes, discursos, declarações e intervenções foram preparados com antecedência. Um belo dia, um representante de um órgão superior telefonou para a redação do Komsomolskaia Pravda pedindo informações a respeito de um artigo sobre o Egito, publicado no dia primeiro de novembro de 1951. Para dar mais brilho a um dos discursos do dirigente, ele tinha resolvido incluir no texto justamente o “ditado” egípcio, publicado em nosso jornal…..O discurso deveria ser traduzido para árabe. Para não deturpar, no processo de tradução, o sentido do ditado, era preciso localizar o original árabe. É lógico que o original não foi encontrado – mas o ditado terminou ficando no texto do discurso. Os jornais do Cairo publicaram o discurso, juntamente com o “ditado” !”
“Passaram-se dez anos. Uma editora do Cairo resolveu publicar uma coletânea de ditados e provérbios árabes. O correspondente do nosso jornal no Egito, Anatoli Agarichev,trouxe-me o livro.Um dos ditados estava sublinhado com marcador vermelho….”.
Ao consultar a página dedicada aos provérbios egípcios, Ignatiev teve uma surpresa : lá estava a frase que ele inventara,há anos,na redação, para tornar agradável a leitura de um artigo sobre uma decisão do parlamento do Egito. Que se saiba, não há outro caso de provérbio egípcio que tenha sido fruto da imaginação de um jornalista russo. A tradição nasceu e morreu com Olef Ignatiev. Mas as duas concessões que nosso personagem fez à ficção – ao inventar o chinês missivista e o provérbio egípcio – são exceções numa longa carreira dedicada à cobertura internacional.
A SEGUIR: CHEGA À REDAÇÃO UM POEMA QUE COMPARA STALIN A UMA ÁGUIA DAS MIONTANHAS. O QUE FAZER? PUBLICAR OU NÃO ?
OS BASTIDORES DE UMA ELEIÇÃO HISTÓRICA : A OPERAÇÃO MONTADA PARA ESCONDER O FILHO DE UM CANDIDATO, A CONFISSÃO DE UM TESOUREIRO DENTRO DE UMA PISCINA – E UM DIÁLOGO ENTRE UM EX E UM FUTURO PRESIDENTE
A Globonews levou ao ar a entrevista que o locutor-que-vos-fala gravou,em Maceió, com um homem que foi testemunha privilegiada dos bastidores da primeira eleição direta para presidente realizada no Brasil depois do fim do regime militar (reprise nesta segunda,às três e meia da tarde). Faz exatamente vinte anos que o Brasil foi às urnas para decidir o jogo entre Collor e Lula. Deu Collor na cabeça.
O personagem do DOSSIÊ GLOBONEWS é Cleto Falcão – um dos principais articuladores da candidatura do então governador de Alagoas, Fernando Collor, à presidência da República. Eleito Collor, Falcão chegou a ocupar o posto de líder do partido do governo na Câmara dos Deputados. De volta a Alagoas, hoje é assessor parlamentar da Assembléia Legislativa de Alagoas.
Ninguém dava um tostão furado pela candidatura do então governador de Alagoas,Fernando Collor, quando ela foi lançada. Os empresários deram milhões. Os eleitores deram algo mais valioso: votos. Bom de palanque e de TV, Fernando Collor bateu o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva: 35.089.998 votaram em Collor,contra 31.076.364 que apostaram em Lula. O resto é história.
O lance mais polêmico da campanha eleitoral de 1989 foi a decisão tomada pela campanha do candidato Fernando Collor de veicular, em rede nacional de TV, no horário de propaganda eleitoral, um depoimento em que uma ex-namorada revelava que o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, escondia a existência da filha que tivera com ela.
A divulgação do depoimento abalou notoriamente a performance de Lula no segundo e decisivo debate com Fernando Collor. Cleto Falcão diz que havia “pânico” no staff do candidato Collor diante do progressivo avanço de Lula nas pesquisas eleitorais, às vésperas do embate final – o segundo turno. A cúpula da campanha se reuniu, então, para avaliar se a fita gravada com a ex-namorada de Lula seria ou não levada ao ar. “Ninguém foi contra”, diz Cleto. Terminada a exibição privê, Collor disse as seguintes palavras, segundo Falcão : “A fita vai ao ar. Quem quiser ficar comigo fique. Quem não quiser f……-se !”.
