CLETO FALCÃO
OS BASTIDORES DE UMA ELEIÇÃO HISTÓRICA : A OPERAÇÃO MONTADA PARA ESCONDER O FILHO DE UM CANDIDATO, A CONFISSÃO DE UM TESOUREIRO DENTRO DE UMA PISCINA – E UM DIÁLOGO ENTRE UM EX E UM FUTURO PRESIDENTE
A Globonews levou ao ar a entrevista que o locutor-que-vos-fala gravou,em Maceió, com um homem que foi testemunha privilegiada dos bastidores da primeira eleição direta para presidente realizada no Brasil depois do fim do regime militar (reprise nesta segunda,às três e meia da tarde). Faz exatamente vinte anos que o Brasil foi às urnas para decidir o jogo entre Collor e Lula. Deu Collor na cabeça.
O personagem do DOSSIÊ GLOBONEWS é Cleto Falcão – um dos principais articuladores da candidatura do então governador de Alagoas, Fernando Collor, à presidência da República. Eleito Collor, Falcão chegou a ocupar o posto de líder do partido do governo na Câmara dos Deputados. De volta a Alagoas, hoje é assessor parlamentar da Assembléia Legislativa de Alagoas.
Ninguém dava um tostão furado pela candidatura do então governador de Alagoas,Fernando Collor, quando ela foi lançada. Os empresários deram milhões. Os eleitores deram algo mais valioso: votos. Bom de palanque e de TV, Fernando Collor bateu o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva: 35.089.998 votaram em Collor,contra 31.076.364 que apostaram em Lula. O resto é história.
O lance mais polêmico da campanha eleitoral de 1989 foi a decisão tomada pela campanha do candidato Fernando Collor de veicular, em rede nacional de TV, no horário de propaganda eleitoral, um depoimento em que uma ex-namorada revelava que o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, escondia a existência da filha que tivera com ela.
A divulgação do depoimento abalou notoriamente a performance de Lula no segundo e decisivo debate com Fernando Collor. Cleto Falcão diz que havia “pânico” no staff do candidato Collor diante do progressivo avanço de Lula nas pesquisas eleitorais, às vésperas do embate final – o segundo turno. A cúpula da campanha se reuniu, então, para avaliar se a fita gravada com a ex-namorada de Lula seria ou não levada ao ar. “Ninguém foi contra”, diz Cleto. Terminada a exibição privê, Collor disse as seguintes palavras, segundo Falcão : “A fita vai ao ar. Quem quiser ficar comigo fique. Quem não quiser f……-se !”.
Anos depois, em 2005, em entrevista que me concedeu em Maceió, para uma série levada ao ar no Fantástico, Fernando Collor se declarou arrependido. Palavras textuais do ex-presidente:
“Eu diria que não foi algo de bom gosto nem de bom tom. A utilização seria absolutamente desnecessária. Não o faria novamente.Mas, numa campanha eleitoral, no fragor da batalha, com as emoções desencadeadas de forma violenta, é difícil a gente ter uma medida correta dos termos que nós utilizamos e das ações que estaremos por realizar. É preciso levar em consideração o momento em que a decisão foi tomada. De qualquer maneira, sob o ponto de vista racional, em condições normais de tempratura e pressão, sem dúvida nenhuma eu não faria aquilo”.
O que ninguém sabia, na campanha de 1989, era que o próprio Collor também tinha um filho fora do casamento. O comando da campanha teve de montar uma operação para manter em segredo a existência do menino. Mas o PT soube – e, segundo Cleto, chegou a enviar emissários a Maceió, para checar a história. O problema é que os detetives do PT não descobriram onde estava o menino ( Collor posteriormente reconheceu a paternidade, num gesto que Cleto Falcão elogia. Fernando James hoje é vereador em Rio Largo, município vizinho de Maceió).
