Venho, através desta, declarar meu sincero e inútil apoio à campanha do Sopa de Tamanco contra os anúncios que, veiculados em horário nobre, trazem absurdos como "sombrancelha".
O Sopa já tinha chamado a atenção dos caros internautas para outros absurdos, como o texto de um anúncio de carro, em página nobre da Veja, que trazia a pérola "encarar de frente".
Quem escreve "encarar de frente" deveria sair algemado da agência de publicidade.
Mas, não.
Deve ter cobrado uma nota para escrever tal preciosidade....
Não é má vontade com publicitários em geral, não.
Mas aposto uma boiada:
os gênios que criaram o anúncio "sombrancelha"....
a) consideram-se mal pagos. Devem achar que merecem um salário muitíssimo maior
b) é provável que usem gel no cabelo
c) contrabandeiam uma palavra ou expressão em inglês a cada duas frases que pronunciam
d) acham sinceramente geniais os belos anúncios que concebem
Faço estas suposições porque um dia um de nossos confrades do Sopa teve a chance de ver uma cena inesquecível numa faculdade de jornalismo: um publicitário, com blusinha preta bem justa e gel no cabelo, exibiu, como se fosse uma obra de arte digna do teto da Capela Sistina, o anúncio de uma cerveja em que uma tartaruga fazia umas embaixadas com uma lata. O rapaz tinha criado o anúncio. Falava da peça publicitária, a sério, como se estivesse discorrendo sobre as consequências da descoberta da penicilina.
Um silêncio de pedra percorreu o auditório.
Deus do céu - devem ter pensado os espectadores. O cúmulo do ridículo acaba de ser batido.
Eu diria à platéia, se tivesse a chance de me materializar na penúltima fileira: sim, tens toda razão, oh, caros circunstantes ! ( eu sabia que um dia teria a chance de chamar outros bípedes de "circunstantes")! O recorde do ridículo foi batido, aqui, inapelavelmente, sem que o autor da façanha ao menos desconfie do feito que acabou de cometer!
A conferência do gênio publicitário seguiu até o fim.
C´est la vie.
AQUI:
http://www.geneton.com.br/archives/000308.html
A mais sincera confissão já feita por Jânio Quadros sobre os reais motivos que o levaram a renunciar à Presidência da Republica no dia 25 de agosto de 1961 somente foi publicada em 1995,em escassas sete páginas de uma calhamaço lancado por uma editora desconhecida de São Paulo em louvor ao ex-presidente
Organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi,o livro ‘’Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’’ é,na verdade,um bem nutrido album de recortes sobre o homem. Grande parte das 340 páginas do livro,publicado pela Editora Rideel, é ocupada pela republicação de reportagens originalmente aparecidas em jornais e revistas sobre a figura esquisita de JQ.
A porção laudatória do livro é leitura recomendável apenas a janistas de carteirinha. O ‘’Memorial’’ traz,no entanto,um capítulo importante : a confissão que Jânio, já doente,fez ao neto,num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein,no dia 25 de agosto de 1991, no trigésimo aniversário da renúncia.
Jânio morreria no dia 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade. O neto fez segredo sobre o que ouviu. Somente publicou as palavras do avô quatro anos depois. Ao contrário do que fazia diante dos jornalistas - a quem respondia com frases grandiloquentes mas pouco objetivas sobre a renúncia - Jânio Quadros disse ao neto, sem rodeios e sem meias palavras, que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo,os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Nâo levaram.
Talvez porque já pressentisse o fim próximo,Jânio admite,diante do neto,pela primeira vez,que a renúncia foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais,o maior erro que cometi’’.
A já vasta bibliografia sobre a renúncia ganhou, assim, um acréscimo fundamental, feito pelo proprio Jânio - a única pessoa que poderia explicar o enigma. Desta vez, a explicação parece clara.
Um detalhe inacreditável - que revela como as redações brasileiras são povoadas por uma incrível quantidade de burocratas que vivem assassinando o jornalismo : a confissão final de Jânio mereceu destaque zero nas páginas da imprensa brasileira,o que é estranho, além de lamentável.
A imprensa - que passou três décadas perguntando a Jânio Quadros por que é que ele renunciou - resolve deixar passar em brancas nuvens a confissão final do ex-presidente sobre a renúncia, acontecimento fundamental na historia recente do Brasil.
Tamanha desatenção parece ser um subproduto típico de uma doença facilmente detectável nas redações - a Síndrome da Frigidez Editorial .Joga-se noticia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café . Leigos na profissao podem estranhar, mas a verdade é que há notícias que precisam enfrentar uma corrida de obstáculos dentro das próprias redações, antes de merecerem a graça suprema de serem publicadas.! Isto não tem absolutamente nada a ver com disponibilidade de espaço, mas com competência, faro jornalístico.
Se a última palavra do um presidente sobre um fato importantíssimo não merece uma linha sequer em jornais e revistas que passaram anos e anos falando sobre a renúncia, então há qualquer coisa de podre no Reino de Gutemberg. Quem paga a conta, obviamente, é o leitor, a quem se sonegam informações.
O caso da confissão de Jânio sobre a renúncia é exemplar : a informação fica restrita aos magros três mil exemplares do livro do neto. E os milhares,milhares e milhares de leitores de jornais e revistas,onde ficam ? A ver navios. É como dizia o velho Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus!".
Eis trechos do diálogo entre o ex-presidente e o neto,no hospital.As palavras de Jânio não deixam margem de dúvidas sobre a renúncia :
-‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação : nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidencia, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi(...)Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (N:vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim,ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justica, Oscar Pedroso Horta,no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares,os governadores e,principalmente,o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era,na época,semelhante a Lula : completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossével que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse(...) Renunciei no dia do soldado porque quis senbilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que,em primeiro lugar,o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confianca à minha permanencia no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra.Fui reprovado.O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.
É claro, animal : é óbvio que há exceções, raríssimas, mas gente que comete os seguintes pecados faz parte da Grande Conspiração dos Imbecis, uma confraria avassaladora que domina a tudo e a todos no planeta:
1) gente que diz "amo de paixão"
2) gente que manda "um beijo no coração"
3) gente que diz "êita nós"...
3) gente que, ao cometer um erro banal no meio de uma frase, diz "minto" antes de continuar a falar...
4) gente que fala, ri, canta e relincha alto em lugares públicos, especialmente restaurantes
A lista daria para preencher dez enciclopédias britânicas.
Em breve, continua, aqui, no nobre espaço da Sopa de Tamanco.
Gosto de uma música de Madonna: Like a Prayer. Mas, entre gostar de uma música e ver um show completo, existe uma diferença maior do que o fosso constatado pelos cientistas no cérebro de Xuxa.
De qualquer maneira, eu aceitaria de bom grado um convite para ver o show de Madonna do começo ao fim, num camarote vip, desde que, em troca, eu recebesse um cheque em branco de Antônio Ermírio de Moraes para gastar no fim de semana em São Paulo, quatro diárias na suíte presidencial do Macksoud Plaza, quatrocentas toalhas brancas, uma personal trainner, trinta e cinco caixas de Coca-Cola, oitocentos e trinta chocolates Diamante Negro e trezentos mil reais, cash, para despesas imprevistas.
Tive a pachorra de encaminhar as exigências para os promotores do show. Engraçado: eles não responderam até agora. Deve ter acontecido alguma coisa com o carteiro.
Diante da falta de resposta, cancelei a viagem.