Anos depois, em 2005, em entrevista que me concedeu em Maceió, para uma série levada ao ar no Fantástico, Fernando Collor se declarou arrependido. Palavras textuais do ex-presidente:
“Eu diria que não foi algo de bom gosto nem de bom tom. A utilização seria absolutamente desnecessária. Não o faria novamente.Mas, numa campanha eleitoral, no fragor da batalha, com as emoções desencadeadas de forma violenta, é difícil a gente ter uma medida correta dos termos que nós utilizamos e das ações que estaremos por realizar. É preciso levar em consideração o momento em que a decisão foi tomada. De qualquer maneira, sob o ponto de vista racional, em condições normais de tempratura e pressão, sem dúvida nenhuma eu não faria aquilo”.
O que ninguém sabia, na campanha de 1989, era que o próprio Collor também tinha um filho fora do casamento. O comando da campanha teve de montar uma operação para manter em segredo a existência do menino. Mas o PT soube – e, segundo Cleto, chegou a enviar emissários a Maceió, para checar a história. O problema é que os detetives do PT não descobriram onde estava o menino ( Collor posteriormente reconheceu a paternidade, num gesto que Cleto Falcão elogia. Fernando James hoje é vereador em Rio Largo, município vizinho de Maceió).
Trechos da entrevista que a Globonews levará ao ar:
O senhor participou da operação para esconder o filho que o então candidato Fernando Collor tinha tido fora do casamento ?
Cleto Falcão: “O pessoal do PT – da campanha de Lula – esteve aqui em Alagoas. Rodou, rodou e, na realidade, foi incompetente. Não tiveram a competência de localizar o menino – que morava aqui em Rio Largo, uma cidade vizinha de Maceió. Collor posteriormente reconheceu o menino como filho. Mas, naquele momento em que o PT esteve aqui, nós tínhamos acabado de denunciar Lula porque ele, Lula, tinha uma filha fora do casamento. Imagine se descobrem o menino – e vinha a mesma denúncia. Ia ser um estrago muito grande.Quem ficou encarregado de resolver foi Cláudio Vieira (secretário de Collor) – que o fez com competência. Tirou o menino daqui, com a mãe. Só voltou depois da campanha. Conheci o garoto com Collor já eleito presidente, antes de tomar posse. O garoto e a mãe saíram daqui só no período quente da denúncia que a suposta namorada de Lula fez. Nós passamos a temer que aquele mesma denúncia fosse feita contra a gente”.
O tesoureiro Paulo César Farias faz, dentro de uma piscina, uma confissão sobre as “sobras de campanha” : 52 milhões de dólares
Um dos segredos mais bem guardados da política brasileira é o que acontece com as chamadas sobras de campanha. Que informação concreta o senhor tem sobre as sobras de campanha do então candidato Fernando Collor de Mello ?
Cleto Falcão: “Ao término da campanha, vim a Maceió para prestar contas das despesas no Rio de Janeiro. Eu havia sido coordenador da campanha no Rio. Estive com Paulo César Farias, tesoureiro da campanha, na residência de praia, onde ele foi assassinado. Ele estava tomando banho de piscina. Fiquei conversando com ele – eu do lado de fora, ele dentro da piscina. Perguntei: “PC, quanto você arrecadou na campanha, na realidade ?”. Ele disse: “134 milhões de dólares”. Fez uma pausa e disse:”Devem sobrar em torno de 52 milhões””.
O que é que aconteceu com esse dinheiro ?
Cleto Falcão: “A Polícia Federal, o FBI e a Scotland Yard não sabem. Eu vou saber?”.
O dia em que Cleto Falcão testemunhou uma doação milionária de grandes empresários para a campanha de Fernando Collor à Presidência da República
O senhor foi testemunha ocular de doações feitas por empresários à campanha do então candidato Fernando Collor à presidência. Qual foi a cena mais marcante que o senhor testemunhou nessas negociações ?
Cleto Falcão: “Uma cena muito marcante foi numa tarde em que fomos a São Paulo para um encontro de Fernando Collor com Antônio Ermírio de Moraes. Nós nos encontramos com ele na casa de José Ermírio de Moraes. Depois de muita conversa, Antônio Ermírio, presidente do Grupo Votorantim, disse que tinha sido chamado pelo presidente José Sarney para disputar a presidência e não teria aceitado porque sabia que tiraria votos do centro e da direita – que era o eleitorado de Fernando Collor.Com isso, ele não queria pagar o preço de estar ajudando a eleger um irresponsável como Leonel Brizola ou um despreparado como Lula. Logo em seguida, ele disse que o grupo tinha uma contribuição a dar à campanha. O irmão de Antônio Ermírio, José Ermírio, passou um cheque para ele. E ele perguntou:”A quem entrego?”. Fernando Collor disse: “Entregue ao Paulo César”. Antes de chegar às mãos de PC Farias, o cheque passou por mim, porque eu estava sentado antes do Paulo César.Olhei discretamente o valor. Era o correspondente a três milhões de dólares. Obviamente, saía pelo caixa-dois, porque não houve contabilização nem nada. O cheque não era cruzado. Vinha do caixa-dois”.
