A seleção brasileira deu uma goleada no Equador. Noventa e oito vírgula cinco por cento dos leitores dos jornais impressos já sabem do resultado.
Se, amanhã pela manhã, os jornais trouxerem como destaque principal do título de esportes da primeira página a "informação" de que o Brasil ganhou de 5 a 0 do Equador, estará explicado - de novo! - por que a imprensa resolveu, "por livre e espontânea vontade", cavar a própria sepultura.
Faça-se o teste. É só passar o olhos nas primeiras páginas que daqui a algumas horas estarão colorindo as bancas.
Uma pergunta ficará flutuando no ar: Deus do céu, por que será que a esmagadora maioria dos jornais trata o leitor como se ele fosse um extra-terrestre surdo,mudo e cego -que acabou de desembarcar de um planeta remoto?
Não ocorre a nenhum editor a idéia de que noventa e oito vírgula cento dos leitores já obtiveram a primeira informação sobre o resultado do jogo pela TV, pelo rádio, pela miríade de sites ? Por que repetir nos títulos uma informação que, inevitavelmente, já é velha quando chega às bancas ?
Não seria tão fácil, tão simples, tão óbvio tentar olhar para a frente ? Com certeza, uma informação que não repetisse simplesmente o que todo mundo já sabe serviria para chamar a atenção do leitor, ao invés de despertar o habitual bocejo. Afinal, não é para "chamar a atenção" do leitor que os jornais existem ? Algo do tipo :"Depois da goleada no Maracanã, Dunga quer outros jogos no Rio"; "Seleção já promete repetir em São Paulo a goleada de ontem" ; "Ronaldinho, barrado por Dunga, pede vaga para jogo em São Paulo" ;"Seleção goleia mas Argentina lidera eliminatórias"; "Comportamento nota 10 do torcedor credencia o Maracanã como palco da Copa" etc.etc.etc. Qualquer estagiário faria uma lista de possíveis novas informações que poderiam merecer um título capaz de estimular minimamente a curiosidade do Senhor Leitor. Eis um bom exercício para as salas de aula dos cursos de Jornalismo.
Mas não: há noventa e nove vírgula nove por cento de chances de os jornais desta quinta anunciarem nos títulos de primeira página,como se fosse a novidade do século, a vitória do Brasil sobre o Equador.
Depois perguntam por que é que a imprensa de papel perde leitores.....
O caso me lembra o que vi uma vez em Londres,onde se fazem jornais de primeira qualidade:
um instituto tinha divulgado uma pesquisa de opinião que indicava a possível derrota dos conservadores nas eleições de 1997. A TV noticiara exaustivamente os números nos telejornais noturnos.
Se fosse no Brasil, os jornais dariam, no dia seguinte, na primeira página, um título como "Ibope dá vantagem ao PT". Ou algo assim. Ou seja :os jornais repetiriam algo que o leitor interessado em política com certeza já sabia.
O que fez o jornalaço Daily Telegraph ? Deu a informação da maneira mais criativa possível. Publicou na primeira página uma bela ( e enorme) foto do então primeiro-ministro John Major sozinho, na porta do número dez da Downing Street, a residência oficial do chefe do governo. O pesquisa indicava que o partido de Major estava cotadíssimo para perder a eleição, o que, afinal, viria a acontecer semanas depois.
A manchete do jornal: "Este homem pensa que vai vencer a eleição".
Não é por acaso que a imprensa inglesa de qualidade é o que é.
Também não é por acaso que nossa imprensa é o que Paulo Francis passou os últimos anos de vida dizendo: "Previsível, empolada, chata. Meu Deus, como é chata".
Não teria chegado a hora de uma autocrítica violenta, uma virada de mesa, uma aposta na criatividade ? Por que os jornais continuam com a cabeça enterrada na areia, sem olhar para a paisagem em volta ?
Ainda há tempo para tentar sacudir a poeira - nem que seja em sinal de respeito à paciência dos leitores....
Help!