abril 27, 2006

CINCO (OUTROS) MOTIVOS: POR QUE A HUMANIDADE É INVIÁVEL


1. ELIS REGINA CANTANDO COM VOZ ANASALADA "DOWN, DOWN, DOWN", NO REFRÃO DA INSUPORTABILÍSSIMA MÚSICA "ALÔ,ALÔ,MARCIANO".

ONDE FICA A SAÍDA, PELO AMOR DE DEUS? POR QUE NÃO AVISARAM ANTES QUE ESTE PLANETA É UMA IMENSA COLÔNIA PENAL? (COPYRIGHT: UM ASTRONAUTA CITADO PELO PROFETA PARAIBANO-PERNAMBUCANO AMIN STEPPLE) : "A TERRA É A COLÔNIA PENAL DO UNIVERSO".


2. LOCUTOR DE ANÚNCIO DE BANCO PRONUNCIANDO SLOGANS PUBLICITÁRIOS COM VOZ MELÍFLUA PARA SENSIBILIZAR O BOLSO DO CORRENTISTA.

(CALMA, ESTÔMAGO QUERIDO: NÃO PRECISA SE REVIRAR TANTO. VOCÊ NÃO VIU NADA AINDA).

3. ANÚNCIOS ENGRAÇADINHOS. A MÉDIA DE SALVAÇÃO É DE UM A CADA 500 MIL.

4. ADOLESCENTES QUE FAZEM AR ENTENDIADO DIANTE DE TUDO E DE TODOS, COMO SE O MERO MOVIMENTO DE MÚSCULOS DA FACE SERVISSE DE COMENTÁRIO SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS.

NÃO SERVE.

TRATEM DE ARTICULAR UM COMENTÁRIO INTELIGÍVEL, POR FAVOR. NÃO VALE USAR ABREVIATURAS. VOLTEM AMANHÃ. O EXPEDIENTE JÁ FOI ENCERRADO.

5. VOU ME REPETIR, MAS NÃO CUSTA NADA: BRASILEIROS
FAZENDO BATUQUE, DANÇANDO SAMBA, FALANDO ALTO OU CANTANDO PAGODE FORA DO TERRITÓRIO NACIONAL.

VEXAME.




Posted by geneton at 05:55 PM | Comments (2)

abril 21, 2006

ANTHONY BURGESS DÁ AULA

Posted by geneton2 at 06:57 PM

SHAUL LADANY. EIS O NOME DO HOMEM QUE NASCEU DE NOVO. ATLETA QUE ESCAPOU DO MASSACRE NAS OLIMPÍADAS DE MUNIQUE JÁ TINHA ESCAPADO DE UM CAMPO DE CONCENTRAÇÃO NA SEGUNDA GUERRA!

Quem? Um professor de engenharia chamado Shaul Ladany.

O quê ? Fará setenta anos de idade.

Onde? Em Israel.


O aniversário de um professor pouco conhecido dificilmente mereceria se transformar em notícia se não fosse por um detalhe: Shaul Ladany é personagem de uma das mais extraordinárias histórias de sobrevivência do Século XX.

A morte esteve no encalço de Ladany pelo menos quatro vezes. Por quatro vezes, Ladany escapou.





Primeira: judeu nascido em Belgrado, foi mandado para o campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha, em 1944, quando tinha apenas oito anos de idade. Passou seis meses no inferno, cenário da morte 50.000 prisioneiros.

Segunda: pegou em armas para lutar pelo Exército israelense na Guerra dos Seis Dias – o ataque-surpresa feito por Israel, a partir do dia 5 de junho de 1967, contra Egito, Síria e Jordânia.

Terceira: maratonista, fazia parte da delegação israelense que foi atacada pelos terroristas palestinos da organização Setembro Negro no dia 5 de setembro de 1972 durante as Olimpíadas de Munique – um dos mais espetaculares atos de terrorismo da história moderna.

Quarta: um ano e um mês depois do pesadelo de Munique, participou da Guerra do Yom Kpur, provocada pelo ataque do Egito e da Síria contra Israel, em outubro de 1973.

“O que eu sou? Um sobrevivente” – resume Ladany. Professor de engenharia industrial da Universidade Ben Gurion, em Israel, pai de uma filha, avô de duas netas, este sobrevivente estará pensando em quê, na noite do aniversário?

”Vivi uma vida turbulenta. Quando a família se reúne, sabe sobre o quê a gente fala? Você não vai acreditar, mas é sobre o Holocausto”, diz. “Infelizmente, tive também a experiência das Olimpíadas de Munique. São lembranças que me acompanharão enquanto eu estiver vivo. Vou pensar sobre Munique no dia dos meus setenta anos, com toda certeza”.

O terror bateu à porta da delegação israelense, na Vila Olímpica, em Munique, às quatro e meia da manhã de uma terça-feira. Oito homens mascarados invadiram o alojamento israelense: eram terroristas da organização Setembro Negro. Queriam chamar a atenção do mundo para a causa palestina.

O treinador de luta Moshe Weinberg, 33 anos, foi morto a tiros no momento da invasão. O levantador de peso Yosef Romano foi a segunda vítima. Os terroristas matariam outros nove atletas israelenses no aeroporto, dentro de dois helicópteros, em meio à desastrada operação armada pelo governo alemão para tentar abortar o seqüestro. Cinco terroristas também morreram.

Horas antes, toda a delegação israelense tinha ido ao teatro, para ver “Um Violinista no Telhado”, uma peça baseada nas histórias de um autor israelense, Sholon Aleichem:

- “Ali, vinte e sete anos depois do fim da guerra, um elenco judaico encenava uma peça de um autor judaico em solo alemão. Parecia um absurdo, porque eu ainda me lembrava da Alemanha da era nazista. O sentimento era de felicidade para todos nós. Tiramos fotos. Nem em nossos piores pesadelos imaginaríamos o que estava para acontecer horas depois”.

