maio 25, 2008

LIÇÕES PARA JOVENS JORNALISTAS OU DINOSSAUROS: A PALAVRA DO REPÓRTER QUE DERRUBOU UM PRESIDENTE!

AQUI:
http://www.geneton.com.br/entrevistas/

Posted by geneton2 at 10:01 PM

CARL BERNSTEIN, O REPÓRTER DO CASO WATERGATE


ATENÇÃO, ESTUDANTES DE JORNALISMO! EIS AS LIÇÕES DO REPÓRTER QUE DERRUBOU UM PRESIDENTE!


Quem ? Carl Bernstein e Bob Woodward. O quê ? Publicaram no Washington Post reportagens que levaram um presidente dos Estados Unidos a renunciar. Quando ? Entre 1972 e 1974. Onde ? Em Washington. Por quê ? Porque são repórteres puro-sangue.

Se o Quarto Poder existe, ei-lo , então: os cabelos estão cem por cento grisalhos; os olhos fixam com firmeza o interlocutor; o sorriso parece sincero e cativante; a mão esquerda exibe uma aliança; a barriga ligeiramente saliente clama por uma boa dieta. Nome da fera: Carl Bernstein. Se fosse dado a bravatas, Bernstein poderia bater no peito e dizer que, em parceria com Woodward, derrubou um presidente americano. Jamais alguém encarnou com tanta propriedade, portanto, o chamado “Quarto Poder”.

Quando o Washington Post começou a publicar insistentes reportagens sobre o arrombamento dos escritórios do Partido Democrata no Edifício Watergate, a dona do jornal, Katharina Graham, ficou intrigada com o desdém com que outros jornalistas tratavam do assunto. Perguntou ao editor-chefe Ben Bradlee:

“Se esta história é tão boa, cadê o resto da imprensa?”.

O arrombamento – ocorrido no dia dezesseis de junho de 1972 - parecia um caso policial sem importância. Mas a persistência dos repórteres do Washington Post expôs um escândalo: os arrombadores estavam, na verdade, fazendo espionagem política, a serviço de assessores do presidente Richard Nixon. A Casa Branca estava envolvida no jogo sujo.

O escândalo revelado pelos repórteres terminou obrigando o presidente a renunciar. Mas ali, no início de tudo, ninguém seria capaz de imaginar a dimensão que o escândalo alcançaria. O que havia eram apenas indícios, pistas, fumaça. O fogo apareceria adiante.

“Cadê o resto da imprensa ?”

Não se sabe. Mas, aos vinte e oito anos de idade, Carl Bernstein estava no território que é o habitat natural de todo repórter: a rua. Sob a bênção de Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, padroeira dos repórteres puro-sangue, buscava pistas que esclarecessem o arrombamento do Edifício Watergate, sede do Partido Democrata - que fazia oposição ao presidente Richard Nixon, eleito pelo Partido Republicano.

O fio da meada não demorou a ser descoberto: um dos arrombadores do Edifício Watergate trazia, no bolso, um pedaço de papel com a anotação “W. House”. Parecia ser a abreviação de White House, Casa Branca. E um nome: Howard Hunt.

Bob Woodward arriscou: deu um telefonema para a Casa Branca, para checar se por acaso existiria algum sr. Hunt entre os servidores. A telefonista disse que sim. Iria transferir a ligação. Ninguém atendeu no ramal. A ligação voltou para a telefonista – que informou a “Talvez o sr. Hunt esteja no escritório do sr. Colson”.

Tratava-se de Charles Colson, um dos principais assessores do presidente.

Washington Post 1 x Nixon 0.

A descoberta provocaria uma “nova descarga de adrenalina” na equipe do Washington Post– diria, tempos depois, o editor-chefe Bem Bradlee, ao descrever a cena.

Quando finalmente conseguiu falar com Hunt, o repórter foi direto ao assunto: “Como é que o nome do senhor foi parar numa anotação encontrada com os arrombadores do Edifício Watergate ?”.

O assessor de Nixon fez silêncio, antes de suspirar, desolado:

“Meu bom Deus.....”

Washington Post 2 x Nixon 0.


Carl Bernstein juntou as duas pontas do fio que provocaria um curto-circuito fatal no governo Nixon

O caminho estava aberto para que o jornal estabelecesse uma ligação indesmentível entre o governo do presidente Nixon e os arrombadores que tentavam instalar equipamentos de escuta na sede do Partido Democrata, no Edifício Watergate.

Carl Bernstein juntou as duas pontas do fio que provocaria um curto-circuito fatal no governo Nixon: com ajuda de um investigador que estava trabalhando no caso por conta própria, descobriu que as notas de dólar – novas em folha - encontradas com os arrombadores tinham saído de um banco em Miami.

Próximo passo: descobrir se algum dos arrombadores tinha conta na agência. Tinha. Bernard Barker, um dos homens presos na sede do partido, tinha aberto não apenas uma, mas duas contas.

Cartada final: quem tinha abastecido esta conta ? Descobriu-se um cheque de vinte e cinco mil dólares, emitido por um certo Kenneth H. Dahlberg. Depois de uma nova e frenética busca nos catálogos telefônicos, os repórteres conseguem encontrar mister Dahlberg – que informa: como simpatizante de Richard Nixon, tinha recolhido doações em dinheiro para a campanha de reeleição do presidente. As doações foram transformadas em cheque, devidamente encaminhado ao chefe do Comitê de Reeleição do Presidente. Dali, o dinheiro foi parar nas mãos dos homens que tentavam espionar a sede do Partido Democrata.

Washington Post 3 x Nixon 0. Placar final.

“Bingo!”, escreveria Bradlee.

O cerco tinha se fechado. A partir daí, em meio a uma crise política que se arrastou por dois anos, o Escândalo de Watergate engoliu o governo Nixon. Gravações de diálogos entre Nixon e assessores provaram que o presidente tinha conhecimento das operações de espionagem e sabotagem de adversários políticos. A Suprema Corte obrigou o presidente a divulgar as gravações.
O Senado abriu uma investigação que, fatalmente, levaria ao impeachment do presidente. Nixon convocou uma rede nacional de rádio e televisão para as nove horas da noite de de oito de agosto de 1974 para entregar os pontos: anunciou que, ao meio-dia do dia nove, entregaria o cargo ao vice-presidente Gerald Ford.