Deixo para a próxima. Mas continuo perguntando ao teto: Deus do Céu, aponte uma escassa frase inteligente já pronunciada por esta mulherzinha afetada, antipática, má cantora e compositora de uma música só.
Aos cinquenta anos, veste-se, pateticamente, como se tivesse dezoito. É tão sensual quanto uma maçaneta.
Toda vez que fala exibe aquele ar lastimável de quem comeu doce de côco podre.
Refaço, então, as contas: eu iria, sim, em troca de quinhentos e trinta e cinco mil reais, cash.
Não vai rolar.
Quer assistir - de graça - a um filme de terror ? Vá para um shopping center esta semana. Fique num canto do corredor. Observe atentamente a Grande Procissão de Idiotas. Você assistirá - de graça! - ao desfile de uma interminável galeria de personagens e cenas aterrorizantes, só comparáveis aos da série Sexta-Feira 13:
*bobões de bermuda e tênis devidamente acompanhados de uma perua entupida de sacolas que, com toda certeza, o trata de "benzinho", "amoreco", "fofura" ou estupidez parecida. Você vai ver de perto : o ente chamado pelo diminutivo é um (ou uma) hipopótomo(a) de cem quilos, no mínimo.
*crianças correndo de um lado para outro e repetindo para pais apalermados o mantra mágico: "compra! compra! compra!"
*um Papai Noel empapado de suor e louco para ir para casa logo
*um jornalista famoso uma vez declarou, numa entrevista, que somente uma em cada mil mulheres pode mostrar os pés em público. O autor da descoberta aparentemente esdrúxula nunca teve tanta razão. O corredor do shopping é um excelente ponto de observação: se prestar atenção, você testemunhará um horripilante desfile de pés feíssimos . Se tivessem um mínimo senso estético, as donas de tais aberrações poderiam simplesmente cobrir os pés com um sapato. Tão fácil! Mas, não : elas os exibem com o orgulho e a cegueira típica dos estúpidos, aparentemente sem notarem a gravidade do atentado que estão cometendo contra os olhos alheios ao desnudaram seus pés cheios de calosidades, joanetes, dedos tortos, deformações de toda espécie - um catálogo de horrores rastejantes.
*vendedoras que abordam os compradores com um sorriso falso colado no rosto e a pergunta irritante: "posso ajudar ?". Não, anta! Não pode nem deve! Sou perfeitamente capaz de escolher uma camiseta sozinho!
*lojas de disco entopem os canais auditivos dos transeuntes com lixo de septuagésima categoria;
trinados de cantoras baianas histéricas; sons indescritíveis emitidos por sertanejos; versos vomitivos expelidos por sub-cantores de pagode, daqueles que usam gel no cabelo. Você tenta escapar, mas não consegue. logo ali, adiante, outra loja repete o vômito sonoro,como numa interminável sessão de tortura.
*depois de quatro horas de observação, você se retira silenciosamente, passa no banheiro para, inspirado na paisagem circudante, dedicar-se a uma discreta sessão de vômito e parte para o cinema. Mas desiste de entrar antes até de olhar os cartazes, porque não quer correr o risco de se expor a nova - e fatal - dose de estupidez: e se a atração oferecida for um filme da Xuxa ?
Tomado de uma discreta felicidade por estar abandonando aquele inominável espetáculo de terror, você se dirige à porta de saída, olha com cara de Jason para alguém que se aproxima com um folheto de propaganda e, finalmente, ao chegar à calçada, como se quisesse purificar os pulmões, aspira com toda força o ar de dezembro, não sem antes repetir para si mesmo em voz baixa: "Never more! Never more! Never more! Never more!".
Fica intimamente feliz por escapar da masmorra. Começa, então, a caminhar, discreta mas firmemente, para o mais longe possível daquele circo de horrores, rumo a um ponto que só você conhece, um porto precário mas, graças a Deus, inacessível aos outros, um ancoradouro onde tudo é silêncio, solidão e genuína felicidade, a dezenas, centenas, milhares, milhões de anos-luz de distância daquele espetáculo patético.
A felicidade - você aprende, tardiamente - pode ser simples assim, sem dramas nem atropelos. Você se lembra do personagem de um livro antigo que sonhava com "luz,altura, claridade".
Sem querer, como se fosse um turista desavisado que entra na rua certa sem saber, você descobre que acertou o caminho , sem precisar incomodar os outros com perguntas inúteis. É melhor assim. Sempre foi. E será.
E, ah, a maior de todas as conquistas : consegue caminhar aliviado em meio ao inferno de dezembro.
AQUI:
http://www.geneton.com.br/archives/000306.html
A saída do ex-governador e entao deputado federal Leonel Brizola do território brasileiro rumo ao exílio no Uruguai é um dos mais obscuros capítulos da história do movimento militar de 1964. Adversários de Brizola trataram de espalhar a versão de que ele saíra do território brasileiro vestido de mulher.
O próprio Brizola deu demonstrações públicas de que este é um assunto que não o agrada nem um pouco. Quando uma repórter o abordou durante a campanha presidencial de 1989, para saber se era verdade que ele tinha saído do Brasil vestido de mulher, Brizola reagiu,agressivo : disse que tinha usado as calcinhas da autora como disfarce. A frase de Brizola pode ter rendido bons títulos nos jornais,mas não acrescentou nada à historia de 1964.
A partida de Brizola rumo ao exÍlio, em maio de 1964, teve somente uma testemunha : o piloto do bimotor Cessna que conseguiu pousar o aviÃo na areia, numa praia no Rio Grande do Sul, numa operação de resgate articulada com requintes de um filme de espionagem.
A operação envolveu disfarces, senhas e códigos secretos - como uma nota de um cruzeiro partida em dois pedacos. Testemunha ocular de fatos importantes da crise de 1964, procurador do ex-presidente Joao Goulart, o piloto Manoel Leaes é um homem de poucas palavras. Preferiu viver sempre na sombra. Acompanhou dia-a-dia a odisséia do fazendeiro Joao Goulart.
Guarda em casa,em Porto Alegre,relíquias como o passaporte que o ex-presidente conseguiu do governo do general Ernesto Geisel, meses antes de morrer,em 1976. O passaporte jamais foi utilizado. Quando fazia viagens para a Europa durante o exílio, Jango se valia de outro passaporte - que,surpreendentemente, lhe tinha sido dado pelo general Alfredo Stroessner,na epoca ditador do Paraguai. Autodeclarado amigo do Brasil,Stroessner fez o que o governo brasileiro não quis fazer : dar a Jango um passaporte.
Neste depoimento, gravado em Porto Alegre, Manoel Leaes,testemunha solitária do resgate de Leonel Brizola,revela com detalhes como foi a aventura :
GMN- A única pessoa que pode contar a verdadeira historia sobre como Brizola saiu do Brasil em 1964 é o senhor - que estava no avião com ele. Há versões desencontradas sobre o que aconteceu.Qual é a verdade,afinal ?
ML - ‘’A verdadeira história da saída de Brizola é tensa. Perseguido pelas forcas da repressão, Brizola se encontrava em Porto Alegre,sem condições de sair do país. Já em fins de abril de 1964, eu, que já estava no Uruguai acompanhando o presidente Goulart, recebi a visita de um emissário que me propôs uma missão : resgatar Brizola no Brasil .
Tive um encontro com D.Neuza(mulher de Brizola). Combinamos,então,um plano de resgate. Dona Neuza chegou a me entregar metade de uma nota de um cruzeiro. Disse-me que a pessoa que me procurasse com a outra metade da nota seria o emissário com quem eu deveria combinar o plano para resgatar Brizola.