Trechos da entrevista que a Globonews levará ao ar:
O senhor participou da operação para esconder o filho que o então candidato Fernando Collor tinha tido fora do casamento ?
Cleto Falcão: “O pessoal do PT – da campanha de Lula – esteve aqui em Alagoas. Rodou, rodou e, na realidade, foi incompetente. Não tiveram a competência de localizar o menino – que morava aqui em Rio Largo, uma cidade vizinha de Maceió. Collor posteriormente reconheceu o menino como filho. Mas, naquele momento em que o PT esteve aqui, nós tínhamos acabado de denunciar Lula porque ele, Lula, tinha uma filha fora do casamento. Imagine se descobrem o menino – e vinha a mesma denúncia. Ia ser um estrago muito grande.Quem ficou encarregado de resolver foi Cláudio Vieira (secretário de Collor) – que o fez com competência. Tirou o menino daqui, com a mãe. Só voltou depois da campanha. Conheci o garoto com Collor já eleito presidente, antes de tomar posse. O garoto e a mãe saíram daqui só no período quente da denúncia que a suposta namorada de Lula fez. Nós passamos a temer que aquele mesma denúncia fosse feita contra a gente”.
O tesoureiro Paulo César Farias faz, dentro de uma piscina, uma confissão sobre as “sobras de campanha” : 52 milhões de dólares
Um dos segredos mais bem guardados da política brasileira é o que acontece com as chamadas sobras de campanha. Que informação concreta o senhor tem sobre as sobras de campanha do então candidato Fernando Collor de Mello ?
Cleto Falcão: “Ao término da campanha, vim a Maceió para prestar contas das despesas no Rio de Janeiro. Eu havia sido coordenador da campanha no Rio. Estive com Paulo César Farias, tesoureiro da campanha, na residência de praia, onde ele foi assassinado. Ele estava tomando banho de piscina. Fiquei conversando com ele – eu do lado de fora, ele dentro da piscina. Perguntei: “PC, quanto você arrecadou na campanha, na realidade ?”. Ele disse: “134 milhões de dólares”. Fez uma pausa e disse:”Devem sobrar em torno de 52 milhões””.
O que é que aconteceu com esse dinheiro ?
Cleto Falcão: “A Polícia Federal, o FBI e a Scotland Yard não sabem. Eu vou saber?”.
O dia em que Cleto Falcão testemunhou uma doação milionária de grandes empresários para a campanha de Fernando Collor à Presidência da República
O senhor foi testemunha ocular de doações feitas por empresários à campanha do então candidato Fernando Collor à presidência. Qual foi a cena mais marcante que o senhor testemunhou nessas negociações ?
Cleto Falcão: “Uma cena muito marcante foi numa tarde em que fomos a São Paulo para um encontro de Fernando Collor com Antônio Ermírio de Moraes. Nós nos encontramos com ele na casa de José Ermírio de Moraes. Depois de muita conversa, Antônio Ermírio, presidente do Grupo Votorantim, disse que tinha sido chamado pelo presidente José Sarney para disputar a presidência e não teria aceitado porque sabia que tiraria votos do centro e da direita – que era o eleitorado de Fernando Collor.Com isso, ele não queria pagar o preço de estar ajudando a eleger um irresponsável como Leonel Brizola ou um despreparado como Lula. Logo em seguida, ele disse que o grupo tinha uma contribuição a dar à campanha. O irmão de Antônio Ermírio, José Ermírio, passou um cheque para ele. E ele perguntou:”A quem entrego?”. Fernando Collor disse: “Entregue ao Paulo César”. Antes de chegar às mãos de PC Farias, o cheque passou por mim, porque eu estava sentado antes do Paulo César.Olhei discretamente o valor. Era o correspondente a três milhões de dólares. Obviamente, saía pelo caixa-dois, porque não houve contabilização nem nada. O cheque não era cruzado. Vinha do caixa-dois”.
