O que se disse do livro:
DOSSIÊ BRASÍLIA
Lições de reportagem em forma de livro
Deonísio da Silva
"Você não passa de uma coisa investigativa", diz Joel Silveira a Geneton Moraes Neto nas "orelhas" de Dossiê Brasília: os segredos dos presidentes. Autoridade não falta ao jornalista Joel Silveira, definido por Assis Chateaubriand como "a víbora". Silveira conheceu pessoalmente dez presidentes! Ninguém mais indicado, pois, para apresentar o trabalho investigativo que Geneton fez junto aos presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, cobrindo mais de uma década de nossa vida política.
Geneton faz neste livro o que melhor sabe fazer na vida: reportagem. Diz mais Joel Silveira em sua sabedoria: "Se eu tivesse autoridade suficiente, proibiria Geneton – um grande repórter – de ficar sentado na redação. A proibição seria extensiva a todos os repórteres".
Geneton faz neste livro o que melhor sabe fazer na vida: reportagem. Diz mais Joel Silveira em sua sabedoria: "Se eu tivesse autoridade suficiente, proibiria Geneton – um grande repórter – de ficar sentado na redação. A proibição seria extensiva a todos os repórteres".
O livro traz o texto integral das entrevistas que gravou para o Fantástico, da Rede Globo, com quatro ex-presidentes da República. O repórter tira leite de pedra. Revela os bastidores do exercício do poder imperial de um presidente no Brasil. Um dia nossa Constituição haverá de rever este papel: não temos presidentes; temos imperadores republicanos. Numa comparação com Dom Pedro II, eles saem ganhando de longe. Se Dom Pedro II tivesse 20 mil cargos para nomear apaniguados pelo Brasil afora, a monarquia não teria soçobrado. Ou demoraria um pouco mais.
A República brasileira viveu crises bem mais agudas do que a de 1889 sem que os presidentes do período tivessem que ser depostos ou banidos. O exemplo mais claro corre nos dias de hoje: forças ingentes tudo fazem para evitar que o presidente Lula seja deposto, mesmo à luz de evidências de corrupção que, estivesse o PT na oposição, derrubariam até o Santo Padre!
Devoto da santa
As bombas espocam por todas as páginas. "Itamar Franco não é um homem de caráter", diz o presidente Fernando Collor de Mello de seu vice, antes de citar o ditado: "Vice? Não tê-lo, não sê-lo e, de preferência, não vê-lo". O advérbio de negação foi dispensado de atrair os pronomes para (d)efeito de estilo. "Itamar é uma negativa de que há vida inteligente na Terra", acrescenta Collor.
Num dos diálogos com Margareth Thatcher, depois de propor um deságio de 30% na dívida externa, ouve da Dama de Ferro que não entende a proposta. Collor pensou: "Meu inglês não deve ser tão eficiente". A senhora Thatcher diz: "Deixe-me ver se entendi corretamente. O senhor quer dizer que, por exemplo, o senhor deve 100, mas, em vez de pagar 100, quer pagar 70. É isso?". Respondi: "É exatamente isso". Ela rejeita a proposta e diz: "Se o senhor deve 100, o senhor tem de pagar 100! Podemos discutir como o senhor vai pagar, mas dever 100 e querer pagar 70, negativo! Comigo o senhor não conta!" (pág. 92-93). É um dos melhores momentos do livro.
Quando confiscou a poupança dos brasileiros, Fernando Collor de Mello, que pagará a vida inteira pelo gesto nefando, inspirado por sua ministra Zélia Cardoso de Melo, não contou com uma oposição tão firme. Ninguém no Brasil teve poder e audácia semelhante à da senhora Thatcher para evitar o confisco. E os jornalistas das editoriais de Economia, principalmente na televisão, em sua maioria se limitaram a explicar o funcionamento das medidas, como se fossem auxiliares dos ministérios do Planejamento e da Fazenda.
O presidente José Sarney, da Academia Brasileira de Letras, revela que já escreveu 700 páginas de suas memórias. E que o título do primeiro volume será Testamento para Roseana. Como se sabe, os políticos brasileiros parecem patriarcas de casas dinásticas. Pai presidente, filha governadora, filho deputado etc. E declara sem meias palavras um desapreço pelas biografias de Getúlio Vargas: "As biografias de Getúlio Vargas não são boas" (pág. 59).
Já o presidente Itamar Franco, depois de elogiar o senador Fernando Henrique Cardoso, desce a lenha no presidente Fernando Henrique Cardoso, pondo em destaque que foi o primeiro presidente a fazer FHC ministro. E dele diz: "Fernando mudou muito dos tempos de Senado e de presidente da República", "pensa que inventou a democracia" (pág. 163). E revela ser devoto de Santa Teresinha, a quem credita o "desvirtuamento", pois deixou uma carreira técnica (ele é engenheiro de formação) e foi para a política.
Desdobramentos indispensáveis
De FHC, mostrando decerto sem querer como as coisas mudam, Geneton ouve que ao deixar o governo, depois de passar a faixa a Lula, guardou a frase do novo inquilino do Palácio do Planalto: "Você deixa aqui um amigo" (pág. 204). Imaginemos que não fossem amigos! Ou chumbo trocado não dói?
De todo modo, José Sarney e Fernando Henrique Cardoso revelam ter planos estratégicos para o Brasil. Fernando Collor de Mello e Itamar Franco expõem uma visão esquisita do Estado, como se as grandes questões pudessem ser resolvidas sem uma visão estratégica, à base de acordos, maiorias etc. O que, aliás, Lula tenta fazer agora, com os resultados que todos conhecemos: perto da corrupção de seu governo, o mar de lama de Getúlio Vargas era uma pocinha ali perto do Palácio do Catete, decorrente de um aguaceiro serôdio.
Livro imperdível. Não é oportunista, é oportuno. É bom ensejar aos presidentes entrevistados, todos ainda vivos, que agora comentem os desdobramentos do que cada um deles acha do Brasil e dos outros que exerceram o mesmo poder. Com a palavra, pois, os repórteres, os editores. É livro que merece desdobramentos indispensáveis na imprensa. Nunca os comentários, que também compõem a vida de um livro, foram tão indispensáveis.
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FOLHA DE S.PAULO (03 de setembro de 2005)
ILUSTRADA:
Jornalismo
DOSSIÊ BRASÍLIA - OS SEGREDOS DOS PRESIDENTES
GENETON MORAES NETO
SOBRE O AUTOR: Pernambucano, jornalista desde 1972, escritor de oito livros-reportagens e de entrevistas, é editor-chefe do programa dominical "Fantástico" (TV Globo).
TEMA: Reunião de entrevistas dadas ao autor por quatro ex-presidentes: José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, cujos principais trechos já foram veiculados pelo "Fantástico".
POR QUE LER: Revelações dos bastidores do Planalto, com algumas reflexões sobre aspectos pouco lembrados na política, como a solidão do poder.
EDITORA: Globo. QUANTO: R$ 29 (272 págs.)
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