Poucos dias depois, fui procurado pelo emissário - que trazia a outra metade da nota.Durante dez dias, estudei, no Uruguai, a possibilidade de fazer a operação resgate em Porto Alegre. Eu pilotaria um avião que desceria no Aeroporto Salgado Filho, o que seria arriscado. A alternativa seria descer numa praia no litoral do Rio Grande do Sul. Optei pela praia.
A escolha da praia ficaria a critério dos amigos de Brizola no Brasil. Mas,para descer na areia da praia, eu precisaria saber do horário das mares. Por quê ? A maré baixa deixaria livre uma faixa de terra que possibilitaria a descida do avião.
Designamos,então, uma pessoa que ficou encarregada de estudar o movimento das marés. Somente assim, eu teria certeza de que poderia descer na praia. Recebi, então, um informe indicando em que horarios a maré estaria baixa ou estaria alta. Preferi o horário das sete da manhã. Nesse horário,com a maré baixa, eu teria espaço suficiente para descer na areia pilotando o bimotor.
Comecamos, então, a executar a operação resgate. Eu usaria o avião do presidente João Goulart para resgatar Brizola no Brasil. Era um aviaão Cessna 310, prefixo PT-BSB. Já exilado no Uruguai, o presidente João Goulart sabia de todo o plano. Autorizou-me a decolar de Punta del Este. Deixei Punta às cinco da manhã, em direção à praia do Pinhal, onde Brizola deveria estar me esperando. Eu pilotava o avião do presidente. Fui sozinho.
Quando me aproximei da praia, notei que nem todos os planos que havíamos feito estavam se confirmando. Pelo acerto que haviamos feito,deveriam estar na praia um grupo de pescadores, um Volks vermelho, um caminhão e outro carro. Mas,ao sobrevoar a praia, notei que o caminhão não estava la! Eu deveria regressar ao Uruguai, porque alguma coisa estava errada. Mas,num arroubo de juventude, resolvi me aproximar de qualquer maneira.
Quando eu estava vindo buscar Brizola,sintonizei durante o vôo a Rádio Guaíba.Uma autoridade do governo dizia que em quarenta e oito horas Brizola estaria preso.
Quando cheguei à praia, vi Brizola saindo de trás de um monte de areia. Estava acenando para mim. Pensei comigo : se Brizola veio,então vou aterrissar. O plano deve ter dado certo. Brizola não iria me entregar. Pousei na areia. Abri a porta do avião.
Quando Brizola ainda estava fechando a porta do avião, eu já estava decolando de novo, rumo ao Uruguai! Brizola estava vestido com a farda da gloriosa Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Trajava o uniforme de soldado. Tenso,mas feliz, Brizola parecia aliviado porque iria se encontrar com a família no Uruguai. Tinha saído de Porto Alegre num fusca, junto com uma senhora que demonstrou grande coragem pessoal ao levá-lo ao local do resgate. Passaram pelas barreiras sem serem vistos.
Quando eu disse a ele ‘’Dr.Brizola,já estamos no Uruguai ! Acabamos de passar pela fronteira !’’, ele apertou minha mao e me disse : ‘’Obrigado,Maneco !’’. Logo apos nossa decolagem,nos quinze minutos seguintes, tomei uma decisão como medida de precaução, para que nosso avião nao pudesse ser interceptado pela FAB : voei baixo,cerca de um metro acima das ondas do mar.
Brizola chegou a me dizer : ‘’Olhe para trás, para ver se vem vindo algum avião da FAB !’’. Respondi : ‘’Agora eles nao vêm mais. Porque, com o nosso tempo de vôo, já não há perigo de sermos interceptados’’. A viagem, com uma escala em território uruguaio, terminou em Solimar, um balneário nos arredores de Montevidéu, onde o presidente João Goulart nos esperava. Assim Brizola saiu do Brasil em 1964’’.
(Trecho do livro "DOSSIÊ BRASIL")
AQUI:
http://www.geneton.com.br/archives/000304.html
UM BRASILEIRO DESEMBARCA EM CUBA COM DÓLARES ESCONDIDOS EMBAIXO DA ROUPA.
MISSÃO: DEVOLVER AO GOVERNO DE FIDEL CASTRO DINHEIRO QUE NÃO SERIA USADO NA
GUERRILHA NO BRASIL. NOME DO BRASILEIRO: HERBERT DE SOUZA, O BETINHO
O movimento que o ex-governador Leonel Brizola tentou organizar no exílio para combater os militares que tinham tomado o poder no Brasil em 1964 teve pelo menos um financiador - o governo de Fidel Castro - e um pombo-correio,encarregado de fazer as negociações sobre a ajuda financeira em viagens clandestinas para Cuba : o militante Herbert de Souza,o Betinho,famoso anos depois como lider da Campanha Contra a Fome. O célebre ‘’Ouro de Moscou’’ na verdade era dólar de Cuba - pelo menos no caso do núcleo uruguaio.
Betinho foi o primeiro dos exilados brasileiros a ir do Uruguai para Cuba em missão clandestina em busca do apoio do governo de Fidel Castro ao movimento que Brizola pretendia liderar contra o regime militar brasileiro.
Meses depois,já afastado do núcleo brizolista,Betinho terminou se envolvendo de novo com os dólares de Cuba. A Ação Popular(AP) - grupo a que Betinho pertencia - tinha desistido da guerrilha. Resultado : Betinho voltou a Cuba com dólares camuflados pelo corpo, amarrados em cintas por baixo da roupa, porque queria devolver aos cubanos a parte que coube à AP no pacote de ajuda oferecida pela multinacional guerrilheira na epoca em operacao em Havana.
Três décadas depois,o muro que encobre a história da ajuda externa aos movimentos de combate ao governo militar no Brasil começa a ruir. Pela primeira vez,Betinho fala em cifras. Deixa no ar um tema para debate : neste depoimento exclusivo,diz que não vê problema ético algum em ter botado a mão nos dólares de Cuba, porque movimentos politicos de todas as tendências ideológicas recebem ajuda externa.
GMN - Como foi feita a viagem a Cuba para articular o apoio cubano à resistência ?
Betinho : ‘’Fui pedir o apoio cubano ao grupo liderado por Brizola,no Uruguai .Tive contato,em Cuba,com o comandante Piñero,o homem-forte desse esquema cubano de contatos com movimentos no exterior. Fui a Cuba para tratar do treinamento de brasileiros - e também do apoio financeiro de Cuba ao movimento. Fiz o primeiro contato.Brizola mandou emissários para dois lugares : para a China e para Cuba.
GMN-Por que você foi escolhido ?
Betinho : ‘’Tínhamos,no Uruguai, um ‘’Comando da Revolução’’, grupo que coordenava, junto com Brizola, as medidas da luta contra a ditadura no Brasil. Eu era um dos que integravam o grupo.Alguém de dentro do grupo tinha de ir a Cuba.Eu fui’’.
GMN - Há documentos secretos americanos que falam na ação conjunta de governos militares sul-americanos na perseguição a exilados no exterior. Você sentia que corria algum risco físico ?
Betinho : ‘’Algum risco a gente corria, porque nosso esquema era precário. Havia uma mala de fundo falso,usada para trazer dinheiro de Cuba. Depois, descobriu-se que essa mala era de um modelo só. Bastava alguém chegar ao Aeroporto para saber : lá vem a mala de Cuba..Era um esquema primário, tanto por parte de Cuba quanto de nossa parte. Fiquei envolvido nesse processo no Uruguai por onze meses’’.
