LEMBRANÇAS SOLTAS DO VERÃO DA ANISTIA EM PERNAMBUCO. UM MENINO DE QUATORZE ANOS ESPERAVA PELA VOLTA DO AVÔ - MIGUEL ARRAES
Julho de 1979. Repórter da sucursal do Recife do jornal o Estado de S.Paulo, o locutor-que-vos-fala faz, para a revista Istoé, uma reportagem especial sobre os preparativos para o retorno do mais célebre dos exilados pernambucanos: o ex-governador Miguel Arraes de Alencar. Fui à casa do escritor Maximiano Campos, na rua Conde de Irajá, no bairro da Torre, para ouvi-lo sobre o grande dia - que se aproximava. Maximiano era genro de Arraes.
Ficara decidido que, assim que desembarcasse no Recife, o ex-governador iria para a casa de Maximiano - escolhida como cenário da primeira e concorridíssima entrevista coletiva que Arraes daria em solo pernambucano.
Já conhecia Maximiano - romancista, poeta, contista, irmão de um cronista brilhante chamado Renato Carneiro Campos. Escaldado com a hostilidade da imprensa, Maximiano me sussurrou, com aquele ar meio desconfiado: "Tomara que a matéria não seja contra o Velho....". Não era. A reportagem pretendia retratar a enorme expectativa gerada - com razão - pela volta de Arraes a Pernambuco, nas asas da anistia.
Uma foto da família foi tirada para ilustrar a reportagem. Um filho de Maximiano e Ana Arraes assistia à movimentação com olhos claros e atentos. A legenda da foto, publicada na edição de primeiro de agosto de 79 na ISTOÉ, identifica o menino de quatorze anos - neto de Arraes. Chamava-se Eduardo Campos. Deve ter sido a primeira "notícia" sobre ele. Quem sonharia que um dia ele se candidataria a presidente da República?
O próprio Arraes chegaria a ser citado como possível candidato a presidente. Terminaria reconduzido, por duas vezes, pelo voto direto, em 1986 e em 1994, para a mesmíssima cadeira de onde tinha sido retirado pelo golpe militar.
Eduardo Campos viraria herdeiro político do ex-governador. Fez o que se chama de "carreira meteórica". Estava na pista apostando em voos altíssimos - que poderiam levá-lo, provavelmente em 2018, ao Palácio do Planalto - até que embarcou naquele Cessna Citation, prefixo PR AFA, às 9:20 do dia treze de agosto de 2014 no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.
PS: Miguel Arraes voltaria ao Recife no dia dezesseis de setembro de 1979. O pequeno avião que o trouxe do Crato pousou na pista do aeroclube, na zona sul do Recife, às 10:55 da manhã. Era um domingo. Os que o esperavam invadiram a pista - temerariamente. Poderia ter ocorrido um acidente - mas o entusiasmo era maior.
A cena foi emocionante: quando saiu do avião, Arraes ergueu o braço direito num primeiro aceno para aquela aglomeração de parentes, amigos, ex-auxiliares, gente que ele não via desde que fora obrigado a deixar o país, enxotado pelos militares que o derrubaram. Logo depois, começou a chuviscar naquele domingo pernambucano..
Ouvi claramente quando - com lágrimas nos olhos - Arraes repetia aos amigos que o abraçavam depois de quinze anos, ao pé da escada do avião: "Não chore! Não chore! Isso não é hora". A frase abria a reportagem que fiz para o jornal do dia seguinte. "Não chore. Isso não é hora".
Posted by geneton at novembro 27, 2015 01:38 PM