A dupla Woodward-Bernstein ganhou fama, dinheiro e reconhecimento. Em dois livros de sucesso internacional – “Todos os Homens do Presidente” e “Os Últimos Dias” - os dois descreveram a saga iniciada com a cobertura de um arrombamento que parecia banal.

Dirigido por Alan Pakula, o filme baseado no livro “Todos os Homens do Presidente” virou um clássico do cinema político. Os atores foram escolhidos a dedo entre o primeiro time de Hollywood: Dustin Hoffman encarnou Carl Bernstein nas telas. Robert Redford fez o papel de Bob Woodward.


O anônimo repórter que, até então, se ocupava da cobertura de assuntos locais, como arrombamentos sem grande importância, viu-se transformado em modelo de um dos maiores atores do cinema: Dustin Hoffmann passou a freqüentar a redação do Washington Post para observar os maneirismos de Bernstein.


O autor de um perfil biográfico de Bernstein notou que, em apenas dois anos, a vida do repórter sofreu uma transformação inimaginável. O anônimo repórter que, até então, se ocupava da cobertura de assuntos locais, como arrombamentos sem grande importância, viu-se transformado em modelo de um dos maiores atores do cinema: Dustin Hoffmann passou a freqüentar a redação do Washington Post para observar os maneirismos de Bernstein.

A dupla virou espelho de uma geração inteira de jornalistas. O chefe dos dois, Ben Bradlee, diz que, nos anos seguintes ao Escândalo de Watergate, se divertia com a voracidade demonstrada por jovens repórteres na redação do jornal. Inspirados pelo rigor que a dupla Woodward-Bernstein demonstrava na apuração de informações, os aprendizes voltavam da cobertura de um incêndio banal, num subúrbio remoto, dizendo coisas como “descobri que o chefe dos bombeiros era anti-semita!”.

Bradlee diz que a mitologia criada em torno dos dois repórteres teve um efeito positivo: atraiu para o jornalismo “jovens, brilhantes e talentosos homens e mulheres que poderiam ter se encaminhado para outras profissões”.

Ao contrário de Woodward – que, na vida pessoal, fez a opção pela discrição - Bernstein enfrentou turbulências pós-fama: teve problemas com álcool, torrou o dinheiro que ganhou com os livros e o filme sobre o escândalo, freqüentou as páginas dos tablóides como personagem de fofocas.

Três décadas depois de Watergate, no entanto, os dois exibem um fôlego admirável: não deixaram de ser repórteres. Permanecem produzindo.
Bob Woodward pediu e, surpreso, recebeu autorização para freqüentar os bastidores da Casa Branca porque queria documentar o que levou o governo Bush a intervir militarmente no Iraque, em nome do combate ao terrorismo. Resultado: o livro “Plano de Ataque”.

Bernstein lançou, nos anos noventa, uma alentada biografia do Papa João Paulo II, em parceria com um jornalista italiano. Em seguida, embarcou numa empreitada ambiciosa: a biografia da ex-primeira dama Hillary Clinton, lançada em 2007.

A grande lição que o repórter Bernstein dá pode ser resumida em poucas linhas: quando vai apurar uma reportagem, o repórter não deve cair, jamais, na tentação de fazer pré-julgamentos sobre fatos e personagens. Bernstein é claro e direto: os jornalistas devem reaprender a ouvir. É uma obsessão que ele cultiva. Diz que só obteve sucesso na investigação sobre o Escândalo de Watergate porque ouvia,ouvia e ouvia ( daqui a pouco, na entrevista, ele falará sobre esta virtude que todo repórter deve cultivar incondicionalmente). Ao contrário do que tantos jornalistas fazem, não se comportava como se fosse um político: não simpatizava, claro, com as tramóias armadas por integrantes do Partido Republicano nos bastidores do governo Nixon, mas tratou de cultivar fontes de informação importantíssimas entre os republicanos. É assim que se faz jornalismo. Bernstein é inimigo do jornalismo engajado.

Bernstein e Woodward poderiam cair na tentação de articular teses grandiosas sobre a renúncia de Nixon. Mas, não. Em “Os Últimas Dias”, eles apegam-se aos fatos: informam, por exemplo, que o presidente dormiu apenas três horas no dia em que anunciaria ao mundo que iria renunciar ao cargo


O papel do repórter, diz, é e sempre será o de apurar os fatos com rigor para apresentar ao público “a melhor versão possível da verdade”. Numa apuração, todo detalhe é importante. Bernstein e Woodward poderiam cair na tentação de articular teses grandiosas sobre a renúncia de Nixon. Mas, não. Em “Os Últimas Dias”, eles apegam-se aos fatos: informam, por exemplo, que o presidente dormiu apenas três horas no dia em que anunciaria ao mundo que iria renunciar ao cargo. Ocupado na preparação do discurso que faria em rede nacional de rádio e TV, o presidente disparou um último telefonema para um assessor às 5 e 14 da manhã. Três horas depois, Richard Nixon estava de pé. O café da manhã, informam os repórteres, foi à base de cereal, leite e um suco de laranja. Milton Pitts, o barbeiro que há anos atendia a Nixon, recebeu às dez da manhã um telefonema da Casa Branca: o presidente queria que ele estivesse lá às dez e quinze. Pitts chegou na hora. Ficou sozinho com o presidente durante o tempo em que durou o corte de cabelo: vinte e dois minutos.
Terminada a sessão, Nixon estava pronto para o mais longo dos dias: pela primeira vez na história, um presidente americano renunciaria ao cargo. Os últimos dias de Nixon na Casa Branca foram registrados minuciosamente por Bernstein e Woodward nas 470 páginas de “The Final Days”. Os dois produziram o que o jornalismo faz: o primeiro rascunho da História.