GMN - Um relatório da CIA, divulgado há’ anos, diz que o grupo liderado por Brizola recebia ajuda de Cuba através de portadores que traziam ‘’dólares americanos’’. A CIA estaria se referindo a você ?
Betinho : ‘’Eu não trouxe o dinheiro. Só fiz o contato. Outros foram a Cuba e trouxeram. Não me lembro quem. Ou então Cuba entregava o dinheiro’’.
GMN- O próprio Brizola reconheceu, numa entrevista à TV em Porto Alegre, logo depois da volta do exílio,que houve uma ajuda de Cuba,’’modesta e pequena’’. Há versões desencontradas. Quanto era ?
Betinho : ‘’Eu nunca soube dessas quantias. Mas,pelo que conheco da época,milhão não era algo que estivesse ao alcance de Cuba. Porque Cuba tinha problemas de dinheiro,principalmente em dólar. Cuba tinha era a máxima boa vontade em ajudar. Brizola controlava esse dinheiro com minúcias de centavos. Porque era a subsistência do grupo. Tinha gente que estava no Uruguai por conta da chamada ‘’revolução’’ que iríamos fazer. Não tinham emprego. Brizola pagava alojamento e comida para uma turma’’.
GMN -Mas voce não tratou de quantias com o comandante cubano para o grupo de Brizola ?
Betinho : ‘’A remessa do dinheiro já não foi feita comigo. Outros é que entraram no circuito.Se eu falar em valor, é um chute. Não tenho elementos. Mas eu chegaria quase a garantir que um milhão de dólares estava fora do alcance de Cuba. Nao é que Cuba não tivesse o desejo de dar este apoio. Não tinha era dólar’’.
GMN - O que entrou,então,foi dólar de Cuba para os exilados no Uruguai...
Betinho - ‘’E muita economia, muita contribuição de bens do próprio Brizola. Porque ele tinha algum recurso. Nao era uma pessoa pobre. Eu diria que foi pouco dinheiro que correu ai’. Tão pouco que não deu margem a corrupção. Eram dezoito pessoas que iam fazer a guerrilha.O dinheiro era basicamente para passagens’’.
GMN- Quem trouxe,então, o dinheiro depois do primeiro contato que você teve em Cuba ?
Betinho - ‘’Emissários. Vinha tudo em mãos.Não se tinha acesso a banco nem conta na Suíça. Eram notas de vinte a cem dólares. Juntava-se tudo, punha-se numa mala de fundo falso. Mas nunca peguei numa mala dessas’’.
Que tipo de mensagem você levou para Fidel Castro ?
Betinho - ‘’Viajei do Uruguai para Cuba com uma carta de Brizola para Fidel Castro. Era uma carta simples : dizia que eu estava indo como emissário; pedia apoio. A carta era de uma página. Dizia : ‘’Prezado...’’.
A palavra seguinte era recortada. Adiante,dizia : ‘’Nós estamos enviando o emisssário....’’. E vinha outro recorte. Todos os nomes e referências eram recortados e deixados em outro envelope.
O problema é que os dois envelopes iam com a mesma pessoa ! Quem por acaso interceptasse o emissário só teria o trabalho de encaixar as palavras recortadas no espaco correspondente.Ficaríamos desmoralizados pelo primarismo do nosso sistema de comunicação.Um código deve sempre ter algo a ser decifrado.O nosso não tinha : era só colar as palavras!".
GMN: Quantas missões você cumpriu ?
Betinho : ‘’Voltei a Cuba não como emissário de Brizola,mas em nome da Ação Popular,para devolver dinheiro. Talvez eu tenha sido o único,na história humana....
A razão por que devolvi dinheiro a Cuba foi ideológica : nós, na AP, tínhamos feito a conversão ao maoísmo. Acontece que o maoísmo tinha uma diferença ideológica com a guerrilha. Como já não íamos usar o dinheiro de Cuba para fazer o treinamento de nossos militantes, a direção resolveu,então, que os dólares deveriam ser devolvidos.
Defendi esta posição : disse que tínhamos recebido o dinheiro para treinar. Se nao íamos treinar, então seria desonesto gastar o dinheiro de Cuba com outra coisa. Voltei, então, a Cuba levando o dinheiro em cintos embaixo da roupa. Eram,se não me engano,vinte mil dólares.
Os cubanos ficaram totalmente surpresos com a devolução! Tive um encontro com um auxiliar direto do comandante. Os cubanos ficaram me olhando, sem ter muitas palavras. Além de eu dizer que estava devolvendo o dinheiro - algo que jamais aconteceu lá - eu ainda dava as razões : ‘’Somos maoístas’’.
GMN - Houve casos de outros grupos que tenham devolvido dinheiro ?
Betinho : ‘’Tenho notícias de gente que fez o contrário : recebeu dinheiro da China mas armou uma empresa de táxi no Uruguai. A gente soube que aconteceu. Não ouvi falar de nenhum outro caso de devolução de dinheiro’’.
GMN - Como é que você chegava a Cuba ?
Betinho : ‘’Se a gente estava no Brasil, passava pelo Uruguai e ia para a Argentina. De lá, pegava um vôo - que passava por cima do Rio - rumo a Paris. Em seguida,Praga. Depois,Irlanda.P or fim,um pouso no Canadá,onde se pegava o vôo direto para Havana. Eram vinte e seis horas de viagem! ".
GMN - Você faria tudo de novo ?
Betinho : ‘’Faria por uma razão : naquele momento,havia duas atitudes possíveis. Uma atitude era dizer que o golpe era uma fatalidade que tinha vindo para ficar,não havia nada o que fazer, ’’vamos cuidar de nossas vidas’’. Houve gente progressista que tomou este caminho.
A outra atitude era dizer : temos de lutar! Era tudo uma decisao voluntarista de reagir,uma postura ética e democrática, querer acabar com a ditadura e fazer alguma coisa. Mas que experiência nós tínhamos ? Nenhuma! Nossa experiência era de política institucional. Trabalhamos com o Congresso,com mídia,com partidos politicos. Havia uma juventude que queria lutar.Era meio no grito’’.
GMN - Seu nome é sempre associado à etica. Como é que voce julga a conduta ética, no caso da devolução do dinheiro ?
Betinho :’’A discussao que tivemos na AP na verdade tinha um fundo ético. Tínhamos mil razões para ficar com esse dinheiro. Nés estávamos precisando. O dinheiro foi dado para a Revolução ! Companheiros chegaram a defender essa tese. Diziam : a gente fica com o dinheiro, avisa a Cuba que vamos empregá-lo para a Revolução. E vamos,sim ! Respondi: ‘’Mas este dinheiro foi dado para determinada coisa - que não fizemos’’. Além de tudo,estamos agora numa posicao política diferente dos cubanos. Não é justo nem ético ficar com esse dinheiro’’. O que pesou na decisao não foi a racionalidade política, mas a racionalidade ética.Como eu era da direção da AP,disse : ‘’Não tenho condições de ficar na coordenação se a gente pratica uma coisa dessas. Não aceito’’.
GMN : Qual é a importância que você dá,hoje,ao apoio cubano à resistência clandestina contra a ditadura militar no Brasil ?