Ladany foi despertado por um barulho estranho no alojamento da delegação israelense, o prédio número 31 da Connollystrasse. Quando abriu a porta, na madrugada daquela dia cinco de setembro, viu um homem de pele morena e de chapéu no final do corredor. Era um dos terroristas, mas Ladany não sabia:

- “Notei que algo estava errado quando ouvi o diálogo deste homem com guardas que tentavam convencê-lo a deixar equipes de socorro da Cruz Vermelha entrar no alojamento. Quando alguém pediu que ele fosse “humanitário”, ele respondeu : “Não! Judeus não são humanitários”. Não tenho certeza se ele disse “judeus” ou “israelenses”. Ali, entendi imediatamente que algo terrível estava acontecendo.O terrorista não chegou a me ver”.

O ex-maratonista Ladany – que conseguiu se afastar do alojamento - critica até hoje o governo alemão. Diz que as autoridades desperdiçaram a chance de alvejar os terroristas palestinos porque não queriam que a Alemanha fosse palco de derramamento de sangue:

- Pareceu óbvio que o governo alemão não quis usar a Vila Olímpica – que simbolizava uma atividade pacífica – como cenário de uma operação antiterror. O governo queria mostrar ao mundo que ali estava uma Nova Alemanha – não a Velha Alemanha nazista”.

Ladany foi testemunha de uma cena cinematográfica. Aquartelado numa sala escura da Vila Olímpica, em companhia de colegas da delegação isralense, viu quando os terroristas conduziam os atletas seqüestrados para os helicópteros que os levariam para o Aeroporto. Ao lado de Ladany, um atleta que fora participar das competições de tiro ao alvo fez uma confidência:

- Vi os terroristas no momento em que eles chegaram ao centro da Vila Olímpica. As luzes os focalizaram. Vi os nove reféns.Um estava amarrado a outro. Ao meu lado, estava um colega da delegação israelense. Era atirador. O local onde estávamos era totalmente escuro. O meu companheiro disse: “Oh! Sem problema algum, eu poderia atirar agora nos terroristas!”.

Ladany voltou para Israel no avião que conduzia os corpos dos atletas israelenses mortos nas Olimpíadas:

- “ A bordo do avião, eu pensava: como um idéia tão bonita - um evento olímpico que deveria significar uma trégua e um momento de paz e alegria para todos – pôde se transformar no cenário de um massacre?. É inacreditável”.

O pesadelo de Munique voltou a ser notícia em todo o mundo com o lançamento do filme dirigido por Steven Spielberg. “Munique” descreve – com um ou outro toque de ficção – a operação secreta que Israel armou para eliminar, um a um, os terroristas palestinos que participaram do atentado:

Se fosse convocado, o ex-atleta e ex-soldado Ladany participaria da Operação Vingança?

A resposta vem sem um segundo de hesitação:

- “Sim! Vou contar um fato: ali pelo final dos anos setenta, li um pequeno artigo num jornal dizendo que um dos terroristas envolvidos no massacre de Munique estava levando uma vida luxuosa no Líbano. Recortei a notícia. Em seguida, enviei o recorte para o Ministério de Defesa de Israel. A carta foi endereçada a Ezer Weisman – que viria a ser presidente de Israel, anos depois. Eu disse na carta que, em minha opinião, o longo braço da justiça israelense deveria atingir aqueles que cometeram o terrível massacre de Munique. Meses depois, recebi uma carta do Ministério da Defesa dizendo que minha carta tinha sido encaminhada aos “canais apropriados”. Não tenho ódio contra árabes, não tenho ódio contra muçulmanos. Mas quem comete atos terroristas deve ser punido”.

Ladany não cita nomes, mas o homem tido como um dos mentores do Massacre de Munique, Ali Hassan Salameh, foi morto num atentado armado por agentes israelenses no dia 22 de janeiro de 1979, numa rua chamada Verdun, em Beirute.

O filme “Munique” – dirigido por Steven Spielberg – foi criticado em Israel porque mostrava momentos de hesitação vividos por agentes israelenses encarregados de executar os terroristas envolvidos no ataque aos atletas. Ladany justifica recorre a uma lógica implacável para justificar a retaliação:

”Em primeiro lugar, não acredito que os terroristas tenham tido qualquer hesitação no momento de fazer o ataque. Em segundo lugar: não acredito que os agentes envolvidos na vingança – realizada para evitar a repetição de ataques terroristas – tenham tido qualquer hesitação também. Só lamento que inocentes tenham morrido também na operação vingança” ( Ladany se refere ao pior erro cometido pelos agentes israelenses: um jovem marroquino, chamado Achmed Bouchiki, foi morto com dez tiros à queima-roupa momentos depois de sair do cinema em companhia da mulher, grávida, no final da noite de sábado, 21 de julho de 1973, em Lillehammer, Noruega. Os agentes pensaram que ele era um dos terroristas de Munique. Bouchiki era inocente).

Aaron J. Klein, o autor de um livro recém-lançado no Brasil, “Contra-Ataque”, diz que os terroristas do Setembro Negro desembarcaram em Munique dispostos a cometer “um ataque sem precedentes, avassalador – um teatro de horrores que queimaria na consciência coletiva mundial por gerações”.

O que Ladany diz dessas palavras?

“ Concordo. Agora, neste exato momento, quando você me faz esta pergunta, eu recordo os menores detalhes de Munique: parece que posso ver tudo de novo, como se tudo tivesse acontecido há poucos minutos. Há coisas em nossas vidas que são importantes demais para serem esquecidas”.

Posted by geneton at 06:46 PM

abril 20, 2006

ANTHONY BURGESS

O AUTOR DE "A LARANJA MECÂNICA" ALERTA: "OS JOVENS QUE NÃO PENSAM QUEREM VIVER NUM ETERNO PRESENTE. JÁ NEM SE COMUNICAM ATRAVÉS DA LÍNGUA, MAS ATRAVÉS DO CORPO - TOCANDO UNS NOS OUTROS, OUVINDO MÚSICA E, PRINCIPALMENTE, USANDO DROGAS. É A REJEIÇÃO DE TUDO O QUE SE ENTENDE POR CIVILIZAÇÃO"


A cinza pende da extremidade do charuto de Anthony Burgess. Basta um movimento brusco na mão e pronto: o estrago foi feito. O chão imaculadamente limpo desta saleta do Durrent's Hotel, na George Street, no centro de Londres, ostenta, agora, uma pequena mancha escura. Anthony Burgess (Manchester, 1917) faz que não vê. Continua falando aos borbotões. Enquanto disfarça, pisa na cinza e esfrega o sapato no chão, para tentar desfazer o dano. Malandro.


