setembro 29, 2014

A PEDIDO DE UM GRUPO DE ESTUDANTES, DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - 1

Fui procurado por alunos do curso de Jornalismo da Faculdade do Povo ( São Paulo ). Estavam fazendo entrevistas com trinta repórteres brasileiros. Queriam reunir, em livro, experiências que pudessem ser úteis aos estudantes. Sempre que alguém me pede um depoimento deste tipo, minha primeira reação é perguntar, sinceramente: "Quem? Eu? Pelo amor de Deus!". Mas....termino me rendendo, intimamente, a um argumento: por que não passar adiante, para os que se iniciam na profissão, coisas que a gente viu, ouviu e tentou aprender pelo caminho afora? Qual é o problema? É a "vida aos outros legada" - de que falava o belo poema de Carlos Drummond de Andrade. Sempre achei risível a pretensão descabida de jornalistas que se julgam mais importantes do que realmente são - mas juro solenemente, em nome de Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, que não é o meu caso. Feita esta ressalva, encarei o questionário.
( O depoimento, colhido pelas alunas Jessyca Tamyres dos Santos e Daniela Gualassi, virou um extenso capítulo de um livro, organizado pela professora Patrícia Paixão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", a partir de hoje - como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro ) :


Gravando!
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Você é formado em Jornalismo, mas já trabalhava na área quando começou a faculdade. Sentiu alguma diferença entre teoria e prática?
GMN: "Quando comecei o curso de Jornalismo, na Universidade Católica, já tinha experiência em redação, porque comecei a trabalhar no Diário de Pernambuco dois anos antes de fazer vestibular. Mas alguns professores não tinham esta experiência. Usavam, por exemplo, livros europeus sobre jornalismo que traziam organogramas que simplesmente não existiam nos jornais locais, como o próprio Diário.
Eu chegava ao jornal pelas duas horas da tarde. Recebia das mãos do chefe de reportagem as pautas e saía com o fotógrafo na Kombi de reportagem. Voltava para a redação no final da tarde e escrevia tudo correndo. A prática era assim, bem diferente da teoria que eu ouvia na sala de aula.
Sempre quando me perguntam sobre a necessidade de diploma de Jornalismo, digo que ninguém ficou mais burro por estudar. Vá fazer faculdade, então! O que deve ser discutido é a natureza do que se ensina na faculdade. Porque, em alguns casos, em seis meses numa redação você aprende mais do que em quatro anos numa faculdade. Talvez pudesse ser criada uma especialização de um ano. Um estudante de Medicina, para aprender a operar, tem de passar cinco anos na faculdade. Agora, para informar que “a presidente Dilma Rousseff assinou ontem um convênio no Recife para evitar enchentes”, não é preciso tanto tempo assim. Pelo amor de Deus, não é!
A técnica jornalística é simples. Depois de tantos anos frequentando redações, digo o seguinte: os jornalistas mais qualificados são os que investem por conta própria em si mesmos. Saiu a coletânea de textos de Paulo Francis, por exemplo? Encontrou os livros de Gay Talese? As reportagens de Joel Silveira? Uma antologia de Rubem Braga? As matérias de Elio Gaspari ? Vá lá, compre e leia. Tenha curiosidade. Garimpe na Internet. Vá ver o filme Todos os homens do presidente [de Alan Pakula]. Não dá para ficar esperando sentado as coisas caírem no colo. Não espere que o planeta vá ficar dando tapinhas de reconhecimento nas suas costas. Pelo contrário. Aliás, é preciso aprender a conviver também com a rejeição profissional. Faz parte do circo. Já vi matérias minhas serem jogadas no lixo em série, uma atrás da outra. Já fui profissionalmente assassinado por editores.
Estou usando uma linguagem de tabloide sensacionalista inglês para dramatizar uma situação, mas é verdade: já fui profissionalmente assassinado. Fui abatido a tiros "n" vezes. Minha relação com o Jornalismo, então, é totalmente acidentada. Pode soar pretensioso, mas não é: prefiro ser um dissidente. Em qualquer situação, não apenas no Jornalismo, sempre preferi os dissidentes, os outsiders, os rejeitados. Em 98% dos casos, são mais interessantes do que os "aderentes". Viva a dissidência!
Se ser Jornalista é jogar notícia no lixo, estou fora. Não me enquadro neste “universo mental”. Prefiro imaginar, ingenuamente, que o jornalismo pode ser vívido, interessante, luminoso. Não há assunto desinteressante. O que há são maneiras desinteressantes de contar o que aconteceu. Ou seja: desinteressante é o jornalista. Não é a vida. Se eu pudesse escolher e se ainda houvesse tempo, talvez, até, eu preferisse criar cabras em Santa Maria da Boa Vista. Mas, feitas as contas, eu sei, no íntimo, lá no fundo, que, a essa altura do campeonato, minha maneira de fazer algo minimamente útil é exercer o jornalismo com devoção. Quando eu sentir a tentação de virar um burocrata derrubador de matéria, aí sim, prometo sair de cena, desaparecer do mapa e pegar o primeiro ônibus para Santa Maria da Boa Vista. Nunca estive em Santa Maria, mas o nome, pelo menos, é bonito".