Agora, ei-lo, numa passagem rápida por São Paulo e pelo Rio de Janeiro. Resolvo embarcar numa Maratona Bernstein, com um gravador, um bloco de anotações e uma câmera. Missão: importunar o repórter do Caso Watergate. A Maratona se dividiu em três frentes. Primeira: uma entrevista exclusiva com Bernstein – que desembarcara em São Paulo para fazer uma conferência na Câmara Americana do Comércio. Segunda: um encontro no Rio de Janeiro, a convite do próprio Bernstein, numa noite que reservaria pelo menos uma cena surpreendente. “O repórter que derrubou um presidente” empunhou uma guitarra para tocar clássicos do rock. Terceira: uma garimpagem de tudo o que ele disse na rápida expedição brasileira.

PRIMEIRA CENA: FRENTE A FRENTE COM A FERA

Uma velha pergunta: qual seria o primeiro conselho que você daria a um jovem repórter ?

“Seja um bom ouvinte! Penso que jornalistas se tornaram maus ouvintes. Com frequência, vão fazer uma reportagem a partir de noções pré-concebidas sobre o assunto, especialmente quando trabalham com câmeras. Fazem perguntas apressadas e vão embora.

Minha experiência me ensinou que o que eu pensava que a reportagem seria - tanto no caso de Watergate quanto no de Hillary Clinton, por exemplo - era muito diferente do que acabou acontecendo. Porque eu ouço as pessoas. Eu as respeito, sejam elas quem forem. A maioria de nossas fontes no caso Watergate era gente do Partido Republicano que trabalhava ao lado de Richard Nixon ! E eu os respeitava.

Penso que hoje há cada vez menos algo assim. Quando você se senta para ouvir um entrevistado, precisa dar a ele tempo para se explicar. Você termina aprendendo coisas incríveis! Quase sempre, é algo diferente daquilo que a gente esperava quando chega com a lista de perguntas.

Se você tivesse a chance de fazer uma última pergunta a Richard Nixon, que pergunta seria esta ?

" Perguntaria: por quê ? Para quê ?"
( Bernstein fica em silêncio, como se estivesse acalentando até hoje uma dúvida irrespondida: como é que um presidente que batia records de popularidade precisava espionar o partido adversário, num ano eleitoral ?).

Por que é você não vai agora para o Afeganistão, à procura de Bin Laden ? Qual a primeira pergunta que você faria a ele ?

"Não tenho idéia. Perguntaria: como é que você justifica a natureza bárbara dos seus atos contra gente inocente ? Penso que ele é um monstro".

Você disse que "torrou" os três milhões de dólares que ganhou com os livros e o filme sobre o Escândalo de Watergate. Você diria que não soube lidar com a fama, naquele período ?

"Eu não era particularmente bom neste aspecto, no início de tudo. Precisa-se de tempo para lidar com este dinheiro....Mas gostei. Não tenho muitos lamentos a fazer sobre como o dinheiro foi gasto : com casas ou seja o que for....

O importante é : precisa-se de um tempo para se acostumar com a atenção que é dispensada a você e não ficar convencido. Hoje, espero que tenha adquirido alguma lucidez para não levar as coisas tão a sério e não exagerar...

A resposta é : o melhor é continuar a trabalhar.Continue escrevendo livros. Continue fazendo coisas para a TV. Continue escrevendo seus artigos. Não seja imodesto"

Como é que o senhor define a intervenção americana no Iraque ?

"É uma catástrofe, um desastre. É o resultado de um tipo de inabilidade e desonestidade por parte de George Bush. Os subterfúgios e informações que ele sabia que não eram exatos foram usados para convencer o Congresso e o povo dos Estados Unidos de que deveríamos entrar numa guerra que, na verdade, era mal-conduzida e ideológica.

É uma guerra que não nos protege contra o terrorismo, ao contrário do que aconteceu com a decisão - acertada - de lançar um ataque contra forças baseadas no Afeganistão.

Eu estive no Iraque. Visitei o país meses antes da primeira Guerra do Golfo. Não era um estado terrorista. Era um estado totalitário, um estado estalinista, um estado laico. Parte da dificuldade vem do fato de que George Bush tem demonstrado não apenas incompetência,mas falta de sinceridade e de honestidade. O Iraque tem sido uma catástrofe para nosso país e para as centenas de milhares de americanos e de iraquianos que têm sido mortos. O pior é que ele tem intensificado o terrorismo.

Além de tudo, Bush tem, no âmbito interno, enfraquecido princípios constitucionais e legais. A presidência de George Bush vai ser vista como, talvez, a mais desastrosa da moderna história americana. Precisaremos de décadas para nos recuperar de seus excessos e do que ele tem feito".


Com outras palavras, você tem chamado Bush de "mentiroso". Bush mente melhor ou pior do que Richard Nixon ?


"Não estou certo de ter usado a palavra mentiroso. Mas há uma história de inabilidades, inverdades e manipulação cometidas por George Bush, não apenas sobre a guerra, mas até sobre coisas tão básicas quanto um furacão.

O que aconteceu? Um furacão iria atingir Nova Orleans. Bush foi avisado por funcionários da área meteorológica diante das câmeras. Disseram que os níveis de segurança poderiam ser ultrapassados. Durante meses e meses, Bush dizia que não sabia que os níveis poderiam ser ultrapassados pela tempestade.


Bush é sui-generis, comparado com a história da presidência. Porque ele tem um desprezo pelos fatos e pela verdade que é diferente do de Nixon - que tinha uma grande capacidade intelectual, independentemente do que se poderia pensar sobre suas políticas ou sobre o tipo psicológico que ele tinha. Já George Bush trouxe para a presidência uma falta de habilidade, uma faltas de sutileza, uma falta de curiosidade e de preocupação com os fatos e com a vida real.

Bush tem uma visão fantasiosa sobre o que é o mundo. E também sobre o papel dos Estados Unidos. Ainda que sejamos uma superportência, o exercício de poderes numa condição dessas é um mecanismo delicado.

Não há sutileza ou delicadeza que Bush seja capaz de praticar"


Você compraria um carro usado de George Bush ?

