OLHE-SE NO ESPELHO. REPITA EM VOZ BAIXA, TODO DIA DE MANHÃ: "PATÉTICO, PATÉTICO, PATÉTICO!" (OU: "PATÉTICA, PATÉTICA, PATÉTICA!" ). NÃO EXISTE MELHOR MANEIRA DE COMEÇAR O DIA!
O grande repórter Joel Silveira é que contava: uma vez, estava na redação, diante da máquina de escrever, entregue à tarefa de ordenar com graça e leveza sujeitos, verbos e predicados num pedaço de papel em branco.
Dedilhava o teclado da Remington jurássica com ar grave, como se estivesse descrevendo a volta de Cristo. De repente, Nélson Rodrigues para diante de Joel, fica observando a cena em silêncio e pronuncia apenas uma palavra, antes de sumir do mapa:
- Patético!
Joel - que nunca foi fanático por Nélson Rodrigues - me contava a história com ar de quem, no fim das contas, décadas depois, terminou concordando com a exclamação rodriguiana.
Noventa e oito vírgula oito por cento dos jornalistas são exageradamente pretensiosos. Não falo da pretensão saudável de quem sonha em fazer algo importante. Falo da pretensão descabida.
Já vi em redações nulidades semi-analfabetas empinarem o nariz ou falarem de seus pretensos feitos jornalísticos como se estes fossem a Sétima Maravilha do Mundo. São lixo em estado bruto. Já vi sabichões destroçando o trabalho alheio com intervenções incompetentes. Já vi ególatras apunhalando pelas costas supostos concorrentes. Já vi criaturas de caráter tíbio negarem diante de monstros o que tinham dito meia-hora atrás.
Um dia, quando estiver auto-exilado num bairro cinzento da Europa Ocidental, a dois passos de um bom crematório, ou habitando uma ruela sem saída no município de Solidão, no sertão de Pernambuco, entregue ao Grande Exercício do Silêncio Absoluto, darei nomes aos bois. Ou pelo menos as iniciais. Ou, na pior das hipóteses, vagas referências. ( aliás: pode existir nome mais bonito de cidade do que Solidão? Ah, meu Recife de nomes de ruas bonitos: rua da Saudade, rua do Sol, rua da Aurora, já cantadas pelo grande poeta Manuel Bandeira. Ah, meu Pernambuco de nomes de cidades bonitos: Solidão, Santa Maria da Boa Vista, Triunfo....).
De volta ao chão do mundo real: o androide do filme Blade Runner diz: "Eu vi coisas em que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na comporta Tannhauser. Todos estes momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva". (transcrevo a citação feita no prefácio de um belo livro: "Lágrimas na Chuva", escrito por Sérgio Faraco).
É por aí: o que não se conta se perde. Ponto. A fascinação do Jornalismo é esta: a chance de contar o que - de outra forma -
estaria perdido.
Salvar da perdição as histórias, palavras e cenas que a gente ouve de personagens anônimos ou famosos: eis o que me anima a fazer tantas entrevistas - em vez de ficar nos corredores das redações maldizendo os horrores da profissão. Dá trabalho. Sempre deu. Mas vale a pena. Faz de conta que vale.
O problema é que há lições primárias que nem todo jornalista se anima a seguir - por cegueira. A prudência recomenda que a gente ouça a voz da sabedoria - virtude que só se obtém com a experiência. É o caso de Joel Silveira, sábio em jornalismo.
Ouçamos o que o autoproclamado dinossauro nos dizia. A cena que Joel descreve deixa uma lição. O melhor antídoto contra o vírus da pretensão descabida é o seguinte: todo dia, logo pela manhã, encare o espelho e repita três vezes, em voz baixa:
- Patético, patético, patético!
Ou :
- Patética, patética, patética!
Cumprida esta tarefa, você estará pronto (ou pronta) para encarar saudavelmente o planeta, sem se julgar maior do que é nem cair na armadilha da pretensão descabida. A receita da felicidade profissional é simples assim.
Socorro! Acabo de me transformar num sub-consultor de autoajuda.
Mas esta veleidade só durou um parágrafo - o anterior. Declaro, aqui, definitivamente encerrada minha carreira de conselheiro.
Apenas digo: crianças e dinossauros, nunca se esqueçam de repetir três vezes a palavra mágica diante do espelho.
Não existe nada melhor nem mais honesto.
Posted by geneton at agosto 28, 2014 01:33 PM