Percebemos que o Geneton da TV é diferente do Geneton que escreve. Como é essa relação entre as duas mídias?
GMN: "É completamente diferente. Não estou fazendo charme, mas não sou uma pessoa de televisão. Não sou mesmo. Nunca fui e nem quero ser. Há até uma incompatibilidade física. Sou a figura menos “fotogênica” do mundo (é um eufemismo para dizer: bicho feio desgraçado!). Não falo para a câmera. Falo para o entrevistado. Não consigo narrar um texto com naturalidade. Prefiro, claro, usar as belas vozes de Sérgio Chapelin ou Cid Moreira para ler os textos que escrevo. Neste sentido, entendo quando, em TV, coisas que fiz foram para o lixo. Sou uma coleção ambulante de impropriedades televisivas. Considero-me, definitivamente, um jornalista de imprensa escrita. Quando digo “escrita” estou falando de livro, jornal, revista, blog, seja o que for. Eu me sinto mais à vontade escrevendo textos. Talvez a TV tenha suprido a minha frustração de não ter feito cinema. Tento, então, em TV, fazer uma câmera, uma luz, um enquadramento diferenciado. Dirijo-me ao entrevistado e não ao público, o que é um absurdo, porque eu deveria em algum momento me dirigir aos telespectadores, mas não sei. Sem falsa modéstia: não é meu veículo".

Você teve uma experiência em Paris estudando cinema. Como isso influenciou diretamente seu trabalho?
GMN: "Nessa época, eu trabalhava na sucursal do Estadão no Recife. Estava bem. Era solteiro. Tinha “casa, comida e roupa lavada”. Ainda assim, resolvi pedir demissão e ir para Paris. Pensava em passar três meses. Terminei me matriculando em um curso de cinema, uma espécie de pós-graduação na Universidade de Paris I-Sorbonne. Mas vi que não tinha vocação acadêmica para aquilo.
Fiz um projeto de tese intitulado Cinema e subdesenvolvimento: o caso brasileiro, nome bem pomposo. A ideia era discutir como o Brasil, um país subdesenvolvido, poderia criar um cinema esteticamente desenvolvido, como o Cinema Novo, por exemplo. A tese foi aceita. Eu, como “bom selvagem” vindo do Terceiro Mundo, tinha, claro, aquela ânsia de filmar logo, pegar uma câmera, tentar ingenuamente abalar as telas com meus filmecos de curta-metragem. Mas esbarrava nos professores franceses, com aquela coisa teórica demais na sala de aula. O professor começava com Aristóteles, Platão, até chegar num take de Hitchcock [cineasta inglês Alfred Hitchcock] . Vi que não teria paciência para aquilo. Frequentei só o primeiro ano.
Uma coisa marcante foi o encontro com Glauber Rocha. Meses antes de morrer, ele foi a Paris fazer uma exibição privada do filme A Idade da Terra para os críticos franceses. Um amigo meu, que também estudava cinema, Marcos de Souza Mendes, perguntou a Glauber se poderia ir à exibição do filme. Quis saber se poderia levar mais alguém, um amigo estudante de cinema. Era eu. Glauber disse que sim. Quando chegou o dia da exibição, lá estávamos nós, os dois brasileiros que estudavam cinema em Paris. Duas cenas foram inesquecíveis. A primeira cena foi Glauber Rocha falando em voz alta, em francês, no hall do cinema, com aquele sotaque nordestino: “Eis aqui a juventude brasileira estudando cinema em Paris!”. E aqueles críticos de cinema francês olhando pra gente. Quando acabou a exibição, dentro da sala, Glauber se virou para nós, ficou tocando o dedo indicador da mão esquerda no dedo indicador da mão direita e perguntando: “Fizeram as ligações? Fizeram as ligações?”. Queria saber, na certa, se a gente tinha entendido o que um filme radical como Idade da Terra poderia significar como ruptura da linguagem cinematográfica. Só este dia já valeu a viagem para Paris. A contribuição do cinema para a minha carreira jornalística foi no sentido de tentar ser original na hora de captar uma imagem. É uma influência indireta da experiência toda que vivi em Paris".

Você já foi editor-chefe, mas sempre deu um jeito de exercer a função de repórter. Assim como o Joel Silveira, você faz opção pelo “mundo exterior”?
GMN: "As experiências que a gente tem no início da carreira marcam pelo resto da vida. Assim que entrei no Diário, fui fazer reportagem. Meu lugar, como repórter, era na rua. Se tivessem me escalado para fazer outra coisa, provavelmente, hoje eu seria um editor, por exemplo. Mas, desde então, para mim, jornalismo virou sinônimo de reportagem. Tudo que eu fiz fora da reportagem considero como enorme perda de tempo. Fui um dos poucos casos de jornalista que “rasgou dinheiro” - por abrir mão de cargo de chefia. Não tinha nem tenho vocação nenhuma para ser chefe. Mas me ofereceram cargos de chefia. Já fui editor-chefe do Fantástico por anos, por exemplo, mas não me interessa ser chefe. Meu negócio é ir para a rua, entrevistar alguém. Ficar numa redação trancado, discutindo o futuro da humanidade? Never. Estou fora!".

Posted by geneton at setembro 29, 2014 01:06 PM
   
   
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