Um palpite: as circunstâncias da morte de PC Farias só serão esclarecidas dentro de “vinte ou trinta anos”
O senhor tem dúvidas sobre as circunstâncias da morte do ex-tesoureiro da campanha, PC Farias ?
Cleto Falcão: “Não é questão de ter dúvidas. Honestamente, acho que por trás do assassinato de PC Farias existe uma história que só será desvendada daqui a vinte ou trinta anos. Eu simplesmente acho que acreditar que Suzana Marcolino pegou um revólver e matou o PC é como acreditar em Papai Noel”.
O que é que leva o senhor a fazer esta afirmação ?
Cleto Falcão: “Porque ninguém mata a galinha dos ovos de ouro. O PC sustentava Suzana. Era uma pessoa muito boa para ela. E porque a perícia diz que não havia pólvora na mão de Suzana. Não utilizou o revólver. Agora, como foi e em que circunstância é algo que somente dentro de muitos anos vai ser desvendado e descoberto”.
A morte de PC Farias pode ter alguma ligação com o destino dado aos 52 milhões de dólares que, segundo ele disse, sobraram da campanha ?
Cleto Falcão: “Acredito que não. Sem que eu seja um policial do setor de investigação, eu analisaria que o PC era inconveniente para muita gente: para empresários que doaram dinheiro; para pessoas que participaram da campanha e queriam manter aquilo em sigilo. Mas sem nenhuma vinculação com aqueles 52 milhões”.
Collor tenta, secretamente, se livrar do candidato a vice-presidente, Itamar Franco: “Toda semana, Itamar tinha um chilique” ( E o alerta de Jânio Quadros: governo de presidente jovem demais pode dar “merda”)
O senhor tomou parte de uma consulta secreta que foi feita ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para afastar o vice Itamar Franco da chapa do então candidato Fernando Collor. Por que foi feita a consulta ?
Cleto Falcão: “Porque ninguém agüentava os faniquitos de Itamar querendo renunciar toda semana. Itamar aceitou ser vice-presidente mas toda semana tinha um chilique. Queria renunciar. Fernando – de forma discreta – mandou fazer uma consulta a ministros do TSE para saber se era possível substituir o vice. O TSE informou que não. O vice só poderia ser modificado com a renúncia do próprio vice, num ato de vontade unilateral”.
O senhor foi testemunha de um diálogo entre o então candidato Fernando Collor e o ex-presidente Jânio Quadros, em Roma. O que foi que um disse ao outro ?
Cleto Falcão: “Famos a um jantar em homenagem a Jânio Quadros. Jânio recebeu Collor com uma certa frieza, porque Jânio, na realidade, queria ser candidato a presidente. Começou, então, a contestar a candidatura de Collor. Dizia que Collor era muito novo : primeiro, ele deveria ser senador, deveria adquirir experiência. E Collor saindo pela tangente. Jânio insistiu na questão da pouca idade. A certa altura, Jânio parou e perguntou: “Quantos anos você tem?”. Fernando disse:””Tenho 39. Vou ter 40 na eleição”. Jânio fez um ar de surpresa, teatral. Disse: “Muito novo! Muito novo para ser presidente!”. Fernando disse: “Mas, presidente, gostaria de lembrar que o senhor foi presidente muito jovem, com pouco mais de quarenta anos!”. Jânio – que estava bebendo vinho – virou a taça, deu uma porrada na mesa e disse: “E deu na merda que deu ! E deu na merda que deu!”.
Jânio Quadros foi presidente com 43 anos. Renunciou apenas sete meses depois de tomar posse. Collor, eleito com 40 anos, também renunciaria, dois anos e meio depois da posse, num gesto extremo para tentar escapar da condenação no Senado. Não escapou. Condenado por “crime de responsabilidade”, passou oito anos impedido de exercer funções públicas. Em 1994, por falta de provas, o Supremo Tribunal Federal o absolveu.