"Sim. Porque ele entende de carros"

Repórteres gostam de expor a vida privada dos outros. O que é que você sentiu quando a imprensa publicou que você teve um caso com Elizabeth Taylor ?

"É verdade...." ( ri)

Isso é uma pergunta ou uma resposta ?

"Não chegou a ser um sacrifício ter conhecido Elizabeth Taylor - e também ver a notícia publicada. É um pequeno momento na vida.

Há um problema real quando jornalistas se intrometem na vida dos seus personagens: quando apuram informações que, na verdade, são irrelevantes para entender um assunto estão cometendo um excesso. Isso aconteceu comigo uma vez ? Aconteceu. Mas não vou ficar reclamando....

Só espero que eu consiga ver a vida inteira da maneira como vi - por exemplo - a vida de Hilary Clinton: tento ver quem ela é , quais são os valores que ela cultiva, assim como fiz com Bill Clinton - que também é personagem da biografia.

Olho para os fatos e tento mostrar o contexto e o peso de cada um, em seus vários aspectos. É tudo o que eu poderia pedir a quem fosse escrever sobre mim. Livros foram publicados sobre mim e Bob Woodward. Mas estamos esperando um que seja realmente bom.

Não aconteceu ainda. Gostaríamos que o livro "Todos os Homens do Presidente" fosse o texto básico. Mas a vida segue. Um dia alguém vai fazer a coisa certa. Certamente não será da maneira que nós pensamos que deveria ser. Mas penso que acontecerá. Não estamos numa posição de reclamar da maneira com que os jornalistas nos olham"....

Uma dúvida - e desculpe perguntar: Elizabeth Taylor não era velha demais para você ?

" Isso aconteceu há muito tempo. Aconteceu em minha juventude. E na juventude relativa de Elizabeth Taylor. É uma pessoa maravilhosa. É uma dessas experiências de vida que você fica satisfeito em ter"
Ter sido preso por estar dirigindo alcoolizado foi a coisa mais embaraçosa que você já fez em público?

"Não sei. Certamente, não foi. Fiquei feliz por ter sido apanhado, porque vi que era tempo de parar de beber. Faz vinte e dois anos que não tomo um drinque. Parei. Hoje, bebo Coca-Cola"

Qual foi a informação mais embaraçosa que você descobriu sobre a família Clinton ? É verdade que o presidente eleito Bill Clinton recebeu a visita íntima de uma ex-amante no dia em que ele estava seguindo para Washington para assumir a presidência ?

"Não estou preocupado com embaraços. Não estou interessado em algo assim. O objetivo de escrever um livro não é causar embaraço. É tentar entender o que a personagem do meu livro é. E como ela tem vivido a vida. Uma das coisas que tive grande cuidado em fazer foi não escrever um balanço sensacionalista da vida sexual de Bill Clinton. Não me preocupo tanto com algo assim.

O que me parece importante é o seguinte: desde jovem, Bill Clinton era visto - por muitos - como o maior talento político de uma geração. Hilary Clinton reconhecia este fato. Mas ela também sabia que o que ela chamava de "compulsão sexual" de Bill Clinton poderia fazer com que ele deixasse de ser politicamente viável. Hilary Clinton começou, então,a encobrir os efeitos dessas compulsões e a lidar com as consequências.

Isso se tornou uma grande preocupação para ela: que ele pudesse se tornar politicamente viável. Isso é que é importante. Mas saber se alguém o visitou um dia antes ou se ele viu alguém não é algo que realmente me interesse. Não é a questão"

( Em “A Woman in Charge”, Bernstein passa em revista os anos de formação da ex-primeira dama: "Hillary chegou à maioridade numa época nos Estados Unidos em que a sexualidade das mulheres, especialmente das jovens mulheres, estava passando por uma mudança profunda, em grande medida por causa da disponibilidade fácil da "pílula".
Desde o começo do romance com Hillary, Geoff Shields tinha consciência tanto do desejo dela por experiências sexuais "responsáveis" como da extraordinária seriedade de propósito, disciplina e foco. Que ela era "pessalmente muito conservadora" ficou óbvio desde o início da relação, que floresceu no auge da permissividade do fim dos anos 60 (...) Shields nunca ficou sabendo se ela fumou maconha (embora o cheiro de baseado pairasse nos halls de entrada do dormitório. Nunca a viu se exceder na bebida - e ela não era promíscua. Ainda assim, ela com certeza não era uma daquelas mulheres de Wellesley que eram consideradas "caxias" Gostava de festas e de dançar ao som de Elvis, Beatles e Supremes”)


Depois de entrevistar duzentas pessoas, trabalhar dezoito horas por dia por um ano e escrever seiscentas e quarenta páginas, o senhor pode definir Hilary Clinton em apenas uma frase ?

"Não. E é por esta razão que se escreve um livro - e se gasta tanta tempo. O que posso dizer é que ela é a mulher mais famosa do mundo e, provavelmente, a menos conhecida, em termos do que a realidade da vida tem sido para ela.

É por este motivo que passei sete anos trabalhando no assunto. O resultado foram seiscentas e quarenta páginas. É um lugar-comum dizer que alguém é complicado. Mas Hilary Clinton é - de verdade"


Por que Hilary Clinton se recusou a dar entrevista você ? Isso é um caso de falta de confiança no repórter ?

" Não. Acontece que ela gosta de controlar a maneira como é vista. Disse-me que poderia se sentar para falar comigo. Mas, quando decidiu concorrer à presidência, desistiu da entrevista. É alguém que vive sempre tentando talhar a própria imagem. Não gosta da imprensa. Temos amigos em comum.

Hilary disse aos amigos: "Se vocês quiserem falar com Carl, falem. Depende de vocês". Mas ela não chega a ser fanática por investigações independentes......

O desapreço de Hilary pela imprensa é um dos temas da biografia. É - de certa maneira - um subtexto. Em alguns casos, o desapreço é justificado. Em outros, é um caso de arrogância. Hilary Clinton conhece o meu trabalho. Nós nos conhecemos.

