dezembro 31, 2013

E O "PÁSSARO AZUL" LEVANTA VOO DE NOVO

Trinta e um de dezembro. Cadê aquele post antigo sobre
Bukowski ? Ei-lo, republicado:
Charles Bukowski escreveu versos bonitos e desarranjados, como “os tigres me encontraram / e eu já não me importo”.
Em apenas duas linhas deste poema chamado “Para Jane”, o velho Bukowski descreve o que poderia ser, perfeitamente, o resumo biográfico de quem chegou à idade da razão : sim, um dia os tigres terminam descobrindo nossos mais preciosos esconderijos, as unhas das feras estão roçando permanentemente a porta para forçar a entrada, mas, tudo somado, não vale a pena temê-los.
Ah, o enorme poder de síntese dos escritores de verdade…
A última linha do poema “Consumação do Pesar” é, igualmente, uma bela declaração de princípios : “Nasci para arrastar rosas pelas avenidas da morte”.
Ou: ”Circulo pelas ruas a um passo de chorar/ envergonhado do meu sentimentalismo e possível amor/ Um homem velho e confuso/ dirigindo na chuva/ perguntando-se onde a boa sorte foi parar”.
Bukowski passou a vida cantando a extravagância em textos “sujos” e dilacerados. Se não tivesse morrido de leucemia em 1994, poderia, quem sabe, saudar o ano novo com os versos de “O Pássaro Azul”, o poema que fecha a coletânea “Textos Autobiográficos” (L&PM Editores, com tradução de Pedro Gonzaga).
A cena imaginada: solitário, o poeta estaria envolto numa névoa na mesa dos fundos de um bar decadente de beira de estrada. Nós, leitores silenciosos, lançaríamos um apelo : ok, velho lobo dos bares, renda-se uma vez na vida à alegria tantas vezes estúpida e obrigatória dos dias 31 de dezembro; use a meia-noite como desculpa para soltar o pássaro azul que você diz guardar há tanto tempo no fundo do peito.
Bukowski jogaria sobre a mesa os versos que escrevera num papel já gasto:
“Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo:
fique aí,
quer acabar comigo ?
(…) Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
Eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
Depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro,
não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?”

Posted by geneton at dezembro 31, 2013 12:52 PM
   
   
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