PEQUENA DIVAGAÇÃO SOBRE O JORNALISMO: MANCHETE BOA É A QUE FAZ O LEITOR SE ENGASGAR COM TORRADA NO CAFÉ DA MANHÃ - JÁ DIZIA O ESPECIALISTA INGLÊS
O locutor-que-vos-fala pede a palavra para, na condição de leitor, dar uma de "ombudsman" ( aquele sujeito que dá opinião sobre o que os jornais publicam ).
Depois de quarenta e dois anos pastando de uma redação a outra, desconfio de algumas coisas.
Primeira: as edições "em papel" dos jornais brasileiros, na quase totalidade, não estão sabendo, nem de longe, conviver com a avalanche digital de informações.
A primeira página de três grandes jornais brasileiros deste sábado, dia cinco de julho de 2014, bem que poderiam virar matéria de estudo nos cursos de jornalismo.
O que acontecera na véspera? Um fato traumático, acompanhado por milhões, milhões e milhões de espectadores: o principal jogador da Seleção Brasileira tinha ido parar no hospital, depois de ser atingido por um adversário num jogo de Copa do Mundo. Não é exagero dizer que a notícia correu o planeta em questão de minutos.
Noventa e nove vírgula nove por cento dos torcedores já tinham sido informados, minutos depois do encerramento do jogo, de que Neymar estava fora da Copa do Mundo. A notícia foi dada, repetida, debatida, esmiuçada, lamentada e retransmitida "n" vezes por todas as emissoras de rádio e TV, todos os sites, todos os blogs, todas as chamadas "redes sociais". Não se falava em outra coisa.
O leitor corre para a banca na manhã do sábado.
E o que é que as manchetes de primeira página diziam? "Sem tirar nem por", as manchetes repetiam, literal e mecanicamente, o que cem por cento dos brasileiros já estavam cansados de saber.
A manchete da Folha de S. Paulo dizia: "Brasil vai à semifinal, mas Neymar está fora da Copa".
O Globo: "Neymar está fora da Copa".
O Estado de S.Paulo: "Neymar fora da Copa".
Os jornais de papel anunciavam o que qualquer criança de três anos já sabia "de trás para frente": Neymar "fora da Copa", Neymar "fora da Copa", Neymar "fora da Copa".
Grau de surpresa para o leitor: zero vezes zero vezes zero vezes zero elevado ao quadrado.
Pergunta inocente: é este o papel que se espera dos jornais? Custava fazer uma manchete que avançasse um milímetro ou acrescentasse uma mísera informação nova ao que já se sabia?
O demônio-da-guarda sopra ao pé do ouvido do ombudsman amador uma resposta às duas perguntas: não, não, não.
Conclusão óbvia: as manchetes das edições "em papel" parecem ter sido feitas, sob encomenda, não para o leitor que procura um mínimo de informações novas - mas para um marciano recém-desembarcado no planeta terra ou, quem sabe, para algum náufrago que habitasse, solitário, uma ilha remota, fora do alcance de todo e qualquer sinal de civilização. Ou seja: gente total, completa e absolutamente desinformada.
Um espírito-de-porco diria: se este é o público-alvo, bastaria imprimir dois exemplares: um para o marciano e outro para o náufrago.
Tanto neste caso como em outros, nossos jornais se comportaram, olimpicamente, como se ainda estivessem na era pré-digital ( ou, até, na era pré-TV, o que é ainda mais grave....).
Ninguém precisa ser "especialista" em jornalismo para saber que uma manchete que acrescentasse informações novas ao que já tinha sido exaustivamente divulgado por todas as TVs, todos os sites, todos os rádios, todos os blogs, todos os Facebooks e todos os Twitters do planeta seria mais atraente que a mera e mecânica repetição do já sabido.
Uma definição clássica - aliás - diz que fazer jornalismo é dizer a alguém algo que ele não sabia. Ponto. É simples assim.
Palpite de leitor: o que aconteceu neste sábado mostra que nossos jornais estão repetindo, em manchetes, o que todos já sabiam. Se os jornais fossem um paciente, o médico diria, depois de um suspiro dramático na porta da UTI: "É grave o quadro".
Eis um bom exercício para uma turma de jornalismo: "Vocês têm quinze minutos para escrever, sobre o Caso Neymar, uma manchete "informativa" que não repita,sob hipótese alguma, o que já foi noticiado trilhões de vezes. Agora! Já! Corram para seus terminais!".
( daria para fazer uma lista de dez alternativas: "Fifa pode punir jogador que tirou Neymar da Copa"; "Zagueiro que tirou Neymar da Copa diz que lance foi "normal"" etc.etc.etc.).
Um jornalista inglês chamado Peter Batt, figura que virou "lenda" na Fleet Street, dizia que manchete boa é aquela que faz o leitor se engasgar com a torrada no café da manhã.
Não por acaso, a imprensa britânica ( e aí se incluem jornais, rádio e TV) dá de mil a zero na nossa. That´s life.
O "ombudsman" amador dá por encerrada esta pequena investida.
Mas não quer ir embora sem dizer que nosso jornalismo, em geral, não parece interessado em provocar saudáveis engasgos de espanto em quem o consome.
Engasgos ! Engasgos ! Pelo amor de Deus! É o que o leitor, o telespectador e o ouvinte pedem.
Não é muito.
O velho Paulo Francis já dizia: "Nossa imprensa: empolada, previsível, chata. Meu Deus, como é chata!".
Faz dezessete anos que - desgraçadamente - Paulo Francis saiu de cena.
O diagnóstico não envelheceu.
Posted by geneton at julho 5, 2014 01:07 PM