Betinho : ‘’Cuba estava exportando para os outros movimentos a realidade cubana, assim como a China exportava a realidade chinesa. Não sabiam o que era o Brasil.
Cuba nos vendeu - e nós compramos ! - uma estratégia de guerrilha. Ora,guerrilha sem ampla mobilização popular é impossível ! Imaginamos uma consciência nacional anti-golpe e anti-militar. Em cima dessa consciência supostamente existente na sociedade brasileira, a gente daria uns tiros...Mas a maioria dos grupos que pregavam a luta armada nem arma tinha! Era tudo expressão de um desejo - que custou caro. Porque houve prisões,tortura,desespero,crise pessoal e familiar no meio de tudo’’.
GMN : Você vê hoje alguma ingenuidade na tentativa de organizar no Uruguai uma resistência ao regime militar brasileiro ou aquela era a única saída para o grupo,na época ?
Betinho : ‘’Sou tentado a escolher a segunda opção.
Em 1964, o golpe na verdade foi dado com ampla cobertura da mídia e da opinião pública. O confronto teria de ser feito a partir de uma iniciativa enérgica do próprio governo Jango, algo à la 1961, quando Brizola arrancou uma reação de coragem (N: Betinho se refere ao movimento liderado por Brizola depois da renúncia de Jânio Quadros para garantir a posse do vice constitucionalmente eleito, João Goulart).
Se Jango tivesse autorizado ações militares que foram propostas a ele em 1964, o golpe não prosperaria. Porque os golpistas eram tímidos.Eram quase que institucionais. Não tinham a experiência de 1930, quando houve arma,tiro e morte. Nem no Chile,onde o golpe foi avassalador. Aqui, eles iam fazer uma marcha. Tanto é que o golpe acabou tendo uma versão parlamentar’’.
GMN : Se alguem disser a você hoje que era errado receber dinheiro de Cuba para fazer guerrilha no Brasil ,que resposta voce dá ?
Betinho : ‘’Digo : errado era fazer guerrilha. Uma revolução era essencialmente uma ação nacional. É preciso ter bases e recursos nacionais. De qualquer maneira,a história da revolução mundial é uma história de apoios internacionais,tanto do lado da esquerda quanto do lado da direita - e da social-democracia também !
Uns vivem ajudando os outros.Quero dizer que nao tenho problema nenhum a esse respeito.O principal problema é político : um movimento que não conseguia levantar apoios nacionais - e passava a depender fundamentalmente de apoio externo - começava mal’’.
(1996)
O DIA EM QUE O CARTUNISTA HENFIL DISPAROU PETARDOS CONTRA ROBERTO CARLOS, PELÉ, GILBERTO FREYRE, FERNANDO GABEIRA, GILBERTO GIL, CAETANO VELOSO
O cenário: um quarto de hotel na praia da Boa Viagem, no Recife. Henfil chega mancando de uma perna. O joelho vem incomodando de novo. É sempre assim. Mas ele já se acostumou. Quando começa a falar sobre personagens que lhe soam contraditórios, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Roberto Carlos e Gilberto Freyre, o mais conhecido cartunista brasileiro sublinha as frases com um gesto que gosta de repetir: franze a testa e coça a barba espessa.
O Brasil é o assunto predileto de Henfil ( local de nascimento: Nossa Senhora do Ribeirão das Neves, Minas Gerais. Data: 05/02/1944). Não é para menos. Henfil nunca escondeu que enxerga em tudo o que faz um toque missionário. É provável que esta certeza venha de uma educação religiosa rígida - somente aos 21 anos, Henfil perdeu a virgindade.
Quem sabe, a consciência missionária seja resultado da convivência com a hemofilia, um aviso permanente da fragilidade do corpo. O certo é que Henfil não se dispensa do papel de militante. Ao cumprir esta função, chega a ser desmesuradamente rígido no julgamento da atuação política de outros artistas. Igualmente, não hesitou em ir morar no Rio Grande do Norte, já depois de consagrado, porque julgava indispensável a experiência de conhecer de perto o Brasil nordestino, tão diferenciado do que ele próprio chamava - ironicamente - de "Sul Maravilha". Henfil só não quer ser simplista: repete que a culpa pelas mazelas brasileiras pode até caber aos governantes - mas deve ser repartida com o povo também.
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Qual deve ser exatamente o papel do humor num país como o Brasil?
Henfil: "O humor, em geral, tem o papel de fazer rir, mas, no Brasil, há algo mais: o humor têm também o papel de conscientizar, infelizmente. É um pouco como cobram que o papel da televisão é educar ; a TV, dizem, deveria ser uma espécie de braço direito do Ministério da Educação. Infelizmente, é um pouco verdade, porque o grau de informação e consciência do povo brasileiro a respeito da cultura e dos problemas do país é pequeno.
A gente às vezes nem sabe se vive em Nova Iorque ou na caatinga. Nunca se sabe direito. Então, é uma espécie de orientação que você pode dar. Há casos como o da dívida externa. O brasileiro não sabia que a dívida externa era de 10 bilhões de dólares - saudosos 10 milhões de dólares! E foi papel do humor, naquele tempo, dizer que era esse o valor da nossa dívida"
O que você espera quando desenha um cartum? Que ele faça pensar, em primeiro lugar?
Henfll: "Eu diria que era fazer pensar. Depois, tenho a preocupação de que esse pensar doa menos. Em geral, pensar dói demais, principalmente no Brasil, a terra do FMI. Dói demais pensar. Então, este é um aspecto do humor.
Mas o humor tem também uma coisa inteligente: a inteligência do humor se situa acima da filosofia. Por quê? Porque o humor reverte a expectativa. Você nunca ri porque a coisa é simplesmente engraçada ou esquisita. Você ri porque descobre algo sobre o qual você não tinha pensado antes. É aí que você ri."
Depois que vê todo o trabalho que realizou até hoje, você acha que vale a pena fazer rir, afinal?
Henfll: "Quando ri, você relaxa e sente a despreocupação de receber uma idéia. A única forma de vencer o medo é através do humor. O riso ajuda e relaxa, para que a pessoa possa ficar inteligente. Quando estão rindo, as pessoas são mais inteligentes do que quando estão com raiva. Pode notar: a pessoa riu - e todo mundo já começa a achá-Ia mais simpática, mais inteligente e menos parecida com os vegetais e os minerais."
Quem é o personagem mais caricaturável da política brasileira?
Henfll: "Paulo Maluf é bem fácil. O general Figueiredo também é fácil fazer.
Mas o povo brasileiro é o mais fácil de caricaturar. Não sou caricaturista, mas é fácil colocar o povo dentro dos quadrinhos e dos cartuns, porque o povo é o principal responsável por tudo o que existe aí.
Há uma certa passividade do povo brasileiro - que deixa as coisas acontecerem além da conta. Tenho mais vontade de cutucar o povo brasileiro - cada um de nós - do que de cutucar aqueles que estão por cima criando caso com o povo brasileiro. A macaquice nossa de imitar neve e imitar americano o tempo todo no vestir e no cantar...
Meu Deus do céu, como é que vou poder criticar a orientação das autoridades financeiras do Ministério do Planejamento de ficar importando tudo, se, até quando não é permitido, o brasileiro vai lá fora e traz como contrabando? Nós estamos contrabandeando, em todos os sentidos, tudo o que vem de fora. Ocorre, principalmente, no Nordeste, o que é uma coisa que me atinge ainda mais, porque sou identificado com a região. O grau de desnacionalização no Nordeste é ainda maior do que em qualquer outra parte do Brasil. Dá vontade de ficar cutucando o brasileiro, principalmente o nordestino "
Quem é o personagem menos caricaturável? O que traz mais dificuldade na hora de caricaturar?