O penteado meio ridículo para esconder o avanço da calvície dá a Burgess a aparência de um cientista maluco de revista em quadrinhos. Não seria de espantar se arregalasse os olhos ali, diante da câmera fotográfica, para estender a língua ao mundo, feito Einstein.

O gesto não seria gratuito: Burgess fuzila verbalmente, sem piedade, a juventude drogada e semi-analfabeta, as feministas, os ingleses e, surpresa, novelas brasileiras. Teve o trabalho de acompanhar a versão compacta de “Escrava Isaura” exibida pelo Channel Four. Detestou. Não é para menos. Quem já teve um livro, "Laranja Mecânica", transformado em obra-prima do cinema pelo talento de Stanley Kubrick não pode se furtar ao direito de ter náuseas diante da sinhazinha Lucélia Santos.


Burgess é um exemplo acabado metralhadora giratória. Cospe fogo. Impiedoso, intempestivo, não perdoa nem a si próprio. É o modelo clássico do intelectual brilhante, insubmisso, pouco preocupado em colecionar elogios fáceis ou em preservar a sensibilidade alheia.

A essa altura de nosso encontro, já limpou a cinza do chão, sem ninguém notar. De qualquer maneira, o Hotel estará livre de novos danos nos próximos momentos: a mulher de Burgess, uma italiana a quem ele dedica todas as frases que escreve, providenciou um cinzeiro. Pouco depois, ela irritaria Burgess, ao fazer um comentário em voz alta, durante a entrevista, sobre a música brasileira. O homem quase perde a
paciência. Reclama da mulher, pede que o gravador seja desligado por alguns segundos. O guerreiro Burgess vai entrar em ação. Agora.


Um crítico disse que o senhor usou um pseudônimo para assinar livros como "Inside Mr. Enderby" e "One Hand Clapping" porque não queria enfrentar a acusação de produzir em excesso. É este o verdadeiro motivo que o levou a inventar o pseudônimo "Joseph Kell"?

Burgess: "É verdade! O que digo é que estes fatos remontam a vinte e cinco anos. Naquele tempo, eu estava morrendo. Só teria poucos anos de vida. Pelo menos, foi o que me disseram. Então, tinha de produzir o máximo possível, para deixar algum dinheiro para a minha viúva!

Todo mundo dizia: "Não é certo escrever tantos livros...". Tive, então, de inventar outro nome. A verdade é que os críticos ainda dizem que escrevo além da conta. Pergunto-me: Quem diabo pode dizer o que é "além da conta"? Veja só: grandes escritores de outrora, como Arnold Bennett (N: Romancista, jornalista e dramaturgo, 1867-1931) e H.G. Wells (escritor e reformador social que fundou a Sociedade Fabiana; autor de "Uma Utopia Moderna", morreu em 1946 aos 80 anos) escreviam quatro livros por ano neste país! Balzac, Dickens, Alexandre Dumas, todos escreveram bastante. É a grande tradição.

Mas neste país, a Inglaterra, a tradição gentleman é escrever pouco. O que há são escritores como E.M.Forster - que escreveu cinco livros em noventa anos! (N: Burgess errou por pouco. Forster, na verdade, escreveu seis livros e morreu aos noventa e um anos. A obra mais conhecida é "A Passage to India" (1924), transformada em filme por David Lean). Ora, escrever cinco livros em noventa anos, como E.M.Forster, é que faz a tradição cavalheiresca neste país. A tradição do gentleman, na Inglaterra, é escrever pouco, Não é cavalheiresco escrever demais.."

O senhor ainda tem este problema de ser acusado de escrever em demasia?


Burgess: "Dizer que sou prolífico e prolífico virou uma acusação gratuita. Mas não é verdade. O que acontece é que sou um trabalhador. Acordo de manhã e tento escrever mil palavras por dia. Não é muito. Posso escrever estas mil palavras antes do café da manhã - e dispor do resto do dia para mim. Mil palavras por dia correspondem a 365 mil palavras por ano, o que é apenas a metade de "Guerra e Paz". O que é que há de errado em escrever mil palavras por dia? O que é que devo fazer, no lugar? Jogar golfe, passear de barco, jogar bridge? Prefiro trabalhar."

O senhor diz que as palavras não são mágicas. Se as palavras não são mágicas, qual é a mágica da literatura, afinal?

Burgess: "Onde é que fica a mágica da literatura? É difícil dizer. Mas é preciso lembrar que uma boa parte do que a gente escreve vem do inconsciente. E o que é o inconsciente? Uma grande floresta brasileira, com seus estranhos animais, seus estranhos pássaros, suas estranhas árvores. Não sabemos onde é que fica! Eis, então, a mágica.

Se a gente escreve a partir do consciente não vai encontrar tanta mágica. Os jornais são feitos da consciência. Não há mágica. A literatura é feita do inconsciente. É mágica!" (levanta a voz, agita os braços, dá um tom de incontida exclamação à palavra).

Em que circunstância o jornalismo pode ser mágico também? O senhor costuma escrever tanto em jornais...

Burgess: "Eu escrevo artigos e críticas (N: quinzenalmente, no jornal semanal "The Observer" - de Londres). Mas, no geral, o trabalho dos jornais é dar informação. Já a função de um romance é excitar a imaginação para apresentar o mundo de uma maneira nova.

Os jornais apenas representam o mundo tal como ele é. Acontece que os jornais estão deixando de ser informativos ou mágicos. Nestes dias que tenho passado na Inglaterra, venho lendo nos jornais artigos sobre os meus livros. Não me oponho de forma alguma aos que dizem que sou um mau escritor ou que escrevo maus livros. Mas me oponho à ignorância das pessoas que escrevem nos jornais.