Se ela tivesse se sentado para falar comigo, o conteúdo básico da biografia não seria afetado, mas ela teria uma chance de dizer: "Carl, você deve ouvir fulano ou sicrano.Você perdeu este ponto. Você não entendeu bem o que aconteceu aqui. Deve encarar de outra maneira...." . Hilary poderia ter esta oportunidade.

Isso a ajudaria a complementar o retrato que eu estava traçando - de uma tal maneira que ela poderia ficar mais satisfeita com o resultado. Mas, ao mesmo tempo, os assessores de Clinton entendem. As resenhas sobre a biografia foram ótimas. Porque a biografia humaniza Hilary.

Penso que este lado humano é algo com o qual ela tem tido muitos problemas, especialmente porque os balanços que Hilary Clinton fez da própria vida - em textos e falas - deixam de fora boa parte da história".


( Bernstein escreveria na biografia: "Em seus primeiros meses de Casa Branca, tanto Bill como Hillary foram alimentados à força com uma verdade impalatável: ao contrário de suas expectativas, não dava para comandar a capital tão facilmente como eles tinham dominado a política de um pequeno estado do sul. Bill amadureceu politicamente durante seus oito anos como presidente. Mas, no caráter, ele permaneceu basicamente o mesmo: ambicioso, narcisista, charmoso, brilhante, esperto, indisciplinado, incrivelmente capaz - e, com freqüência, uma decepção pessoalmente”)


O Washington Post escreveu que a eterna fascinação provocada pelo trabalho que você fez durante o escândalo de Watergate é como se fosse uma medalha que você jamais poderá tirar do peito; uma honra da qual você jamais poderá fugir. Você se incomoda em ser citado pelo resto da vida como um dos repórteres que, no fim das contas, acabaram com a carreira de um presidente americano ?

" As coisas são assim. É como um jogador de beisebol que será lembrado por uma jogada. Não é algo que me preocupe. Eu e Bob nos sentimos muito bem com o trabalho que fizemos na época e as oportunidades que tivemos desde então. Nós dois tivemos vidas plenas e maravilhosas, além de oportunidades que nos foram oferecidas. Posso estar aqui, por exemplo, para falar com gente maravilhosa, ver o mundo de uma maneira diferente da de outros jornalistas, talvez. Tivemos sorte. Aprecio realmente o lado sortudo de tudo. É bom"


Você e Bob Woodward venderam para a Universidade do Texas todas as anotações e documentos que vocês reuniram durante o escândalo de Watergate. Qual foi o preço ?


"Cinco milhões de dólares. Não sei como responder a esta pergunta, a não ser dizendo que nós queríamos ter a certeza de que todas as anotações e os registros do que fizemos ficassem protegidos e abertos a pesquisadores - se bem que há fontes que foram mantidas em sigilo. Era óbvio que o material tinha um valor histórico . Quando você vende um trabalho, como um livro, por exemplo, há um valor monetário envolvido. Tiramos partido desse fato. Mas obedecemos, espero, todos as questões éticas envolvidas"

É este o preço da história ?

"Se ninguém tivesse oferecido dinheiro por estes papéis, nós os teríamos doado, de qualquer maneira. O importante era que eles ficassem disponíveis para a História. Há um mercado para itens de interesse histórico. Nós participamos desse mercado, assim como participaríamos com um livro ou algo que tivesse um aspecto comercial. Descobrimos que havia um mercado para documentos assim. Mas, ainda que não existisse, nossa intenção era,sempre,a de que os documentos ficassem protegidos e disponíveis"


Que tipo de pergunta inconveniente faria você encerrar esta entrevista agora ?

"Algo que eu achasse que tivesse a intenção de atingir meus filhos"



Um de seus filhos toca guitarra numa banda punk. Alguma vez ele vez alguma pergunta a você sobre Richard Nixon ?

"Em primeiro lugar, todos devem ir ao site My Space ponto com e procurar pela banda do meu filho, Max Bernstein. A banda é The Actual. É produzido por Scott Weiland - do grupo Velvet Revolver. É um grande músico. Fico orgulhoso , porque é meu filho. Também tenho orgulho do meu filho jornalista. Todos dois me perguntaram muitas vezes sobre Richard Nixon e sobre Watergate. Os dois têm uma saudável irreverência para levar a sério demais o trabalho dos pais"


Você é um ídolo - e um herói - para muitos repórteres. Quem é o herói de Carl Bernstein ?

"Quando eu tinha dezesseis anos de idade, fui trabalhar um belo e velho jornal que jjá nem existe, o Washington Star, como mensageiro. Havia um grande editor de assuntos locais, chamado Sid Epstein, que morreu há poucos anos. Falei no funeral. Sid me ensinou muito do que sei . Era um repórter e editor da velha guarda. Se eu pudesse citar o nome de uma pessoa, seria ele. (Sid Epstein trabalhou durante décadas no Washington Star - um jornal vespertino que circulou durante cento e trinta anos na capital americana, até fechar as portas, em 1981, em meio a uma crise financeira)
.
O outro seria I.F. Stone, que era um grande jornalista de esquerda. Era mantido fora da grande imprensa, mas vivia fuçando e persistindo. Sem ter grande acesso a fontes dos governos, ele usava fontes públicas de informação para obter a melhor versão possível da verdade. ( Jornalista independente americano, I.F. Stone (1907-1989) publicava por conta própria uma jornal que chegou a ter uma circulação de setenta mil exemplares nos anos sessenta. Fazia oposição à guerra do Vietnam. Conseguiu vários furos de reportagem)


H.L Mencken também"

Mencken escreveu uma vez um artigo contra os zoológicos! É o único jornalista do mundo que escreveu um artigo contra os zoológicos.

........"Era um cínico profissional! Eu não faria coisas como as que ele fez, mas adoro lê-lo . (H.L.Mencken ( 1880- 1956), jornalista considerado iconoclasta, era conhecido por seus textos irônicos e pelas críticas ácidas que dirigia contra todo tipo de alvo. Chegou a escrever artigos contra os jardins zoológicos)
Há grandes jornalistas na geração anterior à minha, como David Halberstam, que teve um livro publicado nos Estados Unidos agora sobre a Guerra da Coréia (Premiado jornalista americano, autor de livros-reportagem sobre os barões da imprensa e sobre a Guerra do Vietnam, morreu em 2007, aos 73 anos, num acidente de carro, a caminho de uma entrevista. Deixou um livro inédito sobre a Guerra da Coréia, lançado postumamente).