CIDADE DO VATICANO – Nem 11:59 nem 12:01. O relógio marca meio-dia em ponto quando uma das janelas do Vaticano se abre. Apequenada pela distância que a separa da multidão, uma figura se aproxima do parapeito para saudar os visitantes que, lá embaixo, na Praça de São Pedro, apontam para a janela um oceano de câmeras digitais.
De longe, é impossível discernir, a olho nu, as feições da figura que acena da janela. Mas quem usa o visor das câmeras como uma espécie de binóculo improvisado vai enxergar, com razoável clareza, o sorriso travado do personagem. Ei-lo: o papa Bento XVI acaba de fazer uma aparição no Vaticano.
O Papa aparece : a multidão reage (Foto: GMN)
Justiça se faça: a taxa de carisma do Papa é algo perto de zero, comparada com a de João Paulo II. Mas uma aparição do sucessor de São Pedro é sempre capaz de espalhar pela multidão uma corrente de entusiasmo. É o que acontece. Os fiéis aplaudem. Bento XVI acena. Gritos. Novas palmas.
Uma dúvida incendeia minhas florestas interiores: quem disse que o Papa precisa necessariamente ser “midiático”?Sem que jamais tenha tido esta intenção, o Papa de riso travado termina funcionando como um saudável contraponto a este mundo dominado pela idiotia exibicionista e vulgar.
Depois que o Papa se recolhe, a multidão forma uma fila para entrar no Vaticano. Um ponto de passagem quase obrigatório : os túmulos dos Papas. Despojado, como os outros, o túmulo de João Paulo II desperta comoção. Quem não se lembra da imagem comovente de João Paulo II se contorcendo de dores naquela janela do Vaticano, incapaz de pronunciar até o fim a bênção aos fiéis ?
Visitantes mais devotos choram lágrimas discretas diante do túmulo. Poucos resistem à tentação de fotografar. Um funcionário pede que a fila apresse o passo, para evitar um congestionamento humano nos corredores do Vaticano. Numa concessão aos tempos modernos, o Vaticano instalou, diante do túmulo de João Paulo II, uma webcam. Internautas de qualquer parte do planeta poderão acessar, a qualquer hora, a paisagem imóvel deste subterrâneo.
O túmulo de João Paulo II : despojado (Foto: GMN)
A dois passos dali, outro túmulo atrai atenções: o de João Paulo I, o Papa que reinou por um brevíssimo tempo, em 1978. Trinta e três dias depois de eleito, morreu do coração. Um visitante anônimo deixa uma rosa vermelha sobre o túmulo deste cardeal que arrebatou os fiéis ao aparecer sorridente e efusivo, na janela do Vaticano, instantes depois de ter sido eleito Papa. A homenagem, singela, emociona. É o único ornamento de um túmulo extremamente despojado. Silêncio, pedem os vigilantes do Vaticano. ”Um minuto, é só uma foto”, respondem os turistas.
A figura do Papa pode até parecer um anacronismo. Mas a aura de segredo que envolve aqueles corredores, a sincera comoção despertada – por exemplo – pela visão do túmulo de João Paulo II ou a corrente de eletricidade que percorre a multidão quando o Papa surge na janela deixam uma certeza : o fascínio produzido por estes rituais é que garante a permanência da Igreja.
Sem segredos, sem esta pompa, sem esta grandiosidade que se estende por corredores sem fim, o que restaria?
O túmulo de João Paulo I : um buquè de rosas (Foto:GMN)
Ainda assim, o Vaticano de vez em quando concede ao populacho a chance de espiar de relance uma nesga do que acontece por trás daqueles muros. Faz algum tempo, o Museu do Vaticano abriu, no Palazzo Apostolico Lateranense, uma exposiçao chamada “Habemus Papa”. Lá estavam relíquias como o martelo usado para constatar a morte dos Papas. O martelo exposto à curiosidade pública foi usado para cumprir o ritual fúnebre de Leão XIII, em 1903. Um ajudante bate três vezes na fronte do Papa morto com o martelo, para constatar a morte. Chama o nome de batismo do Papa. O silêncio é a resposta.
É assim que tudo acaba. O que fica ? A grandeza esmagadora do Vaticano e a beleza de rituais capazes até de acender uma fagulha de fé no peito de descrentes. Ninguém sai impune da experiência de contemplar a beleza absurda do teto da Capela Sistina, pintado por Miguelângelo. Se Deus existe, ele se manifestou ali.
