"ASSIM TE LEVO COMIGO, TARDE DE MAIO": PEQUENO INFORME SOBRE VERSOS QUE A GENTE DEVE CARREGAR PELA VIDA
Faz tempo, perguntei ao poeta Ferreira Gullar qual o verso que ele escolheria como um exemplo de beleza. E me lembro que ele citou um de Carlos Drummond de Andrade:
"Como esses primitivos que carregam por toda parte o
maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio"
Agora, quase três décadas depois, numa entrevista que irá ao ar na semana que vem, no DOSSIÊ GLOBONEWS ( dia 31, sábado, às nove da noite ), Gullar cita de novo esta passagem de "Tarde de Maio" - um dos tantos versos imortais que Drummond legou ao Brasil.
( Gullar acaba de lançar uma "Autobiografia Poética e Outros Textos", pela Editora Autêntica. Vale ver a entrevista. Aos 85 anos, Gullar confessa que não conseguiu encontrar respostas para os enigmas da existência ).
Por falar em versos belos: poesia, claro, não é ciência exata. Eu apostaria que vão se passar décadas e décadas antes que surja um poema de beleza tão devastadora e tão incandescente quanto "A Máquina do Mundo" - de Carlos Drummond.
O personagem do poema ( quem sabe, o próprio Drummond ) caminha sozinho por uma estrada pedregosa de Minas quando - de repente - a decifração do mistério do mundo se ofereceu a ele:
(...) "e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana".
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O que faz o poeta? Dispensa a oferta e segue adiante, solitário, pela estrada pedregosa. O final do poema:
(...) baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas".
Posted by geneton at outubro 24, 2015 11:50 AM