"AS PAREDES NÃO GUARDAM NADA DA GENTE". SÓ A MEMÓRIA EXISTE. EIS A CONSTATAÇÃO DO POETA FERREIRA GULLAR AO VOLTAR AO CHILE DÉCADAS DEPOIS DE TER TESTEMUNHADO A QUEDA DO PRESIDENTE SALVADOR ALLENDE.
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A GLOBONEWS reexibe neste sábado, às 21:05, na Faixa Acervo, o DOSSIÊ com o poeta Ferreira Gullar. Para quem não sabe: exilado da ditadura brasileira, Gullar desembarcou no Chile, país que vivia uma experiência inédita: pela primeira vez, um presidente socialista era eleito pelo voto do povo. Mas a "primavera chilena" durou pouco: o golpe militar comandado pelo general Pinochet derrubou o governo Allende.
Gullar percorreu os cenários do drama: o Palácio de La Moñeda, a rua onde morou.
Se fosse um cientista político, Gullar faria um tratado sobre o que viu. Se fosse um jornalista, anotaria suas impressões. Se fosse um economista, recitaria números. Mas, felizmente, é um poeta. Preferiu notar que as paredes "não guardam nada da gente". O que existe é a memória - impalpável, mas viva, fascinante e onipresente.
Eis um trecho do que ele nos disse,na entrevista que a Globonews reexibe esta noite, na semana em que o golpe militar do Chile completa quarenta anos:
“Estava lá o mesmo palácio onde Salvador Allende foi assassinado e diante do qual fiquei tantas vezes em manifestações políticas. Não havia mais nada. Era aquele silêncio. Eu, então, senti saudade daqueles tempos. Agora, tudo está tranquilo, mas falta o fogo, a luta pelo mundo melhor e pela transformação! A gente nunca está contente”.
“De repente, estou de novo diante daquele prédio – e não ficou nada do que aconteceu lá. O porteiro que me recebe não sabe quem sou nem sabe que morei ali. A escada é a mesma, os degraus são os mesmos. Mas não têm nenhuma marca de mim ou do que aconteceu. Da mesma maneira que diante do La Moneda, falei assim: mas cadê aquelas coisas que aconteceram aqui ? Cadê a tragédia ? Cadê o drama humano ? Apagou tudo! Por um lado, tudo bem: o Chile agora é muito mais feliz do que naquele momento. Mas é uma coisa contraditória. Porque a gente vê que nós, na verdade, é que carregamos as coisas conosco”.
“Fui ao prédio onde morei, na avenida Providência. Era diferente. Não reconheci. A sensação que dá é essa: as paredes, as ruas não guardam nada da gente. É como se nada tivesse acontecido ! Está tudo em minha cabeça. É tudo memória minha. As paredes, os prédios, as ruas são indiferentes ao que a gente faz, ao que a gente pensou, sofreu e chorou. Tudo se apaga”.
Posted by geneton at setembro 14, 2013 11:48 AM