Remember o velho Paulo Francis: “A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores. Os artistas estão sempre aí nos lembrando disso. Existe um paraíso, pois Beethoven ou Gauguin já nos deram mostras convincentes. É inatingível permanentemente, mas devemos ser gratos pelas sobras que nos couberem”.
A mão de Deus cria o homem: beleza no teto da Capela Sistina
Faltou acrescentar : Miguelângelo nos deu também mostras exuberantes da beleza e do mistério da Criação.
A letra de uma música popular – uma manifestação de arte que soa obrigatoriamente banal diante de tanta grandeza – pode ter, quem diria, a capacidade de resumir o sentimento de quem sai da Capela Sistina “varado de luz” : “A violência, a injustiça e a traição/ ainda podem perturbar meu coração/ mas já não podem abalar a minha fé /Porque eu sou/ e Deus é/ E disso é que resulta toda a Criação” (Gilberto Gil)
LEDO IVO (PARTE 3) / O POETA JOÃO CABRAL DE MELO NETO DÁ DE PRESENTE UM EPITÁFIO EM VERSOS PARA O AMIGO LEDO IVO – E MORRE. LEDO IVO CHEGA AOS 85, CHEIO DE “PERPLEXIDADE”
GMN : O que ficou da amizade com Manuel Bandeira ?
Ledo Ivo: “Minha ligação com Manuel Bandeira foi profunda. De todos os poetas, talvez o que mais me tenha marcado e ensinado foi Manuel Bandeira. Quando eu era menino, mandei poemas para ele. Recebi de volta um cartãozinho em que ele tocou em um ponto que ainda hoje permanece na poesia: “Há muita magia verbal em seus poemas”.
Depois percebi que, para mim, a operação poética é como se fosse um encantamento da linguagem – uma magia. Sou um poeta que acha que a poesia é o uso supremo da linguagem. Bandeira fez esta descoberta em meu momento inicial. Deu-me lições perenes : por exemplo, a de que o poeta deve ser um intelectual culto. Só a cultura tem condições de abrir caminhos. Ao poeta,não basta apenas ter talento e vocação. Por que o poeta deve ser realmente um homem culto ? Porque a poesia é um sistema milenar de expressão. É preciso conhecer os mestres. A criação poética não é,portanto,um problema só de sensibilidade. É um problema de cultura. Somente o vasto conhecimento da poesia e da literatura é que permite ao poeta exprimir-se.
A fidelidade à literatura deve ser o emblema do escritor. Devemos continuar segurando o estandarte. Vivemos um tempo de mudanças. Somos uma civilização de massas, uma civilização eletrônica, uma civilização consumista. Tudo alterou a posição do escritor e do poeta no Brasil.
Já não temos aqueles poetas populares de que Drummond foi o último grande exemplo. O poeta vive hoje em uma época de anonimato. Os ícones são diferentes, os gurus são outros. A linguagem literária hoje compete com a linguagem eletrônica, o CD-Rom, o cinema,o disco . Mas,há alguma coisa que só a poesia tem condições de dizer. A poesia, então, existirá sempre,como linguagem específica,porque só ela pode dizer,sobre a condição humana,algo que não pode ser dito de nenhuma outra maneira. O cinema e a televisão lidam de uma maneira diferente”.
GMN : O poeta, então, deve se resignar a ser anônimo, nesse mundo dominado pela fama e pela mídia eletrônica?
Ledo Ivo: “A função do poeta na sociedade é escrever poemas.A notoriedade é secundária”.
GMN : O senhor tem esta sensação de deslocamento ?
Ledo Ivo: “Pelo contrário ! Para mim, seria inconcebível ter aparecido antes ou ter aparecido depois. Como poeta ,surgi no momento certo.Tenho um grande sentimento da minha contemporaneidade.O mundo atual habita os meus poemas.A função do poeta é,também,celebrar o mundo em que vive. Não tenho nostalgia pelo passado. Não gostaria de ter nascido no passado,assim como não gostaria de ter nascido no futuro”.
GMN : Do que o senhor ouviu de João Cabral de Melo Neto, qual foi a grande lição ?
Ledo Ivo: “João Cabral me deu a lição da diferença entre os poetas.Cada poeta é diferente. As estéticas dos poetas são até inconcebíveis. Como são diferentes os caminhos para fazer a mesma coisa ! . O que mais me impressiona em João Cabral é ele ser saudado sempre como “o poeta da razão”, no Brasil. Para mim, João Cabral de Melo Neto é o poeta da “anti-razão”,o poeta da obsessão, o poeta das coisas ocultas,o poeta das coisas sibilinas, herméticas. A poesia que ele deixou é complexa,mas se abre para o grande acesso popular, o que é curioso.