Henfil: "Para ficar coerente com o que estou dizendo, tenho dificuldade com os poderosos. Hoje, na medida em que as eleições estão surgindo e a gente vai ganhando mais condições de trabalhar e expor as coisas, é difícil você chegar e dizer, com relação aos poderosos: 'É aqui!'.
Dou um exemplo. Posso chegar e dizer: 'A culpa é do ministro Delfim Netto! Vou lascar o pau nele!'. Ora, mas existe o FMI ! E como é que vou caricaturar o FMI? Com as iniciais? Isso cansa. Parece marca de caminhão. Não dá pé. Então, já que o humor que faço é mais de conscientização, é bastante difícil mostrar ao povo brasileiro, aos leitores, quem é que realmente manda no Brasil, qual é a cara, se tem bigode, se é homem, se é mulher, se é a terceira força. O FMI é o quê? Fica difícil"
Mãe dá Ibope?
Henfil: "Mãe sempre dá Ibope. Você se refere às 'Cartas da Mãe' - que venho escrevendo desde 1977 na revista ISTOÉ. Tenho também o livro 'Cartas da Mãe'. Acontece que escrever cartas para a mãe foi a forma que descobri de falar com o leitor - não mais através de desenhos de uma forma que ele pudesse entender o que eu estava querendo. Há os que têm dificuldade de entender o desenho. Só uma geração criada com história em quadrinhos é capaz de pegar o simbolismo e saber o que é que quer dizer aquilo, esse traço assim, esse balão com três pontinhos embaixo significando pensamento...
Parti, então, para escrever carta, para facilitar o entendimento. Carta todo mundo sabe escrever - ou ler. Escrever carta para a mãe é o mínimo que cada um faz. Eu escrevo para minha mãe. Ora, todo mundo tem mãe - espero. Todo mundo tem filho. Todo mundo é mãe ou filho. Então, ou se identifica comigo porque é o filho escrevendo para a mãe ou então é o contrário.
As mulheres, em geral, se identificam com a mãe e me falam: 'Eu me identifico tanto com a sua mãe...' Já os homens me dizem: 'Eu me identifico com você!'. A linguagem da mãe é a mais acessível. Porque a mãe,afinal, é obrigada a falar com crianças de um mês, um dia. Procuro entrar na cabeça da minha mãe e escrever na linguagem com que ela falaria. É aquela linguagem de mãe: simples.
A política entra na conversa porque as mães hoje estão ficando cada vez mais politizadas. Veja o caso da Argentina. Quem desestabiliza o regime de exceção na Argentina são as mães, as chamadas Loucas da Praça de Maio "
De que político brasileiro você não compraria um carro usado?
Henfil: "Ah... (pausa). Meu Deus do céu! Eu queria saber com que carro eu ia comprar um político usado... Não compro com carro nenhum político usado! São pouquíssimos os políticos de quem eu compraria um carro usado.
Vamos facilitar: não compro carro usado por nenhum político. Mas de alguns eu até compraria. Um exemplo: Teotônio VileIa. É, para mim, o símbolo de um político que escreve carta pra mãe todas as vezes em que fala da Mãe-Pátria "
Já se disse que em épocas fechadas, como no Brasil dos anos 70, há um espaço grande para o cartum político, mas, em épocas de descompressão e abertura, há um espaço maior para o cartum de costumes. Você concorda com esta interpretação?
Henfil: "Durante o período da chamada fechadura, é como na Igreja. Qualquer coisa que você faz na Igreja, engraçada ou pesada, todo mundo fica em silêncio, falando baixinho. Tudo o que se faz ali é significativo. Diziam-me: 'Que cartum genial que você fez! Você denunciou bem!'. Ora, eu não tinha denunciado nada. Era apenas um cartum que eu tinha bolado. Mas, naquele silêncio todo, as pessoas acham logo que o cartum foi feito cheio de significados.
É bom para o cartunista ficar cheio de significados secretos e trabalhar em fechadura. Mas a maioria do povo não entende! Fica uma espécie de Língua do P. Só quem sabe que existe um indício de problema numa área como repressão ou dívida externa vai achar segundas intenções em determinado cartum. A maioria, realmente, nem entende! O humor brasileiro, tão popular até a época de Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros, com Carlos Estêvão, o Amigo da Onça, Millôr Fernandes daquele tempo, Ziraldo, tinha um grande alcance. Depois, não teve alcance popular. Humorista ficou coisa de elite intelectualizada e informada. Se não fosse o humor na TV, o humor hoje não seria popular e estaria quase que em museus de arte moderna. Então, esse negócio de dizer que em época de repressão você fica mais criativo... Você
fica mais criativo para a fuga! Dizem: 'Cria-se mais na cadeia'. O que se cria mais em cadeia é oportunidade de fuga! Nunca vi ninguém criar nada legal e bom na cadeia."
Como é,afinal, o Brasil dos seus sonhos?
Henfil: "Ah, o Brasil.... Vou dizer uma coisa: já morei dois anos em Natal porque escolhi e quis morar, depois de ter vivido dois anos em Nova Iorque. O Nordeste parece mais com o Brasil. É aquela coisa descontraída, aquela força das pessoas convivendo e se conhecendo. Você tem grandes chances de comer, beber e cantar ainda em nossa língua, com as coisas da terra. Penso muito. Tenho um sonho: que nosso problema com o FMI, com a dívida externa, vá conduzir a uma coisa que a gente poderia até chamar de fechadura.Ou seja: : o Brasil se fechar para dentro de si próprio.
Tenho tantas saudades da língua portuguesa! Já estou cansado de falar em cheeseburger, hamburguer, overnight, open, spread, jeans, T-Shirt, essas coisas todas. Tenho saudade de falar nossa língua, cantar nossa música, comer nossa comida. Estou nesse hotel, resolvi pedir um cartola. De repente, veio cartola com queijo prato! É brincadeira? Não se respeita nem cartola mais!"
Acabou a briga entre os chamados "patrulheiros ideológicos" e a "Patrulha Odara"?
Henfil: "Primeiro é preciso esclarecer ao distinto público o que é que significa esse diabo de patrulha ideológica e Patrulha Odara.
Houve um determinado momento em que alguns críticos, principalmente de cinema e de música, começaram a criticar uma tendência havida particularmente entre os chamados baianos - que hoje são paulistas, são cariocas - de entrarem no esquema da "open-music". Começaram a fazer uma música que estava correndo em Nova Iorque, discoteca, aquelas coisas todas.
Críticos que começaram a dizer: 'Não é por aí! Cadê as raízes? Cadê a nossa música? Nós estamos pagando royalties! Para quê? Vai aumentando a nossa dívida externa!'.
Porque dívida externa não é só dólar que se pega emprestado para construir viaduto, Angra dos Reis, Itaipu, aquelas coisas, não! Dívida externa se faz a cada disco estrangeiro que se compra no país também. Os cantores chamados baianos começaram a ser pontas-de-lança da música estrangeira, principalmente a americana. Não era nem a música estrangeira em si. Que venha a música italiana, que venha a música do Haiti! Mas não: é só música americana! Como foram,todos, criticados, resolveram reagir. Disseram que era "patrulhamento ideológico". Crítica virou "patrulhamento ideológico"!
