setembro 14, 2009

ABDEL BARI ATWAN - PARTE 3

O HOMEM QUE CAMINHOU AO LADO DE BIN LADEN PELAS MONTANHAS GELADAS DO AFEGANISTÃO: A AL-QAEDA DESCOBRE O PODER DA INTERNET NA GUERRA DE PROPAGANDA!

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Bari Atwan & Bin Laden: caminhada numa montanha no Afeganistão (Foto: cortesia Abdel Bari Atwan)

Jornalista é bicho esquisito. O entrevistado dá os anéis, mas ele quer os dedos. O entrevistado dá um boi, mas ele quer a boiada.

Assim caminham as redações.

Abdel Bari Atwan, o jornalista que foi convocado pela Al Qaeda para um diálogo olho-no-olho com Osama Bin Laden, aceitou nos dar uma longa entrevista, em Londres – depois de alguma relutância.

Terminada a gravação, pedi encarecidamente ao entrevistado que me cedesse cópias das fotos que ele tirou do megaterrorista Bin Laden.

Atwan tinha me dado um boi : a entrevista. Eu estava pedindo a boiada.

Faz parte.

A insistência, desta vez, foi premiada : o homem nos “brindou” com cópias de fotos que ele próprio tirou de Bin Laden, nas montanhas geladas do Afeganistão.

Um militante da Al Qaeda fez, a Atwan, o favor de clicá-lo ao lado do chefe Bin Laden. Assim, Atwan pôde descer das montanhas para a planície com uma prova indiscutível de que o encontro existiu ( Bin Laden não permitiu gravações).

Bari Atwan chama a atenção para um detalhe que nem sempre é levado em conta: a Al-Qaeda, hoje, já não precisa fazer, pessoalmente, a catequese de militantes. A “ideologia” da organização se espalha via Internet.

Eis a terceira e última parte de nossa entrevista com Abdel Bari Atwan sobre os encontros que ele teve o chefão da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, antes dos atentados do 11 de Setembro:

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Atwan e Bin Laden: diálogos e caminhadas, sem gravador por perto (Foto: cortesia Abdel Bari Atwan)

“Amo a experiência americana. Mas, para nós, árabes, muçulmanos, povos do Terceiro Mundo,o problema é a política externa americana – que vem nos destruindo!”

Que tipo de sentimento o senhor tem em relação aos Estados Unidos?

“Amo os Estados Unidos. Amo a experiência americana. Imigrantes de todas as partes do mundo foram ao país. Criaram uma superpotência. É um país multicultural, multiétnico, multirreligioso. Nós encontramos nos Estados Unidos todas as cores, todas as culturas, todas as religiões que, ao trabalharem juntas, conseguiram criar uma grande superpotência. A igualdade, a democracia, os direitos humanos, a constituição, tudo forma uma bela experiência. Gostaria que tivéssemos esta experiência em todo o mundo.

Mas, para nós, árabes, muçulmanos, povos do Terceiro Mundo,o problema é a política externa americana – que vem nos destruindo!

Os Estados Unidos apóiam ditaduras no Oriente Médio e lançam guerras. Hoje, enfrentamos três guerras no mundo islâmico: estão nos combatendo no Afeganistão, estão nos combatendo no Iraque, estão nos combatendo na Palestina, porque apóiam ocupações israelenses. É este o nosso problema com os Estados Unidos.

Se os Estados Unidos tivessem uma política externa justa, que nos tratasse, a nós, árabes e muçulmanos, como trata o povo americano, com igualdade, sob as regras da lei, não haveria problema. Se tivéssemos um sistema judiciário independente, como eles têm, seria excelente”.

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Bin Laden: livros e armas (Foto: Abdel Bari Atwan)

Bin Laden convidou o senhor para entrevistá-lo. Por que ele não permitiu que o senhor gravasse a entrevista?

“Fui convidado por Osama Bin Laden para fazer a entrevista. Bin Laden chegou a ter um embaixador em Londres – que circulava em público. Não era, portanto, considerado um terrorista. Depois, o embaixador foi preso, porque os Estados Unidos queriam que ele fosse deportado, sob a acusação de que enviou telefones satélite para os acusados de atacar as embaixadas em Nairóbi e Dar es Salaam.

“Um dos colegas de Bin Laden disse-me que Bin Laden não gravou porque não queria cometer erros na construção das frases”
Quando cheguei diante de Bin Laden, fui surpreendido porque ele não queria que a entrevista fosse gravada! Atuei, então, como um estudante: fiquei tomando notas enquanto ele me dava as respostas. Detesto tomar notas assim! Sou editor de um jornal.