Quem vem arruinando a crítica literária são as mulheres! Não sou adepto do machismo. Mas vejo que há nos jornais um grande número de mulheres estúpidas que só falam bem de livros escritos por mulheres igualmente estúpidas. Se um livro é escrito por um homem, deve ser ruim, pelo simples fato de que foi escrito por um homem! O que ocorre, no final das contas, é que esta guerra dos sexos vem aniquilando a crítica literária".

É um problema inglês ou o senhor diria que é internacional?

Burgess: "Não sei até que ponto vocês, no Brasil, já conseguiram superar a presença do feminismo militante. Mas esta é uma questão poderosa tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra. As mulheres estão exagerando nas diferenças entre o sexo feminino e o meu sexo. É assim: se um livro foi escrito por um homem deve ser ruim pela simples razão de que foi escrito por um homem! É algo tão estúpido!". (Nesta altura, Burgess concede à voz um tom de franca indignação. Resmunga e reflui para o silêncio).

Escrever livros é a melhor maneira de chegar à imortalidade?

Burgess: "É a melhor maneira de chegar à imoralidade! Não sei...Antigamente, você poderia dizer que sim. Basta lembrar o que disse Horácio: "Erigi um monumento que vai durar mais que o bronze".

Nós não podemos dizer algo assim hoje. O que ocorre é o seguinte: publicamos um livro. Depois, a editora vende-o por algum tempo. E o livro desaparece! Queimam os livros e os enterram. Assim, os livros desaparecem do mercado. Ninguém hoje pode estar seguro da imortalidade..."

Quanto tempo o escritor Anthony Burgess vai durar?


Burgess: "Livros que escrevi há vinte e oito anos ainda estão vivos! Mas é preciso lutar para trazê-los de volta. Quando eu estiver morto, já não haverá quem brigue por eles. Então, meus livros podem desaparecer completamente".

Seu pai tocava piano num cinema em Manchester. Sua mãe cantava e dançava profissionalmente. O senhor é francamente fascinado por música, desde os tempos em que tocava piano nos pubs para conseguir um dinheiro extra. O que é, afinal, mais fascinante: a música ou a literatura?


Burgess: "São artes diferentes, é certo. Mas tenho de confessar que a minha não era uma família literária. Era uma família musical. É algo interessante, sob o ponto de vista social, porque não nos era permitido ser outra coisa.

Nossa família era católica num país protestante. Católicos não tinham permissão para freqüentar universidades na Inglaterra. Não podiam se tornar médicos, advogados ou professores. A única coisa que podiam fazer até 1829, quando veio o ato de emancipação, era se tornar 'entertainers'. É um traço que permaneceu. Minha mãe, como você bem lembrou, dançava e cantava. Meu pai tocava piano. E eu via minha vida como um músico, até que descobri que tinha de escrever livros (Burgess sublinha com a voz o "tinha de escrever", como se estivesse falando de um destino inevitável e irrecorrível). Tornei-me, então, o primeiro literato da família. E o último. Porque, comigo, minha família termina".

Por que o senhor abandonou a música - pelo menos profissionalmente - para se tornar um escritor?

Burgess: "Principalmente porque eu precisava sobreviver! E você não pode ganhar a vida fazendo música séria. Escrever uma sinfonia é algo trabalhoso, toma um tempo enorme. Se você compõe, é preciso, depois, copiar as partituras - o que custa dinheiro - e organizar uma performance. O público vai ou não vai. E é tudo. Não se ganha a vida assim.

Se você faz música pop, como os Beatles, você pode ganhar, pelo contrário, um bocado de dinheiro. Já na literatura há um pouco de dinheiro, sim. Mas não muito! Um pouco só! Ora, este é um problema para artistas de várias áreas. É difícil, bem difícil. Antigamente, havia os mecenas, grandes nobres e aristocratas que podiam
financiar os escritores e músicos.

A gente tem de viver! Não se pode viver de música. Ainda escrevo música. Venho planejando uma ópera baseada na vida de Sigmund Freud. Quem vai apresentá-la? Não sei. O que sei é que ela tem de ser feita (de novo, Burgess empresta um tom dramático às palavras, como se estivesse se rendendo ao destino).

O senhor vem tentando sempre reunir música e literatura. Sua música é baseada em personagens da literatura. Em seus livros, a música ocupa uma posição ostensiva. Basta lembrar do "Velho Ludwig van Beethoven" na "Laranja Mecânica", "Sinfonia Napoleão", etc. É este, afinal, o grande projeto? Reunir música e literatura numa só obra?


Burgess: "É verdade, até certo ponto. Se você foi preparado para ser um músico, você entenderá melhor o que é a literatura. Creio que há escritores brasileiros que vão concordar comigo. Escrever um romance é como compor uma sinfonia. Você tem de estar atento quanto à forma, ao equilíbrio, à harmonia, aos contrapontos e ao som das palavras, porque a gente não lê com os olhos: lê com os ouvidos.

A gente deve ler com os ouvidos, tal como se ouve música. Publiquei no Brasil um romance chamado "Sinfonia Napoleão", uma tentativa de apresentar a vida de Napoleão Bonaparte em forma de sinfonia, a "Heróica" de Beethoven. Poucos entenderam na Inglaterra. Em outros países, o público entendeu melhor. Os ingleses são lentos na hora de entender o que faço. Isso me deixa louco!".

É esta a razão que o levou a abandonar o país para viver no exterior?

Burgess: "De uma certa maneira, sim. Vivo em Mônaco, um país de língua latina onde falamos o monegasco, o italiano, o francês. Minha mulher é italiana. Eu me sinto mais próximo de países como o Brasil - onde se fala uma língua latina - do que da Inglaterra".

Existe vida inteligente na crítica literária?

Burgess: "A crítica é um negócio, uma ocupação, um metier, algo que os críticos fazem para viver. Sempre se esperou dos críticos da Inglaterra que divirtam os leitores e sejam "criativos" e destrutivos - não que eles façam o que deveriam fazer: estabelecer o que é um livro e examiná-lo seriamente. O que os críticos fazem não é sério.