Eu é que inventei que eles, os baianos, eram a Patrulha Odara, porque queriam patrulhar a crítica que se fazia. Ora, crítica é um negócio que faz todo mundo crescer. A preocupação dos chamados críticos era com o crescimento desses artistas - que são importantes. Caetano Veloso é importante. Gilberto Gil é importante. São tão bons que não poderiam estar fazendo aquilo.
Quem falava eram as pessoas que estavam interessadas no crescimento dos dois - e não na decadência. Gilberto Gil - que entrou nessa e começou a fazer discotheque - se arrebentou, inclusive comercialmente, porque não adianta. Macaquice não dá dinheiro! Só dá dinheiro para o vendedor de amendoim. O macaco não ganha nada. Agora, Gilberto Gil já vem tendo de voltar e ver que realmente errou. O que aconteceu, então, foi patrulha ideológica ou foi crítica chamada construtiva e de amigo?
Isso tudo já foi superado, justamente por um retorno e uma consciência do país inteiro - inclusive dos cantores - de que, quando você copia culturalmente qualquer outro país, faz dívida externa, paga royalty. Você não copia idéia de outro país de graça! A dívida externa deve estar em 110 bilhões de dólares. A música tem culpa também!"
O que é que significam, para você, as seguintes pessoas: em primeiro lugar, Fernando Gabeira.
Henfil: "Fernando Gabeira esteve exilado uns tempos, voltou ao Brasil, escreveu O Que é Isso, Companheiro?, Entradas e Bandeiras, Sinais de Vida no Planeta Minas, aqueles negócios.
Prestou, principalmente com o livro O Que é Isso, Companheiro?, uma colaboração imensa a todo mundo, na consciência do que aconteceu no exílio e do que aconteceu no Brasil antes de ele partir para o exterior, principalmente sob o aspecto da tristeza de um tipo de comportamento que em geral os grupos políticos têm, sejam de direita ou de esquerda. É um comportamento quase religioso, aquela coisa de magia negra, fechada, cheia de dogmas, punições e inferno. 'Você vai para o inferno se for revisionista!', aquelas coisas.
Mas há um problema com relação a Fernando Gabeira: ele chegou parecendo que tinha descoberto o Brasil! O país existe aí há quatrocentos e oitenta e tantos anos. Mas parecia que ele, Gabeira, é que tinha começado o movimento negro, o movimento dos homossexuais, o movimento feminista! É aquele negócio do sujeito que chega descobrindo tudo. É o 'Brasil Ano-Zero: Gabeira chegando ao país'. Tirando esse lado, tudo perfeito. Mas o movimento feminista tem centenas de anos no Brasil, principalmente no Nordeste, onde houve o movimento pioneiro pelo voto feminino."
Dom Hélder Câmara...
Henfil: "Dom Hélder é uma coisa contraditória. A gente tem um carinho imenso por Dom Hélder - e também um medo imenso por ter carinho por ele. Quem escolheu Dom Hélder Câmara como figura subversiva não fomos nós. Nós o escolhemos pela dedicação que tem às causas, às denúncias e, principalmente, ao povo. É um dos primeiros que fez opção preferencial pelos pobres. Mas o sistema o escolheu como inimigo número um. Dá até medo de admirá-Io, porque eles vão falar: 'Admiram Dom Hélder porque ele significa uma coisa que a gente tem de combater.' "
Gilberto Freyre...
Henfil: "Tudo no Brasil é contraditório, mas Gilberto Freyre talvez seja o mais contraditório de todos. A obra de Gilberto Freyre é voltada para o povo. É opção preferencial pelo povo. Ninguém mais do que ele talvez tenha condições de mostrar a realidade do povo brasileiro, principalmente do Nordeste. Mas há uma contradição: o comportamento político de Gilberto Freyre, quando ele não escreve ou exerce a visão sociológica, é de extrema-direita. Admiro Gilberto Freyre de um lado. Tenho medo de Gilberto Freyre por outro, porque ele é poderoso dentro do sistema. Coluna do meio."
Roberto Carlos...
Henfil: "Eu espero que você não me pergunte também sobre Pelé: dá no mesmo. Roberto Carlos - que tem um grande carisma - também é uma figura contraditória.Todo mundo tem um grande carinho por ele. É algo que transcende a música que ele faz. Não é nem questão de saber se ele canta bem ou mal. Eu - que já fui chamado de patrulheiro ideológico - nunca parei para pensar se Roberto Carlos canta bem ou se suas músicas são bonitas ou não. Roberto Carlos tem uma presença humana e se entrega à música de tal forma que não quero saber se é bonito ou feio: gosto de Roberto Carlos. Quando canta, ele se entrega; não brinca.
Mas ele tem uma dívida interna com o brasileiro. Roberto Carlos, apesar de todo o carinho que o público brasileiro lhe dá, não devolve o carinho em forma de atuação. Quando perguntam a Roberto Carlos a respeito de qualquer coisa, ele diz: 'Não; eu sou apolítico. Não sou político, não me meto em política.' Ora, todo mundo é político! Dizer 'eu não me meto em política' é a pior das políticas. 'Não tenho nada com vocês'. Como não tem? Nós batemos palmas para você! Como é que não temos nada a ver com você? Tenho uma mágoa pela não-participação de Roberto Carlos na defesa de um povo que vem se lascando."
Sônia Braga...
Henfil: "Que é que vou dizer? Sônia Braga já devolveu mais do que a gente deu a ela. Ela é aquele desejo imenso: todo mundo adora Sônia Braga. É a mulher que todo mundo gostaria de ter. Mas ela devolve. Quando a coisa pipoca por aí, Sônia Braga tem uma boa atuação, uma firmeza. Não se entrega a essa coisa de dizer 'não sei; sou atriz'. Sônia Braga é a vizinha que todo brasileiro gostaria de ter."
(1983)
AQUI:
http://www.geneton.com.br/archives/000298.html
AQUI:
http://www.geneton.com.br/archives/000298.html
"O PROLETÁRIO É UM SUJEITO EXPLORADO FINANCEIRAMENTE PELOS PATRÕES E LITERARIAMENTE PELOS POETAS ENGAJADOS"
CINCO VERSOS DE MARIO QUINTANA (Alegrete, RS, 1906):
1. “Ai de mim/Ai de ti, ó velho mar profundo/Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios”.
2. “A vida é um incêndio/nela dançamos, salamandras mágicas/Que importa restarem cinzas/se a chama foi bela e alta?/Em meio aos torós que desabam/cantemos a canção das chamas!/Cantemos a canção da vida/na própria luz consumida...”
3. “Um poema como um gole d’água bebido no escuro/Como um pobre animal palpitando ferido/Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna/Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema/Triste/Solitário/Único/Ferido de mortal beleza”
4. “Da primeira vez em que me assassinaram/perdi um jeito de sorrir que eu tinha/Depois, de cada vez que me mataram, foram levando qualquer coisa minha...”
5. “Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!/Ah! Desta mão, avaramente adunca,/Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!”
E VINTE E TRÊS RESPOSTAS:
Qual deve ser o primeiro compromisso da agenda da vida de um poeta?
QUINTANA: "O primeiro compromisso deve ser: não parar de poetar. Não parar de viver intensamente"
O senhor diz que gosta de fazer projetos a longo prazo, para “desafiar o diabo”. Que último desafio o senhor lançou?