Uma vez,João Cabral me disse: “Nós estamos fazendo uma obra literária. Procuramos fazer uma obra literária o maior possível.De repente, lá em Nova Iguaçu ,a essa hora, anonimamente, alguém pode estar fazendo a obra com que nós sonhamos”.
GMN : Para o senhor – que se considera “um homem de muitas perguntas e quase nenhuma resposta” – qual é a grande pergunta, a grande perplexidade que até hoje o atormenta ?
Ledo Ivo: “A perplexidade é estar no mundo – com todas essas perguntas que se acumulam; o fato de ser transitório; a existência e não-existência de Deus; o problema da condição humana. Vivo num mundo em que quase não há resposta. Não sei onde começo e onde termino. Sequer sei se existo, no sentido de ter uma existência nítida, com fronteiras definidas.Talvez o meu mundo seja o mundo da ambigüidade.
Drummond chamou a minha poesia de “múltipla”. É uma frase que ilumina mais uma existência poética do que muitos rodapés. Quando publiquei “Confissões de um Poeta”, Hélio Pellegrino me telefonou para dizer que ficou impressionado com o clima de procura que há em todo o livro. Como era psicanalista e poeta,Hélio Pellegrino disse que minha descoberta estava exatamente nessa procura.
Vivo nessa perpétua indecisão. O que me impressiona é que essa procura tenha durado tanto; não tenha acabado ainda”.
GMN : Há em seus textos uma certa obsessão com a finitude. Qual foi o primeiro espanto que o senhor teve diante da morte?
Ledo Ivo: “Venho de uma família numerosa. Tenho um irmão que morreu, o chamado “anjinho”, aquele que morre novo. Outro irmão meu, chamado Éber, morreu aos oito anos. Numa família nordestina,numerosa, a morte vive sempre rodeando as pessoas. Quando menino, eu gostava de visitar cemitérios. Mas censuro a morte ! .Como sou uma criatura do aqui e do agora,fico impressionado com a morte,porque ela faz com que a gente já não esteja aqui”.
Talvez venha da infância o sentimento de que a vida é provisória e instantânea.É um relâmpago. Além de tudo,há o mistério da existência : por que será que uns morrem cedo,outros morrem tarde e outros não morrem nunca ? “.
GMN : O senhor faz,em um de seus textos,uma referência a uma caminhada solitária pelas alamedas do Cemitério São João Batista. O que é que o senhor estava fazendo no cemitério ?
Ledo Ivo: “Devo ter ido me despedir de um amigo. Não fui para visitar o cemitério. O engraçado é que João Cabral escreveu o meu epitáfio em versos que ele nunca incluiu em livro. O que João queria era fazer um livro só de epitáfios de amigos. Terminou não fazendo.
João foi um grande amigo meu,mas tínhamos temperamentos diferentes. Enquanto ele ia para um lugar, eu ia para outro. Nunca nos encontramos – nem esteticamente. Dizia que eu falava muito; achava que só a morte é que me reduziria ao silêncio.
O epitáfio que João Cabral criou para mim é este :
“Aqui repousa
Livre de todas as palavras
Ledo Ivo,
Poeta,
Na paz reencontrada
de antes de falar
E em silêncio,o silêncio
de quando as hélices
param no ar “.
PS: A vida tem dessas ironias : lastimavelmente, João Cabral de Melo Neto, autor do epitáfio de Ledo Ivo, morreu há dez anos. Tinha 79 anos de idade. O poeta presenteado com o epitáfio precoce felizmente continua vivo. Ledo Ivo tem oitenta e cinco anos.
LEDO IVO (PARTE 2) / A INCRÍVEL PACIÊNCIA DO ESCRITOR E POETA QUE HÁ SESSENTA ANOS ESPERA PELO LEITOR : “UM DIA, ELE HAVERÁ DE APARECER”
GMN : O senhor escreveu em suas memórias : “Vivo escrevendo, mas o trágico é que escrever não é viver”. Com que freqüência,então, o senhor tem a sensação de estar substituindo a vida pela escrita ?