Vou além: os ingleses não são sérios. Trocam qualquer coisa por uma boa risada, porque têm um grande senso de humor (Burgess fala dos ingleses na terceira pessoa do plural, sem se incluir).
Acontece que este senso de humor é excessivo. Os franceses levam as coisas demasiadamente a sério. Já os ingleses não levam nada a sério o bastante".

Qual é,então, a importância da opinião dos críticos?

Burgess: "Não importa tanto a opinião, porque os críticos não exercem influência sobre o número de cópias vendidas. Como escritor, espero encontrar alguma inteligência entre os que estão dedicados a ler livros e a escrever sobre eles.


Mas decepciono: quando tento, encontro mais inteligência entre os motoristas de táxi, os garçons e os
porteiros dos hotéis que tenham lido o livro do que entre os críticos
profissionais. É triste. É algo que me deprime".

A "Laranja Mecânica" é uma predição ou uma descrição do poder dos Estados modernos?

Burgess: "A "Laranja Mecânica" é uma predição. Mas uma predição escrita nos anos sessenta sobre o que o mundo poderia ser nos anos setenta. O livro, portanto, pertence ao passado. Não é exatamente uma predição no sentido de uma representação fantástica de certas tendências que eu via na vida pública. Mas é sobre o indivíduo e o Estado. Eu soube que houve dificuldades com o livro e com o filme no Brasil, assim como na Argentina. É que os Estados não gostam do livro. O Estado reconhece que a "Laranja Mecânica" ataca o poder dos governos".

Alex, o personagem principal de a "Laranja Mecânica", é um exemplo de um rebelde sem causa?

Burgess: "Alex é um rebelde. E estava preparado para levar a vida, ferir, matar, roubar e estuprar pessoas sem pensar em termos políticos. Alex apenas se diverte, até que descobre que há um limite neste "divertimento". Ao contrário de James Dean em "Juventude Transviada", Alex é um rapaz perfeitamente feliz - que gosta do vício e da violência. Também gosta de música!"

George Orwell deu um alerta em "1984". Aldous Huxley também, em "Admirável Mundo Novo". O senhor, idem, na "Laranja Mecânica". O medo do futuro é um sentimento comum entre os bons escritores?

Burgess: "Eis uma tradição bem britânica: escrever livros que chamamos de "distopias" ou "cacotopias". Não são utopias sobre o possível futuro. Os ingleses gostam. Começou-se com "Utopia" de Thomas Moore, Depois, a tradição continuou com J. Swift (N: autor de “Viagens de Gulliver”, 1667-1745), George Orwell...

Nós podemos evitar olhar para o futuro. Mas não acreditamos realmente que o futuro será assim. Tal como Thomas Moore imaginou uma ilha chamada utopia em algum lugar do mundo que não tinha sido imaginado, nós tentamos imaginar uma ilha em algum ponto do tempo - passado, presente ou futuro - que não podemos visitar. Quando se faz assim, é possível tornar claras certas tendências da vida real. É uma forma de crítica social. Os ingleses têm sido bons sob esse aspecto".

É difícil conviver com a tarefa de escrever mil palavras por dia?

Burgess: "Não sinto que é difícil. O difícil é ter a certeza de que as palavras escritas são boas. Qualquer um pode escrever mil palavras ruins por dia. O problema é, sempre, escrever bem estas mil palavras".

O que é uma palavra boa?

Burgess: "Uma palavra que seja como um acorde de música. Que contenha não só uma nota, mas várias notas, várias reverberações, várias ressonâncias, vários significados possíveis. Uma palavra ambígua, enfim. É uma lei que vale também para o português, para qualquer língua. Uma palavra não deve ser uma simples nota. Mas um acorde. Um contraponto. É esta a boa palavra".

Quando um entrevistador perguntou ao senhor, na televisão, o que é que torna um escritor bom, o senhor respondeu com uma palavra: "a morte". O que é que faz de um escritor um mau escritor?

Burgess: "O contrário: a vida! (ri). Não é bem assim... Escritores se tornam importantes quando morrem. Quando o escritor ainda vive é apenas uma pessoa entre todas as outras. Quando morre, dizem: "Ele escreveu todas estas coisas! Agora que ele se juntou aos grandes, aos mortos fantasmas, é melhor começar a levá-lo a sério. Talvez ele venha nos pegar!". É a verdade, especialmente na Inglaterra.

Quando você é vivo não é interessante. Quando morre, torna-se uma espécie de monumento. Os americanos preferem um cachorro vivo a um leão morto. É algo distante da atitude britânica de só se importar com os grandes escritores mortos, porque, assim, eles não vão ser lidos...".

Como é que o senhor gostaria, afinal, de ser lembrado no futuro?

Burgess: "Não pretendo ser lembrado. Não faz diferença para mim. Se você quer ter uma reputação que sobreviva à morte, basta querer ser olhado como um homem moderadamente bom. Alguém que não machucou os outros. Que tentou fazer a vida dos outros melhor. E, afinal, que acrescentou algo à vida - pouco, não muito, como Adolf Hitler!"

Por que o senhor deixou a Inglaterra? Não é um bom lugar para escrever bons livros?

Burgess: "A Inglaterra é um ótimo lugar. Você, como brasileiro, sabe que a Inglaterra é tolerante e democrática. Mas os ingleses são algo ignorantes. Não se preocupam o bastante com coisas como literatura. Se você tenta escrever um livro na Inglaterra, pensam que você vai perder tempo... Escrever não é visto como um verdadeiro trabalho... Mas atuar no Parlamento, tomar conta de uma loja ou se ocupar com negócios é considerado trabalho.

Acontece que na Europa - Itália, França e outros países - o ato de escrever é visto como uma ocupação séria (Burgess comete o hábito bem inglês de se referir aos outros países como "a Europa" e excluir, daí, a Inglaterra). Prefiro, então, estar onde escrever é visto como algo sério. Não é o caso da Inglaterra. Escrever um livro é algo olhado como uma disputa de uma partida qualquer. Se você toma conta de uma loja, se é a senhora Thatcher ou se trabalha na televisão, eis aí um trabalho. Mas escrever não é visto assim na Inglaterra. Eu tinha de ir, então, a um país onde escrever fosse levado a sério".