E Gay Talese (Considerado um dos criadores do chamado Novo Jornalismo americano, marcado pelo uso de recursos literários em textos jornalísticos. Uma de suas reportagens mais conhecidas é um perfil do cantor Frank Sinatra)
São jornalistas notáveis que também tinham ótimos textos. Não nos preocupamos tanto hoje - como deveríamos - com o texto. A maioria dos grandes jornalistas tinha excelentes textos.

SEGUNDA CENA: ANOTAÇÕES LIGEIRAS SOBRE OS BASTIDORES DE UMA COBERTURA: NUMA MADRUGADA NA URCA, O SUPER-REPÓRTER EMPUNHA UMA GUITARRA

Uma cena inesperada na noite do Rio de Janeiro: o repórter que derrubou o presidente dos Estados Unidos empunha uma guitarra de madrugada na Urca para tocar rock-and-roll.

Aconteceu diante de uma reduzidíssima platéia. Quando o concerto improvisado do repórter mais famoso do mundo acabou, o público era formado por exatamente seis espectadores, sentados diante da fera. Testemunhei a cena.

Ao final de uma recepção oferecida a ele por Ana Maria Tornaghi num casarão na Urca, Carl Bernstein - de passagem pelo Rio depois de fazer uma conferência em São Paulo na Câmara Americana de Comércio - surpreendeu a todos: pegou uma guitarra, cantou e tocou pérolas como "Sweet Little Sixteen", "Love is Strange" ( música gravada por Paul McCartney no começo dos anos setenta), a bela "Goodnight, Irene" ( folclore americano, regravada "n" vezes por feras como Little Richard) , “Bye,Bye Love" ( aquela que diz "Bye bye, happiness /Hello, loneliness /I think I´m gonna cry") e "Blue Sued Shoes" e “La Bamba”.
Bernstein já foi crítico de rock. Tinha vinte anos em 1964. Ou seja: é um legítimo representante da geração que dançou ao som de Elvis Presley. A bem da verdade, diga-se que, como cantor, Bernstein é um excelente repórter. Como instrumentista, dá para o gasto. Se tivesse tentado a carreira nos palcos, estaria hoje tocando num boate do Alabama. A família é chegada a música: um dos dois filhos de Bernstein, como se sabe, é músico numa banda "punk-rock" chamada The Actual. O outro seguiu a carreira do pai.
Quando acabou de tocar, o super-repórter disse-me: "Hey, você tem uma matéria!".

Eu já estava ligeiramente constrangido: em São Paulo, tinha seguido os passos de Bernstein durante a conferência na Câmara Americana de Comércio. Acompanhei a entrevista coletiva. Gravei uma longa exclusiva. Tirei fotos. Pedi autógrafo num livro ( não é coisa que entrevistador faça normalmente com entrevistado. Mas, desculpe, Bernstein é meu ídolo profissional há séculos). Aqui no Rio, o assédio se repetia. Não seria hora de parar a "caçada" ? Minha porção chacal me soprou: não!

Satisfeito com o jogo de perguntas-e-respostas de nossa entrevista em São Paulo , o generoso Bernstein me fez, diante da câmera, o maior elogio que ouvi na minha vida profissional ( “é uma das melhores entrevistas que já dei para televisão”). Pensei comigo : ok, stranger, agora já posso ir morar num rancho em Santa Maria da Boa Vista.

Em seguida, pediu meus contatos: telefone, e-mail, celular. Perguntou se eu estaria no Rio nos próximos dias. Eu disse que sim. Pensei que o gesto de Bernstein fosse apenas uma daquelas cortesias que caem no esquecimento cinco minutos depois.

Sorte minha: não foi.

Três dias depois, quando abro o computador, o que é que pisca na tela ? Um e-mail de Carl Bernstein me convidando para um jantar. Dei uma saída. Quando chego em casa, nova surpresa: um recado na secretária eletrônica. Bernstein em pessoa. Por fim, quando pego o celular,outro recado do homem. Dois recados nos telefones, dois e-mails ( ele mandaria outro). O convite já não era um convite: era uma convocação.

Fui. Ganhei outro autógrafo, em que ele chama nossa entrevista de "terrific". Brincalhão, faz uma ressalva : diz que tinha adorado a gravação da entrevista, mas quer ver como é que ela seria editada. Tranquilizo-o : pretendo usar a entrevista na íntegra, sem cortes, porque em TVs a cabo, como a Globonews, os entrevistados podem falar. Ficou de me passar um endereço, porque queria receber uma cópia da fita, em casa, em Nova York. Prometo, claro, despachar uma cópia em DVD. Juro por Nossa Senhora do Perpétuo Espanto que mandarei.

Próximo assunto: falamos sobre a última empreitada jornalística de Bernstein: a biografia de Hilary Clinton. Bernstein informa que a biografia já sai com uma primeira fornada de 250 mil exemplares.
O espírito de repórter de Bernstein se manifesta a toda hora: em meio à recepção, ele sai perguntando aos convidados quem é que gosta e quem é que não gosta da Catedral Metropolitana do Rio. Tinha visitado a Catedral. Ficou impressionado com a quantidade de gente que fala mal do prédio. "Você gosta da Catedral? Você gosta da Catedral", é o que repete. Depois, a cada vez que é apresentado a alguém, repete em voz alta o nome do convidado.

A uma jornalista em início de carreira, Clara Passi , que aproveitou a chance para perguntar qual seria o primeiro conselho que ele daria a um iniciante, Bernstein respondeu: "O repórter precisa saber ouvir!".

