JORNALISTA PASSA A VIDA FALANDO DOS OUTROS. QUE TAL SE ELES OLHASSEM PARA O PRÓPRIO JORNALISMO? O CATÁLOGO DE HORRORES É EXTENSO...
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A quem interessar possa: dia 22, terça-feira, às 19h, no Midrash
( rua General Venâncio Flores, 184 - Leblon ), haverá uma sessão especial de um filme que, oportunamente, discute o papel do Jornalismo: "O Mercado de Notícias" - com a presença do diretor Jorge Furtado e "intervenções" do locutor-que-vos-fala.
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O cineasta Jorge Furtado resolveu fazer um documentário sobre jornalismo. Resultado: o filme "O Mercado de Notícias". Já premiado em festivais, o documentário chega aos cinemas nas próximas semanas mas, antes, haverá esta sessão especial, aberta aos interessados.
O "elenco" do filme é formado por treze jornalistas que falam - exclusivamente - sobre o jornalismo, o que não deixa de ser saudável. Jornalistas - afinal - passam a vida falando dos outros. Que tal falar publicamente sobre as entranhas do próprio jornalismo? .
A lista de "depoentes": Paulo Moreira Leite, Mino Carta, Jânio de Freitas, Raimundo Pereira, Renata Lo Prete, José Roberto Toledo, Bob Fernandes, Cristiana Lôbo, Fernando Rodrigues, Luis Nassif, Leandro Fortes, Maurício Dias e o locutor-que-vos-fala ( aproveito para agradecer ao diretor Jorge Furtado a lembrança do meu nome entre as feras convocadas a depor no documentário ).
O projeto Mercado de Notícias não se esgota no lançamento do documentário. Os depoimentos serão publicados, um a um, em "versões estendidas", neste site:
http://www.omercadodenoticias.com.br/entrevistas/
Sem falsa modéstia, o convite para participar do documentário me surpreendeu. Minhas relações com o jornalismo são, para dizer o mínimo, acidentadas. Com o passar dos anos, descobri, para eterno espanto, que o maior inimigo do jornalismo é o jornalista - especialmente, quando ele abandona o entusiasmo e a ingenuidade do início da carreira para se transformar num "matericida" ( ou seja: um "derrubador de matérias", figura conhecidíssima em todas as redações do planeta. Um dia, tentarei fazer uma lista dos crimes de lesa-jornalismo que já testemunhei. A lista pode, quem sabe, ser útil às almas ingênuas que se iniciam na profissão ).
Não tenho, nunca tive, jamais terei a pretensão de ser "autoridade" no assunto jornalismo. Com toda sinceridade, digo que, entre outras coisas que me faltam, há uma, básica: interesse. Há coisas infinitamente mais interessantes e mais importantes que o jornalismo a clamar por nossa atenção - como, por exemplo, a literatura, o cinema, a música, a poesia, o futebol, as crianças, a agricultura, a astronomia, a pecuária, a engenharia, a arquitetura, as borboletas, as formigas, os monumentos, as jaguatiricas, os coelhos, as videntes e as tartarugas. A lista daria para encher dez volumes de enciclopédia.
Mas....desde que não seja ridiculamente pretensioso e desde que saiba se enxergar - para não causar o vexame habitual diante das visitas -, o jornalista pode, claro, fazer coisas honoráveis e, eventualmente, importantes. Ou seja: o jornalismo pode ser fascinante, sim, para quem o exerce e para quem o consome. Se eu não pensasse assim, não teria passado tanto tempo nesta joça.
( por ora, aliás, estou "dando um tempo" da profissão. Devo voltar depois do intervalo, porque, a essa altura, sou uma pré-múmia cinquentenária: já não haveria tempo útil para estudar Medicina, por exemplo ).
Estou cem por cento convencido de que a pretensão descabida é a doença infantil do jornalista. É risível. Lástima, lástima, lástima.
Sem qualquer pretensão, portanto, tentei dizer, no depoimento a "O Mercado de Notícias", duas ou três coisas que fui aprendendo ao longo destas quatro décadas pastando entre uma redação e outra.
Tentei passar adiante o que consegui aprender, por exemplo, sobre uma atividade básica do jornalismo - a entrevista. O que dizer de uma das grandes pragas do jornalismo - a "entrevista-vôlei", aquela em que o entrevistador passa o tempo todo levantando a bola para o entrevistado? Fiasco, fiasco, fiasco. A chance de uma entrevista assim extrair alguma informação que seja útil ao leitor/ouvinte/telespectador é de zero vezes zero vezes zero. A entrevista, como sabe, deve ser instrumento de prospecção e de revelação sobre o entrevistado - jamais de congratulação.
E que tal as entrevistas em que o entrevistador, em vez de fazer perguntas, fica fazendo afirmações? "O horror, o horror, o horror" - diria o personagem de Marlon Brando em Apocalipse Now, com a cabeça baixa enterrada nas mãos, num sinal de desconsolo. Papel do jornalista não é ser cúmplice do entrevistado! O jornalismo deveria ter um Ato Institucional decretando o seguinte: repórter - seja ele de jornal, rádio, TV, site, o que for - só deve abrir a boca diante do entrevistado se for para fazer pergunta. É obrigatório um ponto de interrogação ao fim de cada frase. Revogam-se as disposições em contrário. Ponto. Parágrafo.
Em suma: o jornalismo, em tese, poderia ser uma atividade simples e fascinante. Poderia, sim, porque é tão somente a arte de passar adiante - da maneira mais fiel e mais atraente possível - o que se viu e ouviu.
É pena que, na vida real, o que poderia ser simples e fascinante pode virar algo chato e cinzento na mão de burocratas matericidas.
Minha grande e inútil luta é para não perder o entusiasmo e a ingenuidade do início da carreira. É uma batalha perdida, claro, porque o poder de fogo dos matericidas sempre foi devastador - mas, se houver disposição, há algo divertido a fazer: morrer atirando.
Posted by geneton at julho 15, 2014 12:36 PM