O senhor se preocupa, pelo menos, com a situação política na Inglaterra, apesar de viver fora do país?

Burgess: "Não há com o que se preocupar com a situação política na Inglaterra. Já a situação política na América do Sul... Meu Deus! Ali, há com o que se preocupar em cada um dos países. Nós temos na Inglaterra um sistema democrático que foi construído lenta e dolorosamente - mas que existe! Eu não tenderia a dizer que o futuro da Inglaterra é negro. Com o sistema democrático, o futuro não será negro.

Mas, quanto à América do Sul, eu me decepciono. A América do Sul seria a nova terra e o novo mundo, onde todos os erros da Europa seriam sepultados. Mas o que acontece é que os erros na América do Sul são bem piores do que qualquer erro da Europa! É como Vargas Llosa e Gabriel García Márquez dizem nos livros. Digo mais: as coisas podem não andar bem no Brasil, mas o Brasil produz uma grande literatura, algo que um país como Portugal já não produz".

O escritor italiano Umberto Eco diz que a verdadeira função do escritor é criar crises. Que tipo de crise o senhor quer criar, como escritor?

Burgess: "Qualquer romance é construído a partir do ritmo. E o ritmo é exatamente onde a crise atinge um clímax e se resolve. É difícil explicar. Mas um romance tem movimentos, como os de quem escala uma montanha. Várias montanhas, cada uma mais alta que a outra, até que se atinge a crise - o clímax.

Por fim, você vai descendo aos poucos, depois de ter resolvido os problemas. Parece fácil, assim da maneira como estou dizendo. Se você tenta comparar a crise do romance com a crise da vida real, descobre que não há conexão entre uma e outra, porque o romance é uma forma artificial.

Você veja Jorge Luís Borges - que, aliás, tem um nome igual ao meu. "Burgess" e "Borges" são um nome só. Ele se diz Burgess; eu me chamo Borges. Pois bem: Jorge Luís Borges diz que trabalhar na ficção é exercitar uma criação artificial que mantém uma escassa relação com a vida. Quando fala assim, Borges não acerta inteiramente, mas indica para algo concreto: não devemos tomar uma peça qualquer de ficção como se fosse, necessariamente, um comentário sobre a vida. São dois mundos separados. A crise na literatura, por essa razão, não guarda semelhanças com a crise da vida real".

Uma velha questão: o escritor tem uma função política na sociedade?

Burgess: "O escritor pode ter uma função política. Mas ele não deve escrever um romance com uma finalidade política. Pode escrever um livro político ou fazer um pronunciamento político, mas, quando transforma um romance num manifesto político, não se pode dizer que esteja escrevendo um romance. É o que percebo em autores como Vargas Llosa e García Márquez. Os dois têm um traço político forte. Penso que devem tratar da vida real, não sob o ponto de vista político.


A verdade é que a política é apenas uma pequena parte da vida. Como lembra o grande Malinowski (N: antropólogo inglês autor da teoria do "Funcionalismo", 1884-1942), a vida real consiste em levantar o rosto e olhar o pôr do sol. Já fazer política é decidir qual deve ser o sistema de galerias pluviais da cidade...

Ora, a política não é importante - a não ser em países onde é transformada em algo de importância. Decididamente, é loucura ter de gastar a vida inteira lutando pela causa mais simples do mundo – que é ter um governo moderado! É por essa razão que vocês não estão conseguindo. A literatura na América do Sul tem - cada vez mais - de se ocupar da representação dos erros políticos. Mas esta não é a tarefa da ficção.Homens como Henry James não tiveram de agir assim. Ele se ocupa das relações humanas, algo bem mais importante do que a política".

Numa entrevista à TV, Umberto Eco dizia que, se a função do escritor é criar crises, a dos políticos é resolvê-las...

Burgess: "Os escritores resolvem as crises que os políticos criam! A agonia da política é que as pessoas só se tornam líderes quando ganham poder. Poucos líderes políticos - especialmente na América do Sul - estão ansiosos por melhorar a vida do povo. Qerem poder! E a política é a maneira de conquistar poder...

Não vamos fingir que a senhora Thatcher ocupa o poder para ajudar os cidadãos a serem felizes. Admita ou não, ela ocupa o cargo porque quer o poder! Todos os políticos querem o poder! (Pelo tom de voz, parece que Burgess faz um discurso para uma platéia invisível). Escritores não querem ter poder desta forma. Querem um tipo diferente de poder - não o poder de prejudicar as pessoas.

O problema da política na América do Sul é, inteiramente, um problema de poder. Porque o poder traz doenças, tirania, violência, crueldade e inflação. A política na América do Sul, creia, preocupa-me bastante, como na África e na Europa. Mas na Inglaterra a maioria destes problemas políticos foi resolvida".

A função de um escritor, então, é igual em uma sociedade como a inglesa e em um país subdesenvolvido, como o Brasil?

Burgess: "Há um perigo: na América do Sul, escritores tornam-se figuras políticas. É o caso - provavelmente - de García Márquez, até certo ponto. Escritores se identificam com movimentos políticos. Inclino-me a dizer que esta é uma atitude errada, errada e totalmente errada!

Todos nós devemos tentar botar na cabeça escritores como Henry James ou William Shakespeare - se você quiser voltar no tempo - que se dedicaram ao trabalho de escrever peças. Nós não podemos dizer que linha política Shakespeare tinha! Tudo o que sabemos é que detestava o poder: queria que o povo fosse deixado em paz para levar a vida. Preocupava-se bastante com os problemas do poder político. Lá estão "Hamlet", "Júlio César", "Rei Lear". Suas peças se preocupavam com o poder. Mas, obviamente, ele pensava que, na vida real, as pessoas deveriam estar longe da política.

