outubro 15, 2015

O DIA EM QUE JAGUAR, GÊNIO DO CARTUM, SAIU DA SALA DE CINEMA DISCRETAMENTE ( E DEIXOU O LOCUTOR-QUE-VOS-FALA IMAGINANDO "CATÁSTROFES" )

Sou de uma geração que devorava os exemplares do Pasquim.
Eu me lembro dos tempos da faculdade, ali na segunda metade dos anos setenta. O Pasquim - pelo menos para os não "alienados" - era leitura obrigatória.
Duvido que uma redação daquele quilate alguma dia volte a se reunir nas páginas de um jornal ( ou no território impalpável de um site): lá estavam Paulo Francis, Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Jaguar, Ziraldo, Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Fausto Wolff. Eu lia de cabo a rabo. Tempos depois, já no Rio, depois de dar adeus ao verde do mar do Recife, tive a chance de conhecer alguns dos titulares daquele time de "ídolos" de papel.

Não faz tempo, dei uma lida em duas antologias de material publicado pelo Pasquim. A sensação permanece. Duvido que escrete igual volte a se reunir.
Não quero dar uma de "saudosista". Não sou. Mas, diante de bancas de revista hoje povoadas por multi-exemplares do chamado "jornalismo endocrinológico"
( ou seja: aquele que se ocupa de dietas e coisas do tipo ), meus radares interiores emitem sinais inequívocos de tédio e desalento.
Gravei um depoimento de Jaguar para o documentário que fiz sobre Glauber Rocha. A relação de Jaguar com Glauber era acidentada, para dizer o mínimo ( detalhes do imbroglio estão no "Cordilheiras no Mar" - que será exibido na próxima quarta, dia 21, às sete da noite, na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, em sessão-debate. Em janeiro, o filme chega às telas da tevê - no Canal Brasil ).
Jaguar - gênio do cartum e um dos meus ídolos das páginas pasquinescas - compareceu a uma sessão especial do filme, no FestRio. Diga-se que Glauber ataca Jaguar no documentário. Jaguar se defende. Tentei fazer o dever de casa jornalístico: "ouvir os dois lados".
Minutos antes do término do filme, Jaguar se levanta e, discretamente, vai embora - sozinho. Vou confessar: fiquei "embatucado". Jaguar teria se sentido "agredido" ou "injustiçado"? O que teria acontecido? Passei vinte e quatro remoendo dúvidas amargas.
Terminei ligando para o homem. Jaguar disse que não, não tinha acontecido nenhum desastre: preferiu sair pouco antes porque sentiu que o filme caminhava para o final. Tirei um peso das costas.
Tive uma surpresa: Jaguar disse que, naquele exato momento, estava escrevendo um artigo sobre Glauber Rocha e sobre o Cordilheiras no Mar. O texto saiu - na edição de sábado do jornal O Dia.
Entre mortos e feridos, aparentemente todos escaparam nesse tumulto de versões, suposições e desencontros. Se o assunto é Glauber Rocha, não poderia ser diferente.
Aqui, o artigo completo de Jaguar:
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Quem matou Glauber?
Glauber sempre namorou o ‘Pasquim’, e vice-versa. Quando vinha ao Rio, passava horas na redação
JAGUAR
Rio - Glauber sempre namorou o ‘Pasquim’, e vice-versa. Amicíssimo do Tarso e do Maciel, editores do jornal, e de Caetano, contumaz colaborador. Quando vinha ao Rio, passava horas na redação. Sempre no seu estado habitual — em ebulição. Como nosso correspondente em transe, digo, trânsito, mandava ótimas matérias, como uma genial entrevista com Gabriel García Márquez. Lembro-me de um artigo que foi publicado quando a patota da redação estava na Vila Militar, vendo o sol nascer quadrado.
Vários jornalistas e intelectuais se comprometeram a fazer o jornal chegar às bancas enquanto estávamos em cana. Glauber foi um deles. Transcrevo trechos de um artigo publicado em dezembro de 1970: “Eu estava em Roma quando li o primeiro número d’‘O Pasquim’. Ele entrou na minha vida e realmente foi um barato chegar aqui e reencontrar a patota alegre, falando e mandando brasa, removendo detritos de uma cultura subdesenvolvida (...). Num país que tem o ‘Pasquim’ tudo pode acontecer.” Foi generoso comigo: “Jaguar inventou o Sig para felicidade da minha mulher.” E, como no samba, íamos vivendo de amor até que um dia me apresentou os originais de um livro que, segundo ele, seria o maior sucesso da Codecri, a editora do ‘Pasquim’. O título: ‘Golbery, gênio da raça’. Fui curto e grosso: “Um livro elogiando o inimigo? Nem que a vaca tussa!” No dia seguinte ligou para o ‘Pasquim’ dizendo que ia me dar um tiro. O livro não saiu (nem o tiro), e me pergunto que fim levou aquele texto.
Eis que Geneton Moraes Neto resolveu fazer um documentário sobre Glauber com um título insólito: ‘Cordilheiras no Mar — A fúria do fogo bárbaro’. O Geneton é um cara que admiro, um cineasta tinhoso. Fui à sessão do filme para convidados. Gostei. Com depoimentos de Cony, Maciel, Flávio Tavares, José Almino, Barretão, Janio de Freitas, Jabor, Nelson Pereira dos Santos, Orlando Senna, Caetano, Macalé, Fagner, Arraes, Reis Velloso e Julião, um time da pesada. E até eu, contando a história do livro. Aninha Magalhães, Pereio e Aderbal Filho declamam tiradas de Glauber. Jaborandy interpreta o gênio da raça baiana e seus exageros. Barretão diz que ele foi vítima de um assassinato cultural.

Jaguar.jpg

E Cacá Diegues acusa o ‘Pasquim’ de ter espalhado a notícia de que Glauber teria recebido 50 milhões de dólares (!) para filmar as passeatas estudantis para a polícia. Se fosse verdade, que filmaço ele teria feito com esse orçamento! Mas não é. Para quem quiser conferir, a Biblioteca Nacional tem a coleção completa do jornal.
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( a foto é de Fernando Souza: Jaguar chegando à sessão do Cordilheiras no Mar ).

Posted by geneton at outubro 15, 2015 11:39 AM
   
   
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