abril 17, 2014

GARCÍA MÁRQUEZ: "OS REDATORES DOS JORNAIS TROPEÇAM COM A SEMÂNTICA, NAUFRAGAM NA ORTOGRAFIA E MORREM DE INFARTO NA SINTAXE"

O grande Gabriel García Márquez morreu, mas tão cedo poderá descansar: dará voltas e voltas no túmulo, diante da quantidade industrial de subliteratura que será escrita sobre ele nos próximos dias, próximas semanas, próximos meses. Assim caminha a humanidade.
( primeira impropriedade: só deveria chamá-lo pelo apelido - "Gabo" - quem fosse realmente íntimo do homem. Todos os outros deveriam tratá-lo como Excelentíssimo Escritor Doutor Gabriel García Márquez. Ah, a falsa intimidade dos apelidos... ).
Um dia disse, ao se referir aos tempos em que não havia ainda trabalhado em redações: "Eu ainda não tinha sido vitimado pelo engodo do jornalismo como ofício".
Por castigo, ao longo da vida terminou virando "vítima" do jornalismo como personagem. Faz poucos dias, mandou dizer aos jornalistas acampados na porta do hospital: "Vão fazer algo útil !".
Tinha horror a dar entrevistas. Uma vez, reclamou de famosa incapacidade de jornalistas de reproduzir com clareza o que ouviram.
Numa conferência, o Excelentíssimo Escritor Doutor García Márquez lamentou:
"Para os redatores dos jornais, a transcrição é uma prova de fogo: confundem o som das palavras, tropeçam com a semântica, naufragam na ortografia e morrem do infarto na sintaxe".
( o texto completo da conferência de García Márquez sobre o jornalismo foi publicado em livro, no Brasil, com o título de "Eu Não Vim Fazer um Discurso").
Em "Viver para Contar", ao falar de um suicida, escreveu que ele "se pôs a salvo dos tormentos da memória".
Eis uma maneira precisa de falar da morte ! Quem morre se salva dos "tormentos da memória" - para sempre.
Ninguém melhor do que o próprio García Márquez para falar da morte de García Márquez.
Poderia - simplesmente - repetir o que escreveu em Viver para Contar, ao lembrar do navio que o levou para longe do lugar onde tinha passado parte da infância. A paisagem sumia, ao longe:
"Contemplei pela última vez as luzes do mundo que eu me dispunha a esquecer sem dor - e chorei à vontade até o amanhecer".

Posted by geneton at abril 17, 2014 12:16 PM
   
   
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