É o que me preocupa em relação aos escritores latino-americanos. São admirados na Inglaterra, é bom dizer. Gostamos de estrangeiros. Qualquer estrangeiro pode se dar melhor na Inglaterra do que qualquer inglês. Logo, um romance sul-americano é automaticamente considerado um grande livro. Isso significa que, se eu escrevo um romance qualquer sobre duas pessoas que se apaixonam, não estou fazendo tão bem quanto os grandes livros, porque não estou mexendo na política. Os próprios ingleses têm sido grandemente influenciados pela visão de que os grandes escritores são os escritores políticos. Não é verdade! De maneira nenhuma! Política é - ou deve ser - uma pequena parte de nossas vidas".

Já que falamos em livros e sinfonias, quem vai durar mais: William Shakespeare ou Beethoven?

Burgess: "Não há comparações. Os dois estarão permanentemente lá. Se você quer saber o que é a música, é melhor ouvir Beethoven. Se você quer saber o que é alguém ganhar a vida como escritor, você tem de lembrar de Shakespeare. A grande coisa sobre os dois é que nenhum foi um deus: ambos eram seres humanos imperfeitos que trabalhavam duro numa ocupação difícil".

O senhor já escreveu sobre o futuro - como em a "Laranja Mecânica - e sobre o passado, como em "Sinfonia de Napoleão". O que é mais importante para um escritor: tentar antecipar o futuro ou reescrever o passado?

Burgess: "Tudo que nós temos é o passado. Não temos o futuro. Ainda estamos esperando por ele. O presente não existe porque é apenas um micro-segundo! Mas o passado está aí - e cresce o tempo todo. Nós só nos entenderemos no presente -e no futuro- se entendermos o passado.

O que me preocupa, quando vejo a juventude na maioria dos países, é que ela abandonou o passado. Os jovens não querem aprender nada sobre o passado! Ora, não existe nada, além do passado! Então, o passado é importantíssimo! Nós devemos escrever ocasionalmente sobre o passado e mostrar o quanto ele é importante. É o que tento fazer".

A presença do passado é um traço marcante na Inglaterra. É uma boa ou uma má característica?

Burgess: "O passado nos ronda. Mas os jovens da Inglaterra não querem o passado. Querem somente o futuro - que pensam estar nos Estados Unidos...

Tudo o que querem é um eterno presente. E encontram - na música pop, no rock e nas drogas. Os jovens tomam drogas principalmente porque querem viver num eterno presente e libertar-se do passado. Neste sentido, são anarquistas e seguem Bakunin, o grande anarquista que disse que nós devemos destruir o passado.

Se há um vaso chinês, você deve destruí-lo, porque é algo do passado, é perigoso! Basta lembrar "1984", o livro de Orwell. O'Brien, o homem do Ministério da Verdade, diz a Winston Smith: "Vamos brindar o que, com nosso drinque? A vitória sobre os inimigos, a revolução, o futuro?" Winston diz:"Não, vamos beber pelo passado!" A resposta é:"Sim, o passado é importante". O'Brien não queria falar assim, mas sabia o que queria dizer".

Que tipo de informação o senhor tem sobre a literatura brasileira?

Burgess: "Eu e a minha mulher passamos um tempo tentando aprender a falar o português do Brasil. Tentamos ler,também. Temos amigos brasileiros em Roma, como Araújo Neto, correspondente de um jornal brasileiro (N: 'Jornal do Brasil'). Nós conhecemos algo da música (Antes, Burgess tinha se referido, com entusiasmo, a "Construção" - de Chico Buarque de Hollanda). Conhecemos também algo da literatura. Mas não dispomos de tradução.

Temos o sentimento de que, desde o início da colonização portuguesa, o Brasil é um centro para a experimentação artística. O romance brasileiro vem se dando notavelmente bem. Não sei sobre a poesia brasileira. Não temos informações suficientes. Agora, por exemplo, a TV britânica vem exibindo todas as tardes uma novela estúpida chamada "A Escrava Isaura", seguida por um programa chamado "Fantástico" - que mostra a dança brasileira (N: "A Escrava Isaura" e "Fantástico" foram exibidos, na Inglaterra, pelo 'Channel Four', um dos dois canais comerciais da Inglaterra).

Temos a impressão - na Inglaterra - de uma
imensa energia brasileira, uma vida erótica e poderosa, uma grande cor. Mas parece algo remoto. Gostaríamos que fosse mais próximo!

Durante a última grande guerra, começamos a ouvir referências ao Brasil. Se a América do Norte estava tão ansiosa, a América do Sul deveria ser nossa amiga. Os americanos fizeram filmes bobos - que poderiam, aliás, ter sido realizados por Walt Disney - tentando mostrar como o Brasil era. Descobrimos Carmem Miranda, gente assim. Dançávamos música brasileira, mas nunca tínhamos a sensação de que o que estávamos vendo era o Brasil real.

Agora, temos um maior número de informações. Romances brasileiros têm sido traduzidos, mas não chegam a um grande número de leitores. O Brasil parece longe. É, além de distante, assustador, exótico, colorido, mas não um país real, para nós".

Por que o senhor decidiu estudar o Português que se fala no Brasil?

Burgess: "Minha mulher é italiana. Vivemos num país latino, o principado de Mônaco. Desenvolvemos, então, um interesse natural por línguas latinas. O Português do Brasil sempre pareceu ser uma versão flexível e colorida da língua-mãe, o latim. Não estou particularmente interessado no português que se fala em Lisboa. Parece-me que é um pouco morto. Mas qualquer língua que se transforma numa manifestação de vivacidade na literatura é algo que devemos estudar. Não podemos, portanto, ignorar o Português do Brasil. É importante demais para que seja ignorado. É preciso entendê-lo. O problema é que, no nosso caso, não temos com quem falar Português. Onde vivemos, não temos amigos brasileiros".

Que tipo de informação o senhor tem da música brasileira?

Burgess:"Quando era estudante, numa escola Católica em Manchester, eu tinha um grande número de colegas sul-ameri- canos. Os pais destes colegas trabalhavam na diplomacia, na indústria ou no comércio. Tínhamos três ou quatro amigos brasileiros que importavam vários instrumentos musicais como a marimba.