Ledo Ivo: “É um drama comum a todo e qualquer escritor este sentimento de que estamos vivendo,sim, mas essa vida se destina somente a acumular experiências para a obra literária. Já a quase totalidade das pessoas se limita a viver, porque não dispõe de linguagem. Trago um mistério inicial em minha biografia : por que logo eu, numa família de onze, revelou a vocação e o destino para a escrita, numa família que não tinha pendores literários ? Sempre tenho a impressão de que toda a vida de um escritor é estuário onde se acumula a matéria que se transformará em obra literária. O escritor é,então,uma pessoa condenada não a viver, mas a escrever.
Fausto Cunha – grande crítico,que notou,em minha procedência literária, a influência de poetas malditos como Rimbaud,Verlaine e Baudelaire – me disse : “O grande erro de sua vida é que você não morreu aos vinte anos. Se tivesse morrido moço, teria deixado “Ode e Elegia”, “As Imaginações”, e “Acontecimento do Soneto”. Então, seria um poeta como Castro Alves ou Casemiro de Abreu !.Vida longa atrapalha a biografia !”.
João Cabral me disse a mesma coisa. Eu respondi : “Prefiro ser o Victor Hugo das Alagoas – o poeta que vive até os oitenta anos !”. Prefiro o mistério dos poetas que,como Drummond e Manuel Bandeira,tiveram uma vida longa e uma obra igualmente longa”.
GMN : Ariano Suassuna – que foi homenageado no carnaval aqui no Rio – disse que já tinha recebido a homenagem do “Brasil oficial”, ao entrar para a Academia Brasileira de Letras e estava recebendo ali,no sambódromo,a homenagem do que ele chama de “Brasil Real”. O senhor – que já foi homenageado pelo “Brasil Oficial” ao ser recebido por unanimidade na Academia Brasileira de Letras – sente falta do reconhecimento do “Brasil Real”,já que não é tão conhecido como poeta como deveria ?
Ledo Ivo: “O poeta inglês John Mansfield diz que já viu o azarão no jóquei ganhar o prêmio, já viu flor brotar da pedra, já viu coisas amáveis feitas por homens de rosto feio. “Eu também espero” – diz ele. Confesso que o problema do reconhecimento vasto não me preocupa. A vida literária se faz pela diversidade e pela multiplicidade. Não se sabe se o escritor de pouco público de hoje será o escritor de grande público de amanhã.
Um escritor pode ser obscuro e desconhecido hoje e famoso e glorioso amanhã. Você pode também estar dentro da literatura e um dia ser expulso ! São coisas que não me preocupam. O que me preocupa é a criação literária. Já que sou uma criatura dotada de linguagem, quero me exprimir. Mas sei que uma obra só se completa com a existência do outro. Há sessenta anos estou esperando por esse leitor. Um dia ele haverá de aparecer”.
GMN : O poema “A Queimada” – aquele que fala do lobo no covil – é uma declaração de princípios de que o escritor deve ser,no fim das contas,um solitário ?
Ledo Ivo: “O escritor deve ser um solitário solidário. A verdade, como digo no poema,não pode ser dita”.
GMN : O senhor reclama daqueles escritores que só brilham em congressos….
Ledo Ivo: “Oswald de Andrade – de quem fui muito amigo até brigarmos – me procurou, magoado, porque tinha sido expulso do Partido Comunista. Os comunistas, então, não o deixaram participar do Congresso dos Escritores de São Paulo. Eu disse a ele: “É besteira ! . Nietzsche nunca participou de um congresso de escritores” (risos)…
GMN: Por que o senhor diz que detesta escritores que consideram a criação poética “um suplício” ?
Ledo Ivo: “Tenho horror desses camaradas que passam o tempo todo dizendo que gemem e suam na hora de escrever. A minha criação literária é uma felicidade. Quando escrevo, parece que as coisas já vêm prontas, organizadas subconscientemente. Pensam que “capino” o meu texto. Mas o meu texto vem espontaneamente. Não tenho nenhuma simpatia por escritores que cortam. A minha simpatia maior é pelos escritores que acrescentam !.
João Cabral uma vez me disse que passava noites acordado, com angústia. Eu dizia “Você só diz que passa noites acordado para ver se me causa inveja, mas não causa não!”.
GMN : Ao contrário do que dizia Carlos Drummond de Andrade, escrever não é “cortar palavras”, mas acrescentar?
Ledo Ivo: “Um escritor francês disse que o bom escritor é aquele que “enterra uma palavra por dia”. Para mim, o bom escritor é o que desenterra uma palavra por dia ! . Porque o escritor lida com um patrimônio lingüístico. De vez em quando o brasileiro ressuscita palavras esquecidas”.