Um palpite: as circunstâncias da morte de PC Farias só serão esclarecidas dentro de “vinte ou trinta anos”
O senhor tem dúvidas sobre as circunstâncias da morte do ex-tesoureiro da campanha, PC Farias ?
Cleto Falcão: “Não é questão de ter dúvidas. Honestamente, acho que por trás do assassinato de PC Farias existe uma história que só será desvendada daqui a vinte ou trinta anos. Eu simplesmente acho que acreditar que Suzana Marcolino pegou um revólver e matou o PC é como acreditar em Papai Noel”.
O que é que leva o senhor a fazer esta afirmação ?
Cleto Falcão: “Porque ninguém mata a galinha dos ovos de ouro. O PC sustentava Suzana. Era uma pessoa muito boa para ela. E porque a perícia diz que não havia pólvora na mão de Suzana. Não utilizou o revólver. Agora, como foi e em que circunstância é algo que somente dentro de muitos anos vai ser desvendado e descoberto”.
A morte de PC Farias pode ter alguma ligação com o destino dado aos 52 milhões de dólares que, segundo ele disse, sobraram da campanha ?
Cleto Falcão: “Acredito que não. Sem que eu seja um policial do setor de investigação, eu analisaria que o PC era inconveniente para muita gente: para empresários que doaram dinheiro; para pessoas que participaram da campanha e queriam manter aquilo em sigilo. Mas sem nenhuma vinculação com aqueles 52 milhões”.
Collor tenta, secretamente, se livrar do candidato a vice-presidente, Itamar Franco: “Toda semana, Itamar tinha um chilique” ( E o alerta de Jânio Quadros: governo de presidente jovem demais pode dar “merda”)
O senhor tomou parte de uma consulta secreta que foi feita ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para afastar o vice Itamar Franco da chapa do então candidato Fernando Collor. Por que foi feita a consulta ?
Cleto Falcão: “Porque ninguém agüentava os faniquitos de Itamar querendo renunciar toda semana. Itamar aceitou ser vice-presidente mas toda semana tinha um chilique. Queria renunciar. Fernando – de forma discreta – mandou fazer uma consulta a ministros do TSE para saber se era possível substituir o vice. O TSE informou que não. O vice só poderia ser modificado com a renúncia do próprio vice, num ato de vontade unilateral”.
O senhor foi testemunha de um diálogo entre o então candidato Fernando Collor e o ex-presidente Jânio Quadros, em Roma. O que foi que um disse ao outro ?
Cleto Falcão: “Famos a um jantar em homenagem a Jânio Quadros. Jânio recebeu Collor com uma certa frieza, porque Jânio, na realidade, queria ser candidato a presidente. Começou, então, a contestar a candidatura de Collor. Dizia que Collor era muito novo : primeiro, ele deveria ser senador, deveria adquirir experiência. E Collor saindo pela tangente. Jânio insistiu na questão da pouca idade. A certa altura, Jânio parou e perguntou: “Quantos anos você tem?”. Fernando disse:””Tenho 39. Vou ter 40 na eleição”. Jânio fez um ar de surpresa, teatral. Disse: “Muito novo! Muito novo para ser presidente!”. Fernando disse: “Mas, presidente, gostaria de lembrar que o senhor foi presidente muito jovem, com pouco mais de quarenta anos!”. Jânio – que estava bebendo vinho – virou a taça, deu uma porrada na mesa e disse: “E deu na merda que deu ! E deu na merda que deu!”.
Jânio Quadros foi presidente com 43 anos. Renunciou apenas sete meses depois de tomar posse. Collor, eleito com 40 anos, também renunciaria, dois anos e meio depois da posse, num gesto extremo para tentar escapar da condenação no Senado. Não escapou. Condenado por “crime de responsabilidade”, passou oito anos impedido de exercer funções públicas. Em 1994, por falta de provas, o Supremo Tribunal Federal o absolveu.
Posted by geneton at novembro 7, 2009 07:17 PM