O REBELDE DE PARIS DE 68 NAVEGA NA NOITE DO LEBLON: "O FUTURO É UMA HISTÓRIA EM ABERTO. NÃO FOI ESCRITO AINDA".
Acabou. Já era. C´est fini. Bye, bye, 68.
Ao participar de um debate esta noite, na Livraria da Travessa, no Leblon, um dos grandes líderes da rebelião dos estudantes de maio de 68 em Paris, Daniel Cohn-Bendit, foi logo dizendo, em inglês, o que pensa daqueles tempos: "It´s over, baby!". Era um aviso prévio de que não estava ali para encenar uma Sessão Nostalgia.
Sem renegar o que já fez, o Cohn-Bendit de 69 anos faz uma revisão crítica: diz que aquela "revolta contra o autoritarismo do capitalismo" tinha como um dos modelos....Mao-Tsé-Tung, o líder chinês, símbolo de um regime extraordinariamente autoritário. Em meio às barricadas de maio, Cohn-Bendit não se alistava, aliás, entre os militantes da esquerda ortodoxa: declarava-se parte de um grupo "anarquista libertário".
1968, para ele, "foi um momento importante - mas deve ser esquecido. Aquilo foi, sim, um grande momento da minha vida. Mas, se aquele tivesse sido o único grande momento, minha vida teria sido terrível. Tínhamos, em 68, o sentimento de que a revolução tinha chegado. Aquilo seria o ponto de partida de uma revolução moderna. E este é o grande mito que perdura sobre 1968".
Bendit tratou de percorrer outros caminhos. Não ficou no saudosismo de maio: virou militante verde, cumpriu vários mandatos no Parlamento Europeu. Agora, deu por encerrada suas atividades parlamentares.
Hoje, ele se declara contra a "economia de Estado" - que não dá espaço para a sociedade - e a favor da "economia de mercado". Mas faz logo a ressalva: "O que a gente vê, no entanto, é a "religião do mercado" e a "religião do Estado". Somos contra religiões! O grande problema é a desigualdade. Há, aliás, uma desigualdade natural: as pessoas não são iguais! O grande debate que deve ser feito é sobre como se pode controlar a desigualdade no capitalismo".
O rebelde de 68 deu exemplos de como contradições e surpresas pontuam o avanço da História. Relembrou os tempos em que ocupou um cargo na prefeitura de Frankfurt. Numa reunião, discutia-se a necessidade de reduzir o número de automóveis particulares, em nome do equilíbrio ecológico. Um imigrante turco levantou a mão para confessar, meio desolado: "Nós viemos aqui para poder ter um carro...E vocês vêm me dizer que não devo ter um!".
Bendit tratou do Brasil: "Se, antes das protestos de junho do ano passado, alguém dissesse que haveria grandes manifestações de massa, seria considerado louco. Mas foi o que aconteceu. Depois, todos disseram que haveria uma onda de protestos de todo tipo durante a Copa. E não aconteceu nada".
O ex-estudante que incendiou corações e mentes na Paris de 68 compara o movimento da história ao movimento das marés. Há momentos de "maré baixa" - como o de agora.
Feitas as contas, é ilusão achar que se pode prever o movimento das ondas da História . Bendit dá um exemplo. Diz que nasceu em 1945. Se tivesse a capacidade de falar ao nascer e dissesse aos pais que dali a cinquenta anos "não haveria o menor risco de uma guerra entre França e Alemanha", seria tido como "louco". Mas foi o que aconteceu. Como qualquer criança sabe, nada é tão remoto, hoje, quanto um conflito franco-alemão fora dos estádios de futebol.
Neste périplo pelo Brasil, para filmar um documentário "on the road" durante a Copa, Bendit disse que esteve num acampamento do MST "radical e guevarista" na Bahia. Um observador ingênuo imaginaria que os militantes - por exemplo - boicotariam a Copa. Que nada: "Todos vestiam a camisa da seleção brasileira", disse ele. "Torceram bastante pela França contra a Alemanha. Queriam que a França jogasse contra o Brasil, porque,assim, os brasileiros teriam a chance de vingar a derrota sofrida na final da Copa de 98...".
E a famosa "imaginação no poder"? Bendit reconhece, hoje, que "quem quer o Poder deve estar pronto para assumir um certo autoritarismo. Se eu fosse presidente da República, certamente seria um cretino - como François Hollande" - disse, entre risos.
Depois de ter tido tantas surpresas, ele não se arrisca a fazer previsões, é claro:
"O futuro é uma história em aberto. Não foi escrito ainda" - declarou, solene, no relançamento da edição de bolso de "Os Carbonários", relato de Alfredo Sirkis sobre os "anos de chumbo" brasileiros.
Termina aqui a edição extra desta anotações facebookianas.
Como diria Cid Moreira, "boa noite".
Posted by geneton at julho 15, 2014 12:31 PM