GMN : Por que afinal de contas o senhor não inclui em seus livros o tão citado poema sobre o Recife ?
Ledo Ivo: Em primeiro lugar, porque os alagoanos protestariam. Eu tinha dezesseis anos quando escrevi o poema :
“Amar mulheres,várias
amar cidade,só uma – Recife.
E assim mesmo com as suas pontes
E os seus rios que cantam
E seus jardins leves como sonâmbulos
E suas esquinas que desdobram os sonhos de Nassau”
O poema reflete a descoberta do Recife por um alagoano. Porque Recife tem um lado cosmopolita – que me impressionou muito. O meu pai era pernambucano. A família Ivo é pernambucana. Eu era considerado meio pernambucano por ser ligado ao grupo do crítico Willy Lewin,nos anos quarenta. Recife foi a cidade de minha primeira formação literária. Fazíamos poemas nas mesas do Lafayette,numa época de boemia. O poema sobre o Recife ficou desaparecido até 1947, quando chegou às mãos de Mauro Mota – que o publicou no Diário de Pernambuco (ou terá sido no Jornal do Commercio). O destino de um poema é curioso. A gente escreve um poema; ele ganha vida própria,começa a circular.
Guardo a lembrança de um conselho que Joaquim Cardozo me deu : ele dizia que eu deveria ser um poeta alagoano,assim como ele era um poeta pernambucano. O sentimento do berço tinha grande importância para ele”.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE,O GRANDE POETA SECRETO,ENTRA EM CENA
GMN : Qual é a grande lembrança que o senhor traz da convivência com Carlos Drummond de Andrade ?
Ledo Ivo: “O que me impressionou em Drummond, já no primeiro encontro, foi um certo “fechamento” interior. Não se entregava. Era como se vivesse insulado em si mesmo. Há em Drummond algo que é “intransmissível”. Tive essa sensação de intransmissibilidade.
Eu levei meus primeiros poemas para Drummond, no gabinete em que ele trabalhava, no prédio do Ministério da Educação, no centro do Rio. Depois que leu, ele até chamou a atenção de outros escritores para mim. Em seguida, vieram as rusgas, porque havia divisões políticas naquele tempo.
A coisa mais impressionante que Drummond me disse foi num de nossos últimos encontros. Um certo poeta brasileiro – de quem não quero dizer o nome – proclamou-se herdeiro de Drummond. Quando me encontrei com ele, disse: “Como é que vai o herdeiro?” . E ele : “O herdeiro de um poeta é o poeta diferente do modelo. O meu herdeiro será um poeta inteiramente diferente de mim : é esta a lição da poesia”.
O herdeiro de Olavo Bilac foi Mário de Andrade. Os herdeiros são os diferentes. São até os adversos : não são os assemelhados. É a grande lição de Drummond que ficou em mim : ele não espera ter um clone como herdeiro. (risos) O que Drummond esperava era o “anti-clone”.
GMN : Nesse primeiro encontro, o senhor – que viria a se considerar um lobo no poema “A Queimada” – teve a sensação de que o Drummond era o “urso polar”,como ele disse que era num dos poemas ?
Ledo Ivo: “Tive essa sensação. Drummond tinha uma vida amorosa muito escondida – que depois, infelizmente, foi violada pela imprensa. Eu via, em Drummond, um grande poeta secreto. Naquela época, 1940, Drummond não tinha a notoriedade que ganhou depois. O próprio Manuel Bandeira pensava que o grande poeta brasileiro daquela época fosse Augusto Frederico Schmidt. Porque o Schmidt enrolava todo mundo (risos). Schmidt até pensou em fazer um poema sobre a descoberta do Brasil, mas depois Drummond veio com A Rosa do Povo e acabou com a festa”.
“Sou apenas um homem.
Um homem pequenino à beira de um rio.
Vejo as águas que passam e não as compreendo.
Sei apenas que é noite porque me chamam de casa.
Vi que amanheceu porque os galos cantaram.
Como poderia compreender-te, América ?
É muito difícil.
Passo a mão na cabeça que vai embranquecer.
O rosto denuncia certa experiência.
A mão escreveu tanto – e não sabe contar !
A boca também não sabe.
Os olhos sabem – e calam-se”
(Trecho de “América”, poema do livro “A Rosa do Povo”/Carlos Drummond de Andrade)
A SEGUIR : O GRANDE POETA JOÃO CABRAL DE MELO NETO DÁ DE PRESENTE UM EPITÁFIO EM VERSOS AO AMIGO LEDO IVO