Eu nem poderia insistir para que a entrevista fosse gravada ou perguntar por que ele não queria que eu usasse o gravador. Mas, depois, Abu Musab, um dos colegas de Bin Laden, disse-me que Bin Laden não gravou porque não queria cometer erros na construção das frases. Não queria também cometer eventuais equívocos na citação de passagens do Alcorão. Porque erros poderiam ser usados contra ele, como prova de que ele não seria qualificado, depois, como Mullah ( n: uma espécie de clérigo).

Pareceu-me que Osama Bin Laden estava planejando tudo desde o início: um dia, ele seria o Califa, o líder de todos os islâmicos do mundo. Não queria, então, que alguém tivesse em mãos qualquer prova de que tivesse cometido erros ou de que não conhecia o Alcorão ou a gramática árabe!”

“Perguntei :”Onde é que fica o toilete?”. Responderam: “Toilete? Você pensa que aqui é o Sheraton ou o Hotel Hilton? Trate de encontrar uma árvore. Vá se lavar lá”.

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Bin Laden: os motivos do "ódio" (Foto: Abdel Bari Atwan)

O senhor rezou com Bin Laden?

“Rezei. Um grupo me esperava do lado de fora, às quatro horas da manhã, debaixo de uma temperatura gelada, algo como vinte e cinco graus abaixo de zero! Deram-me um pouco de água. Porque a reza da manhã é a única em que você precisa se lavar. Trouxeram-me, então, água numa espécie de bacia. Disseram que era para a higiene matinal. O que notei é que eles iam para fora da caverna, para se levar. Precisavam tirar as calças. Mas estava gelado. Perguntei :”Onde é que fica o toilete?”. Responderam: “Toilete? Você pensa que aqui é o Sheraton ou o Hotel Hilton? Trate de encontrar uma árvore. Vá se lavar lá”.

Como sou tímido, tive de ir para longe da caverna. Não sou como eles. E estava gelado! Tive a impressão de que minhas pernas iam ser separadas do meu corpo.

Terminei rezando depois de Osama Bin Laden. Graças a Deus, ele me pediu para deixar o grupo que estava rezando, porque minha participação poderia ter sido catastrófica.Eu poderia cometer equívocos ao citar passagens do Corão”.

A morte de Bin Laden hoje significaria o fim da Al-Qaeda?

“Se você me fizesse esta pergunta antes da invasão do Iraque ou antes do 11 de setembro, eu responderia que a morte de Bin Laden significaria o fim da Al- Qaeda. Porque no Oriente Médio, no mundo islâmico, as organizações giram em torno de um homem. Quando o líder é morto, a organização se desintegra. Mas a Al Qaeda é diferente. A organização se transformou.

“O que existia, antes, era uma Al-Qaeda. Hoje, há várias mini-Al-Qaedas. É como um franchising, uma rede de lanchonetes”

Osama Bin Laden desapareceu nos últimos anos. Mas a Al Qaeda vem se fortalecendo cada vez mais.

É dez vezes mais do que era antes, em consequência da guerra da política externa do presidente George Bush. A Al-Qaeda deixou de ser o que era antes: uma organização em forma de pirâmide, em que existia uma cúpula e uma base : hoje, a Al-Qaeda é uma organização que se espalhou.

O que existia, antes, era uma Al Qaeda. Hoje, há várias mini-Al Qaedas. É como um franchising, uma rede de lanchonetes como a Kentucky Fried Chicken. Hoje, existe Al Qaeda no Afeganistão, Al Qaeda no Paquistão, Al Qaeda na Arábia Saudita, Al Qaeda no Iraque, Al Qaeda na Somália. Amanhã, quem sabe, haverá Al Qaeda na Europa, Al Qaeda em Darfur.

As mini-Al Qaedas são totalmente independentes do quartel-general da organização. Igualmente, a Al Qaeda já não depende da TV Al Jazeera ou do jornal Al Quds para divulgar seus comunicados.

Hoje, a organização dispõe de uma mídia alternativa: os sites na Internet! Assim, a Al Qaeda consegue chegar na frente do governo e dos serviços de informação americanos. A ideologia da Al Qaeda pode ser vista na Internet. Qualquer pessoa pode acessar esta ideologia: hoje, ninguém precisa ir ao pregador ou ao líder ou esperar por instruções ou por lições sobre a ideologia da Al Qaeda. É este é perigo!”.

(A íntegra do depoimento de Abdel Bari Atwan aparece no “Dossiê História”/Editora Globo)


Posted by geneton at setembro 14, 2009 01:38 AM
   
   
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