A mulher de Bernstein, uma loura altíssima, que dançou enquanto o marido tirava acordes da guitarra, disse que ele tem mania de fazer perguntas. Pudera. "Quando volto do supermercado, ele fica me perguntando o que é que comprei e onde fica a loja", ela diz.
(Eu já tinha experimentado a fúria perguntadora de Bernstein. Terminada a gravação de nossa entrevista, ele fez um bombardeio de perguntas: “Quando vai para o ar? Como se escreve o seu nome ? É português ? Quando você vai voltar ? Onde é que você mora ? Como estará o tempo amanhã no Rio ?”).

Perguntar, perguntar, perguntar. Bernstein nunca quis fazer outra coisa na vida. Pouco importa que a situação seja banal, como esta.

As perguntas que ele fez obsessivamente terminaram obrigando um presidente dos Estados Unidos a renunciar ao cargo.


TERCEIRA CENA: O JORNALISTA QUE É ÍDOLO DOS JORNALISTAS COMBATE MITOS. DEZ OPINIÕES DE CARL BERNSTEIN

As palavras que o super-repórter pronunciou na passagem-relâmpago pelo Brasil servem de lição valiosíssima para jornalistas que, equivocadamente, defendem um jornalismo “engajado”.


Carl Bernstein virou sinônimo de jornalismo investigativo. Mas, surpresa, ele é o primeiro a se insurgir quando alguém se refere ao “jornalismo investigativo” como se fosse o Cálice Sagrado.
Gravando!

1

"Não acredito que o jornalismo investigativo seja diferente do resto do jornalismo. Todo bom jornalismo é o mesmo. Seja no esporte, na economia ou em qualquer área, fazer bom jornalismo é apresentar a melhor versão que se pode obter da verdade. Jornalismo é persistência, é ser um bom ouvinte, é respeitar quem você aborda, é ter tempo. O mito do repórter investigativo - que eu o Bob Woodward contribuímos involutariamente para criar - não é necessariamente uma boa coisa"
.
2
"A história não se repete. Cada situação existe num contexto próprio. É errado ter uma visão nostálgica do Escândalo de Watergate ou do caso da divulgação dos Papéis do Pentágono. O melhor é tirar as lições que pudermos desses acontecimentos - e olhar para o nosso tempo"
. 3
"Não acredito que o tempo de Watergate tenha sido necessariamente um tempo de alguma grandeza jornalística. A idéia de olhar para aquele tempo como uma época de ouro - que de fato nunca existiu – é, portanto, um grande engano"....
.

4
"Não acredito que o papel da imprensa seja dizer às pessoas no que é que elas devem acreditar. Não acredito! O papel da imprensa é divulgar a melhor versão possível da verdade. Cabe a cada cidadão reagir. Em qualquer democracia, o cidadão pode - ou não - reagir da maneira que você espera. Mas o papel de um repórter não é o de se levantar e dizer: "É nisso que vocês devem acreditar".
.
5
"A imprensa dá a informação. Se o cidadão resolver votar em George Bush e reelegê-lo, como aconteceu, eu, pessoalmente, posso até não gostar, mas é assim que os cidadãos agiram! O que a imprensa não deve fazer é forçar o público a se comportar de uma determinada maneira".

"É sempre muito fácil jogar na imprensa a culpa pela reação lenta e - algumas vezes - pela indesejável resposta política de um país ou um povo"...
.
6
"Acontece o tempo todo. Sou parado na rua por gente que me pergunta: por que é a imprensa não informa sobre George Bush ? Olho para eles e digo: Vocês estão loucos? Como é que vocês acham que todos soubemos sobre as coisas terríveis que este presidente tem feito? Pela imprensa! Onde é que a gente soube tanto sobre do aquecimento global? Pela imprensa!".
.
7
"A imprensa frequentemente faz trapalhadas. Não somos diferentes de outras instituições - que refletem a cultura em que vivemos. Somos feito médicos, por exemplo. Você vai a um médico. Em dez por cento dos casos, você precisa sair do consultório para ficar melhor. Um pode lhe salvar . Trinta por cento dos médicos farão com que você possa se sentir melhor. Vinte por cento farão você se sentir um pouco pior. Outros vinte por cento farão com que você fique muito pior. E dez por cento vão matar você. Não acho que nós, jornalistas, sejamos diferentes. Somos diferentes num ponto: quando outras instituições falham, a imprensa precisa estar lá.Mas a imprensa não pode ter um tratamento especial. É tão capaz de cometer erros ou de praticar corrupção quanto qualquer outra instituição. Talvez um pouco menos capaz”.
.
8
“A imprensa chegou atrasada no caso do Iraque porque não fomos suficientemente céticos no começo, no momento em que Bush decidiu ir para a guerra. Falhamos na hora de examinar aquela que foi, talvez, a mais desastrosa decisão tomada por qualquer presidência americana nos tempos modernos”.

9
“O presidente Nixon resistiu. Disse: “não,vocês não podem ter minhas gravações. Não me importo se vocês são o Congresso dos Estados Unidos. Não me importo se vocês são juízes. Não vou dar as minhas gravações” ( Bernstein refere-se às célebres fitas que registravam tudo o que era dito nas audiências do presidente com assessores, na Casa Branca. As fitas eram gravadas com o conhecimento do presidente, mas terminaram usadas contra ele) . E o que aconteceu? A Suprema Corte dos Estados Unidos – inclusive juízes que Nixon tinha nomeado e de quem esperava apoio – votou por nove a zero ao decidir que o presidente dos Estados Unidos estava sujeito a lei, tal como você e eu.

Nixon teve de dar as fitas. O que ocorreu,então? As fitas mostraram que o presidente dos Estados Unidos era culpado por ter conspirado, por ter desrespeitado a Constituição dos Estados Unidos e por ter atingido princípios democráticos. Houve uma investigação que resultaria no impeachment do presidente. O presidente disse : “Não saio. Vocês terão de me levar a julgamento!”.

Mas, antes até da votação do impeachment, senadores e deputados republicanos, integrantes do partido do próprio presidente, liderados por Barry Goldwater, um senador corajoso, um grande conservador, o homem que é de fato o moderno inventor do movimento conservador dos Estados Unidos, foram à Casa Branca para dizer a Nixon: “Não vamos apoiá-lo. Se o senhor não deixar o poder voluntariamente, vamos votar pela condenação. O senhor será o primeiro presidente a ser condenado e forçado a deixar o poder” .