Eu lembro que um dos líderes da escola era brasileiro. Através deste grupo, pudemos conhecer todos os tipos de música latina. Quero dizer: não somente a música brasileira ou argentina, mas a música espanhola, também. O brasileiro é que me falou da música de Manoel de Falla e outros músicos espanhóis. Quando eu tinha quinze ou dezesseis anos, conhecia os ritmos da música brasileira. Era algo excitante o brilho e a cor das orquestrações da música popular brasileira. O ritmo da música brasileira indica uma vida erótica poderosa, o que não ocorre com a música européia. A música brasileira - tal como a conheci - sugere florestas, flores silvestres, orquídeas, aves tropicais, algo selvagem e agressivo".

Os intelectuais tendem a encarar a televisão como algo que não é sério. O senhor - parece - gosta de ver TV. Tanto é que viu até uma novela brasileira exibida à tarde pela TV inglesa. Que tipo de relação o senhor tem com a televisão?

Burgess: "Onde vivemos, nós captamos a televisão francesa. Não é tão boa. Quando viajamos para a Inglaterra, nós nos convencemos sempre mais de que a televisão britânica é ótima. Não estou me referindo a esta novela brasileira, a "Escrava Isaura"... Mas a TV britânica - em geral - tenta falar a verdade e não apenas divertir. O que acontece é que nós não podemos ignorar a TV. Há, neste país, intelectuais que tentam ignorá-la. Mas não podemos. A TV é um dos fenômenos do nosso tempo. É um meio importantíssimo. Eu levo a TV a sério. Eu escrevo para a TV, eu vejo, eu participo de programas, porque penso que é um meio sério".

Se um jovem escritor brasileiro pedisse um conselho ao senhor - um autor conhecido internacionalmente -, que tipo de resposta o senhor daria?

Burgess: "Eu diria: você tem apenas de trabalhar! Fazer literatura é um trabalho que desaponta, é difícil, mas, em nossa época, é tão importante descobrir onde a verdade se encontra que os escritores devem ir à frente, na tentativa de falar a verdade.

Se de repente os escritores se desencorajarem ou pararem de escrever - tal como tantos fazem, diante da dificuldade de viver de literatura - estaremos diante de um perigo terrível: a voz da verdade estará muda. Ora, a voz da verdade não será encontrada nos jornais, porque os jornais são controlados por grandes negócios. A voz da verdade apenas se manifesta nos escritores livres, nos poetas e nos ficcionistas que lutam o tempo todo para que suas vozes sejam afinal ouvidas. Nós temos de prosseguir, nós temos de prosseguir falando quietamente a verdade. A tarefa do escritor é de uma imensa importância."

O senhor se preocupa com a questão da qualidade literária dos jovens escritores?

Burgess: "Não podemos fazer distinções entre jovens e velhos. Há uma tendência ao desencorajamento entre os jovens escritores, pelo menos neste país. Não têm sido lidos, não estão vivendo do trabalho que fazem, embora lutem imensamente. O que digo é que a luta deve continuar. Sem esta luta para apresentar a verdade, estamos perdidos".

Talvez, para a juventude inglesa, fazer música pop seja mais importante do que escrever livros...

Burgess: "Os jovens que não pensam querem viver num eterno presente. Querem estender o momento presente como se fosse algo sem fim. Só conseguem através da sensação pura, através da droga e da música pop. Já nem se comunicam através da língua, mas através do corpo- tocando uns nos outros, ouvindo música, e, principalmente, usando drogas. É a rejeição de tudo o que se entende por civilização.

Eu estou preocupado com a juventude. Se o Big Brother chegar, não será bem-vindo pelos da minha geração, mas pelos jovens, porque nós não nos chamamos uns aos outros de Big Father... Se cairmos no fascismo, será através dos jovens, não dos velhos. Os jovens estão prontos para o fascismo, porque não pensam".

O senhor não teme ser visto pelos jovens como um velho?

Burgess: "Não me preocupo. Sou velho. Eles são jovens. Já fui jovem. Todos eles serão velhos. Não há divisão entre ser jovem e ser velho. Nós apenas transitamos de uma condição para outra.

Você - de repente - acorda numa manhã e se acha jovem ou velho. Mas você ainda é um ser humano e ainda tem direitos! A divisão entre jovens e velhos é uma das coisas perigosas e estúpidas. Não há diferenças, porque os jovens, afinal, se tornam velhos. Sou o que eu era. Ocupo o espaço que ocupava quando tinha dezessete anos. Sou a mesma pessoa. Então, a divisão entre jovens e velhos é um dos mais terríveis males que podem existir. Os jovens não aprendem com os velhos. E, no entanto, somos os mesmos...".

O senhor já recebeu pagamento pelos livros que publicou no Brasil?

Burgess: "Anos atrás, quando o Brasil se tornou um pouco mais liberal, um dos meus livros, "Laranja Mecânica", que tinha sido censurado, foi liberado, assim como o filme. Você poderia ler o livro e ver o filme. Meu livro foi o primeiro lugar na lista dos mais vendidos. Mas nunca vi a cor do dinheiro brasileiro! Aliás, não recebi nada pela maioria dos livros meus que foram publicados no Brasil.

Se foi o agente literário que ficou com o dinheiro ou se foi a editora, eu não sei. Eis um dos perigos em ser autor e publicar no Brasil... O país é longe demais para que eu vá lá brigar. Mas me devem dinheiro no Brasil! Meus amigos brasileiros: por favor, me ajudem! Os autores têm de sobreviver! Os autores têm de sobreviver! Um pouco de dinheiro brasileiro bem que ajudaria. Obrigado a vocês!".


(Entrevista gravada em Londres, 17/05/85)

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Posted by geneton at 06:48 PM

abril 07, 2006

AVISO AOS NAVEGANTES: O SITE BATEU RECORDE DE VISITANTES EM MARÇO! OBRIGADO PELA ATENÇÃO DISPENSADA! EM BREVE: NOVOS TEXTOS. DEPOIMENTO COMPLETO DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO. UMA CONFISSÃO (EXCLUSIVA!) DE NORMAN MAILER. E MUITO MAIS! NÃO PERCA!

Posted by geneton2 at 12:34 AM