QUINTANA: "O último desafio foi uma viagem – gorada – a Paris. O próximo, já em execução, é aprender a falar inglês. Eu era apenas tradutor de francês da Editora Globo. Aprendi, sozinho, a língua inglesa numa gramática, para traduzir. Mas apenas lia o que estava escrito, sem saber a pronúncia. Agora, estou lidando com um curso de inglês da Inglaterra por meio de fitas cassete. O primeiro tradutor de Virginia Woolf no Brasil fui eu. A tradução foi bem recebida pela crítica".
O escritor Erico Verissimo dizia que “Quintana é um anjo que se disfarçou de homem”. O senhor tem algum reparo a fazer à observação?
QUINTANA: "Tenho. Sempre desejei ser exatamente o contrário: uma espécie de diabo"
Qual a grande compensação que a poesia dá a quem a escreve?
QUINTANA: "Minha grande compensação é ter, às vezes, conseguido pegar a poesia nuínha em flor. Mas é difícil! (ri)"
Críticos já notaram que o senhor tem uma preferência especial pelas reticências. É verdade que prefere as reticências aos pontos finais?
QUINTANA: "Considero que as reticências são a maior conquista do pensamento ocidental, porque evitam as afirmativas inapeláveis e sugerem o que os leitores devem pensar por conta própria, após a leitura do autor"
O senhor diz que, ao escrever, “pergunta mais do que responde”. Qual a grande pergunta que o senhor não conseguiu ver respondida até hoje, aos oitenta e dois anos?
QUINTANA: "O essencial é a gente fazer perguntas. As respostas pouco importam"
Se a poesia, segundo suas palavras, “é uma loucura lúcida”, todo bom poeta deve ser necessariamente louco, ainda que lúcido?
QUINTANA: "Creio que é na Bíblia que foi escrito que todos nós temos um grão de loucura. O poeta deve ter esse grão de loucura, mas não necessariamente estar num grau de loucura"
O senhor já se confessou simpático à restauração da monarquia no Brasil. A notícia de que será promovido no início dos anos noventa um plebiscito para decidir se o Brasil deve ser monárquico ou republicano anima-o? Que cargo gostaria de ocupar no Brasil governado por um Rei?
QUINTANA: "É claro que nenhum! Eu não desejaria ser o Poeta da Coroa. A melhor receita para fazer um mau poema é fazê-lo de encomenda"
Além de poeta, o senhor é tradutor de obras clássicas, como vários volumes de Marcel Proust. Que semelhança pode existir entre o trabalho de tradução e o ofício da criação poética?
QUINTANA: "Há sempre uma diferença entre tradução literal e tradução literária. Creio que a tradução de um autor é, nada mais, nada menos, a estréia desse autor na literatura da língua para a qual ele foi traduzido. Daí, a responsabilidade enorme de traduzir um Proust, um Voltaire, gente assim"
O senhor já chegou a trabalhar simultaneamente na preparação de cinco livros. Em algum momento da vida se sentiu tentado a deixar de escrever?
QUINTANA: "Sempre estou escrevendo, em prosa e em verso.Venho trabalhando em quatro livros.Cinco é demais! Nunca pensei em deixar de escrever, porque é a única coisa que sei fazer na vida".
Qual o grande medo do poeta Mario Quintana hoje?
QUINTANA: "Tenho medo de dizer"
O senhor, segundo notou o autor de um artigo publicado pela revista ISTOÉ, "nada tem: nem casa, nem mulher, nem dinheiro, nem família". Tanto desapego foi escolha pessoal ou aconteceu à revelia do que o senhor desejou ?
QUINTANA: "Catastrófico o autor, para mim desconhecido, dessa coisa publicada na ISTOÉ. O certo é que elas não tiveram tempo...E agora,no fim da picada, acho preferível a solidão sozinho à solidão a dois. Quero a solidão sozinho!"
(Enclausurado num quarto de hotel em Porto Alegre, Mario Quintana tinha uma mania: escrever a mão textos que, só depois, eram datilografados pela secretária Mara Cilaine, guardiã do poeta)
O senhor já declarou que "o proletário é um sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados". Em algum momento, o senhor acreditou que a poesia poderia mudar o mundo ?
QUINTANA: "Para mudar o mundo, caberia ao poeta candidatar-se a vereador,a deputado ou a outro cargo assim- e não fazer poemas que as classes necessitadas não têm tempo de ler. Ou não sabem ler.
É verdade que Castro Alves influiu na abolição da escravatura. Mas acontece que Castro Alves era genial. Já nós temos apenas algum talento...."
O senhor é autor de uma sugestão original: a nação lucraria se pudesse escolher livremente os ministros - e não apenas o presidente. De onde nasceu essa constatação ?
QUINTANA: "Não me lembro de ter feito tal sugestão. Mas agora gostei! O povo poderia influir mais diretamente no Executivo - que não ficaria só com o presidente e seus amiguinhos..."
O senhor escreveu que a poesia é a "invenção da verdade". Conseguiu inventar todas as verdades que queria através da poesia ?
QUINTANA: O que meu cérebro lógico pensa não é exatamente o que pensa a parte não lógica do cérebro. Além da mera geometria euclidiana, existe a geometria não-euclidiana. Isso parece meio confuso, mas me faz lembrar uma verdade que escrevi um dia: a poesia não se entrega a quem sabe defini-la".
Aos oitenta e dois anos, o senhor é otimista ou pessimista diante do destino do homem neste fim de século?
QUINTANA: "Sou otimista. Há mais liberdade de expressão e mais comunicação. Não há, como nos meus tempos de menino, aquela proibitiva divisão entre as faixas etárias"
Num livro lançado há exatamente quarenta anos, Sapato Florido, o senhor escreveu que “os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas. Os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais”. Qual foi, então, o melhor anúncio que o senhor já leu?
QUITANA: "Não sei se foi o melhor, mas o mais divertido foi este: “Alugam-se duas salas para mulheres bem-arejadas”. Ler os pequenos anúncios, em todo caso, é pôr-se em contato com as necessidades do povo"
Saber que “o vôo do poema não pode parar”, como o senhor diz em “O Vento e a Canção”, é um consolo para quem escreve?
QUINTANA: "Para quem escreve, saber que o vôo do poema não pode parar é sinal de que a vida continua deslizando, apesar dos solavancos"
O poema “No Meio do Caminho”, escrito por Carlos Drummond de Andrade no final dos anos vinte, foi ridicularizado e bastante criticado quando surgiu. O senhor, no entanto, incluiu o poema entre os que gostaria de ter escrito. De que maneira o senhor reagiria às críticas que foram feitas ao poema?
QUINTANA: "Quando alguém pergunta a um autor o que é que ele quis dizer, um dos dois é burro..."
Se "os caminhos estão cheios de tentações", qual a grande tentação do poeta Mario Quintana hoje ?
QUINTANA: "Os caminhos continuam cheios de tentações. Mas.....cabem,aqui, reticências"
Os jovens poetas sempre esperam ensinamentos dos mais experientes. Se um poeta de vinte anos pedisse um conselho a Mário Quintana, que resposta o senhor daria a ele ?
QUINTANA: "Que ele não exigisse conselho de ninguém - e seguisse o próprio nariz"
Quem - ou o quê - atravanca o caminho do senhor hoje ?
QUINTANA :"Ah, a popularidade!"
E sobre a Academia Brasileira de Letras ?(N: Quintana foi derrotado nas três vezes em que tentou entrar para a Academia). O senhor não quer dizer nada ?
QUINTANA: "Não. Nem para dizer que não pretendo falar"
(1988)