Nixon desistiu. Neste caso, as instituições funcionaram, não porque o país inteiro desde o inicio estivesse pronto para entender o que tinha acontecido e o que o caso envolvia, mas porque cada elemento do sistema - a imprensa, a justiça, o Congresso - fez o que devia. Em alguns casos, fazer este trabalho exigia atos corajosos de indivíduos”
.
. 10
“Nós reportamos os fatos. O sistema funcionou. Mas, para o sistema funcionar, é preciso que a imprensa esteja empenhada em conseguir a melhor versão possível da verdade. É aí que reside a responsabilidade da imprensa!. Não é pegar corruptos , mas obter o que chamo sempre de a melhor versão possível da verdade. O que é ? É contextualizar. Não é apenas se ocupar de corrupção. É reportar sobre as condições de uma cultura. E pôr os fatos num contexto. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, é escrever sobre pobreza endêmica- que é uma parte da corrupção. O trabalho da imprensa não é derrubar governos. É procurar pela melhor versão possível da verdade dentro de uma determinada cultura - com toda a vibração, com toda a dificuldade, com toda a alegria e toda a miséria aí incluídas. Que seja esta a nossa agenda jornalística”.


*******


“Se esta história é tão boa, cadê o resto da imprensa?” . A pergunta da senhora Graham foi devidamente imortalizada na página 364 da excelente autobiografia de Ben Bradlee, “A Good Life”.

( Ao final da minha Maratona Bernstein,divago, solitário, com meus botões: quem já passou quinze minutos numa redação pode apostar, sem margem de erro, onde estava “o resto da imprensa”. É pule de dez: é muitíssimo provável que o “resto da imprensa” estivesse fazendo o que, incrivelmente, a esmagadora maioria dos jornalistas faz nas redações. Ou seja: dar de ombros para o que é notícia; inventar pretextos risíveis para não publicar uma reportagem; pontificar com patética auto-suficiência sobre todo e qualquer assunto. Paulo Francis dizia que o melhor jornal é aquele que não é publicado. Bingo!


É um fato cientificamente demonstrável: o maior, o mais nocivo, o mais intransigente, o mais pretensioso, o mais impermeável, o mais destrutivo, o mais indefensável inimigo do Jornalismo é....o jornalista! Não existe outro.

Diante de tal quadro, um leigo que entrasse por engano numa redação espicharia as sobrancelhas para cima e deixaria o queixo pender dois centímetros para baixo, para transmitir aos passantes um ar de espanto. Mas ninguém prestaria atenção ao espanto do leigo. Pelo seguinte: a desfaçatez de jornalistas que se julgam intérpretes iluminados da mente do público é algo que faz parte da natureza da profissão .


Um belo dia, o jornalista simplesmente se declara, diante do espelho, porta-voz dos interesses e da curiosidade desta abstração chamada "leitor" ou "telespectador". Bota a faixa imaginária no peito, passa um pente no cabelo, apruma o andar, sobe a rampa e lá vai ele assumir o mandato de presidente plenipotenciário da opinião pública.

Reinam nas redações leis que, aos olhos de um leigo, podem soar absurdas. Exemplo: o concorrente divulgou a notícia "x" ou fez uma reportagem sobre o assunto "y"? Divulgou. Então, a notícia ou a reportagem - que o jornal iria publicar ou a TV iria levar ao ar- vão para o lixo .

O JNJ ( Jornalista Nocivo ao Jornalismo) age como se o leitor e o telespectador fossem maníacos de hospício que lêem todos os jornais, vêem todas as emissoras de TV, ouvem todos os programas de rádio e acessam todos os sites. Parece que o tal leitor ou o tal espectador vão se dar ao trabalho de comparar, página a página, matéria a matéria, tudo o que o jornal, a revista ou a TV publicaram. Não vão. Nunca se deram ao trabalho. Jamais se darão. Querem apenas se informar. Mas JNJ comporta-se como se os leitores e telespectadores fossem maníacos.

Loucura.

Qual o resultado deste catálogo de insanidades? As reportagens precisam enfrentar uma corrida de obstáculos nas redações antes de chegarem às mãos e aos olhos de Sua Excelência, o Público! Parece exagero, mas é a mais cristalina verdade. Jornalista Nocivo ao Jornalismo, portanto, é o que faz jornal (ou revista ou TV ou rádio) para jornalista, não para o público. Passa a vida erguendo barricadas contra o que o jornalismo pode ter de vívido e interessante. É capaz de – entre outros inumeráveis absurdos - sonegar impunemente uma informação ao leitor ou ao espectador apenas porque um veículo concorrente tratou primeiro do assunto.

Jornalistas puro-sangue são os que acendem velas para Nossa Senhora do Perpétuo Espanto (a santa inventada por Kurt Vonnegut). Humildemente, pedem à santa padroeira que não lhes tire, jamais, a capacidade de encarar a vida como se estivessem vendo tudo pela primeira vez. Porque a capacidade de olhar para os fatos da vida como se estivessem vendo tudo pela primeira vez é o que distingue um jornalista puro-sangue de um jornalista burocrata, exterminador de reportagens. Nossa Senhora do Perpétuo Espanto deveria, portanto, reinar , soberana, em todas as redações. Porque o bom repórter jamais perderá a capacidade de exercitar um saudável espanto diante dos fatos e personagens. É desse saudabilíssimo espanto e desse saudabilíssimo interesse que nasce a matéria-prima do jornalismo: a reportagem.

Diante de um assunto interessante, um personagem atraente, um fato que merece ser contado, o Jornalista Nocivo ao Jornalismo saca a arma e imediatamente pergunta: “Por que publicar?”. O jornalista de verdade, é claro, perguntaria: por que não ?Fim da divagação ).


Termina a Maratona Bernstein. Dali a poucas horas ele deixaria o Brasil. Se teve a chance, certamente deve ter perguntado a algum transeunte no corredor do aeroporto: “E você ? O que é que acha da catedral ?”

Posted by geneton at 09:35 PM