julho 19, 2014

AH, JORNALISMO, QUANTOS PECADOS SE COMETEM EM TEU NOME! ( PEQUENO DEPOIMENTO DO MALABARISTA QUE VIU OS PRATOS SE QUEBRAREM - UM A UM - MAS, NO FIM DO ESPETÁCULO MAMBEMBE, REPETE ALIVIADO O VERSO DA MÚSICA MAIS BONITA DOS ROLLING STONES: "VOCÊ NÃO PODE DI

E coube a um cineasta - o gaúcho Jorge Furtado - a nobre tarefa de propor um debate público sobre o jornalismo!
Depois de descobrir uma peça inglesa que, no século XVII, já retratava o papel que o jornalismo pode exercer, Furtado caiu em campo: resolveu encenar o texto diante das câmeras. Colheu, também, depoimentos de treze jornalistas.
Já premiado em festivais, o filme "O Mercado de Notícias" chega às telas nas próximas semanas. Haverá uma sessão especial nesta terça-feira, dia 22, às 19h, no Midrash ( rua General Venâncio Flores, 184 - Leblon ). O diretor estará presente. O locutor-que-vos-fala participará de uma conversa com ele sobre como foi feita a expedição aos bastidores do jornalismo.
O projeto não se esgotará no lançamento do documentário. Furtado criou um site - em que serão postadas, aos poucos, versões estendidas dos depoimentos dos jornalistas entrevistados: Mino Carta, Jânio de Freitas, Paulo Moreira Leite, Raimundo Pereira, Renata Lo Prete, José Roberto Toledo, Bob Fernandes, Cristiana Lôbo, Fernando Rodrigues, Luis Nassif, Leandro Fortes, Maurício Dias e o locutor-que-vos-fala. São experiências de vida, pontos-de-vista variados, propostas de debate:
http://goo.gl/fcMRTL

O material ficara lá, acessível a quem estiver interessado em discutir a profissão. Lamento profundamente informar que são poucos, pouquíssimos os jornalistas que se dão ao trabalho de avaliar, discutir, criticar o exercício do jornalismo.
( Pausa para uma pequena conclamação: novatos, o que vocês estão esperando? Não repitam os pecados de seus antecessores! Não pensem que discutir o jornalismo é sinal de "pretensão". É exatamente o contrário! Talvez valha a pena usar seus neurônios para discutir criticamente o jornalismo e, assim, salvar a profissão !).
Um bom ponto de partida pode ser aquele diagnóstico de Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Meu Deus, como é chata!".
O meio-ambiente jornalístico, como se sabe, é envenenado por uma série de tabus. Um - que parece banal, mas não é : qualquer crítica é tida como ofensa pessoal. A vaidade, como se sabe, não tolera reparos.
( Tenho certeza de que, se conseguisse chegar ao céu, a primeira coisa que um jornalista diria a Deus seria o seguinte: " É melhor o Senhor ir para outra freguesia. Isso aqui é pequeno demais para nós dois!". A cena, no entanto, é improvável. Se houvesse justiça divina, os jornalistas seriam liminarmente barrados na entrada, é claro ).
A iniciativa de Furtado é louvável. O ponto de partida do documentário é este: e se o Jornalismo - por um instante - parasse de olhar para os outros e resolvesse se encarar no espelho? Certeza: haveria pouca beleza na paisagem.
Ao contrário do que acontece em outras áreas de atividades,
jornalistas não costumam discutir publicamente as suas próprias "mazelas" . A lista é grande.
Há as mazelas "folclóricas": a vaidade descabida, a ilusão de grandeza, a pretensão risível dos que se julgam mais importantes que a notícia etc.etc. A esse respeito, há uma boa frase, atribuída a Evandro Carlos de Andrade, ex-diretor do Globo e da TV Globo: "Se Deus entrasse na redação, iria se sentir humilhado". E há também as mazelas que devem ser discutidas a sério: a patrulhagem ideológica - que sempre existiu, existe e existirá ( há jornalistas que se recusariam a entrevistar Gerge Bush, porque ele é um direitista delirante que invadiu o Iraque, assim como há jornalistas que se recusariam a entrevistar Fidel Castro porque ele foi um jurássico ditador comunista. Se tivesse, eu pagaria um milhão de guaranis pela chance de entrevistar os dois ).
E o que dizer dos burocratas profissionais que passam a vida "derrubando matérias" e jogando no lixo reportagens, personagens e histórias que, com cem por cento de certeza, interessariam ao pobre do leitor, ouvinte ou telespectador que, neste momento, toma um cafezinho no balcão do bar? Assim é feito o Jornalismo! Poderia fazer uma lista.
Sempre foi assim: os maus jornalistas fazem jornalismo para os outros jornalistas. Resultado: uma catástrofe. Os bons pensam, em primeiríssimo lugar, no leitor, no ouvinte, no telespectador, no internauta. Os maus jogam notícia no lixo - sistematicamente. Atravessam os anos suspirando de tédio: "Isso não interessa". Os bons queimam os neurônios para descobrir qual é maneira mais atraente e mais fiel de descrever o "grande espetáculo" que, neste exato momento, acontece nas ruas, nos estádios, nos morros, nas avenidas, nas favelas, nos palcos, nos aeroportos, nas florestas, nas fronteiras, nos sertões - longe das redações, portanto.
A vida real é mil vezes mais interessante que a vida nas redações. Por que diabo as redações não tentam retratá-la com devoção, com entusiasmo, com clareza, com interesse? Eis aí - talvez - uma das causas da "crise".
E também: falta variedade política e ideológica à nossa imprensa? Falta, sim.
Eu preferiria nem me ocupar de jornalismo. Chega. Basta. Já deu. Bye,bye, Gutenberg. Adiós, McLuhan. Hasta la vista: nós nos vemos em outra encarnação. Não vale a pena ficar tentando enxugar o leite derramado. Não vale a pena ficar lamentando a assustadora incompetência de editores que acrescentaram informações erradas às matérias que você enviou para a redação ( tenho uma lista - indesmentível - com datas e locais dos crimes. ). Não vale a pena ficar lamentando as horas e horas e horas e horas de trabalho perdidas para fazer coisas que foram jogadas no lixo & etc.etc.etc..
Há coisas muitíssimo mais interessantes que o jornalismo implorando por nossa atenção. Mas....não consigo ficar cem por cento indiferente a uma atividade que consumiu tanto de minha ingenuidade, meu tempo, minha ilusão. Lá se vão quatro décadas desde que, "inocente, puro e besta", como na letra do bolero, pisei pela primeira vez no solo de uma redação, na cidade do Recife.
Agora é tarde para fazer de conta que não tenho nada, absolutamente nada a ver com o circo. É claro que tenho.
Sou aquele malabarista que, num espetáculo mambembe, joga os pratos para o alto e não consegue ampará-los de volta. Um a um, eles vão se despedaçando no chão . Os cinco espectadores que se dispuseram a pagar ingresso se entreolham, em silêncio. O malabarista agradece a atenção dispensada, faz de conta que não aconteceu nada de errado e deixa o palco, discretamente.
De qualquer maneira, é bom poder repetir, com alívio, a essa altura do campeonato, o verso de Angie, a música mais bonita dos Rolling Stones: "Você não pode dizer que a gente não tentou":
http://goo.gl/TZwXsT

Posted by geneton at julho 19, 2014 12:22 PM
   
   
Copyright 2004 © Geneton Moraes Neto
Design by Gilberto Prujansky | Powered by Movable Type 3.2