VOCÊ CONHECE UMA DOENÇA CHAMADA “SÍNDROME DA FRIGIDEZ EDITORIAL”? EIS UM EXEMPLO ESCANDALOSO: JÂNIO QUADROS FINALMENTE REVELOU O MOTIVO DA RENÚNCIA. MAS A IMPRENSA NÃO PUBLICOU NADA,NADA,NADA
Se fosse feito um ranking dos gestos mais surpreendentes já cometidos por um presidente da República no Palácio do Planalto, a renúncia de Jânio Quadros seria forte candidata a ocupar o primeiro posto. Sob todo e qualquer critério, a renúncia é, até hoje, tema de interesse histórico e jornalístico. Mas…nossa querida imprensa é capaz de barbeiragens monumentais.
(Quando digo que o maior inimigo do Jornalismo é o jornalista, não estou cometendo frase de efeito. Estou constatando uma verdade límpida, cristalina, indiscutível – e facilmente demonstrável. Não nasci ontem. Ao longo de anos, anos & anos, fui testemunha ocular e auditiva de uma coleção de absurdos indefensáveis. Por falta de vocação para exercer tarefas realmente importantes na vida, como a medicina ou o futebol, comecei a trabalhar em redação aos 16 anos de idade. Tenho 53. Façam as contas. Ao longo dessas quase quatro décadas, perdi a conta das vezes em que vi notícias e histórias interessantes serem sistematicamente jogadas no lixo nas redações por burocratas travestidos de jornalistas. Especialistas fizeram um exercício de leitura labial para tentar descobrir o que Jaqueline Kennedy disse no exato momento em que o balaço disparado por Lee Harvey Oswald explodiu a cabeça do presidente Kennedy naquela praça em Dallas. Disse o seguinte: “Oh,no!”. Se pudessem se manifestar, as multidões de leitores, ouvintes e telespectadores que deixam de tomar conhecimento das histórias jogadas no lixo pelos burocratas do jornalismo certamente diriam em coro : “Oh,no! Oh,no! Oh,no!” ).
Vasculho meus arquivos implacáveis. Eis um registro que fiz sobre uma cochilada monumental dos nossos bravos jornalões e revistonas (o problema,neste caso, não é Jânio. É a imprensa. Os motivos que ele confessou para explicar a renúncia apenas confirmam o que já se suspeitava: o homem cometeu o gesto teatral porque queria voltar ao poder nos braços do povo. Não voltou. O indefensável é a absoluta indiferença da imprensa sobre a confissão de Jânio. O caso mereceria manchete: Jânio dá no leito de morte a explicação final sobre a renúncia. Duvido que um leitor minimamente interessado deixasse de ler. Cito o caso porque ele envolve um ex-presidente da República. É escandaloso. Mas, qualquer legume que frequente uma redação será capaz de contabilizar,em pouco tempo, um inacreditável inventário de casos, histórias, reportagens e notícias que foram jogadas fora religiosamente, sistematicamente, ardorosamente pelo exército de burocratas entediados que passam anos, anos e anos dedicados à tarefa de destruir tudo o que poderia ser vívido, interessante e empolgante no Jornalismo. Ainda assim, declaro solenemente aos leigos que esta pode ser uma profissão divertida. Que outro ofício daria a um terráqueo a chance de morrer de rir intimamente com a descabida pretensão de gente que se tranca numa sala para “decidir” o que é que o público deve ou não deve saber? Nem preciso falar da vaidade patética de quem se julga um milhão de vezes mais importante do que é. Quá-quá-quá. Seja lá quem for, quem inventou a Internet merece uma estátua de tamanho gigante em praça pública, porque, entre outras maravilhas, a rede mundial de computadores destruiu, na prática, a onipotência risível dos jornalistas. Hoje, qualquer legume (ou seja: alguém que em nada é inferior ao jornalista) pode testemunhar e reportar o que quiser. É só criar um blog, apertar um botão e o texto estará disponível, em tese, para todo o planeta).
O caso Jânio:
A mais sincera confissão já feita por Jânio Quadros sobre os reais motivos que o levaram a renunciar à Presidência da Republica no dia 25 de agosto de 1961 somente foi publicada em 1995, em escassas sete páginas de uma calhamaço lançado por uma editora desconhecida de São Paulo em louvor ao ex-presidente.
Organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi,o livro ‘’Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’’ é, na verdade, um bem nutrido álbum de recortes sobre o homem. Grande parte das 340 páginas do livro, publicado pela Editora Rideel, é ocupada pela republicação de reportagens originalmente aparecidas em jornais e revistas sobre a figura esquisita de JQ.
A porção laudatória do livro é leitura recomendável apenas a janistas de carteirinha. O ‘’Memorial’’ traz, no entanto, um capítulo importante : a confissão que Jânio, já doente,fez ao neto,num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein,no dia 25 de agosto de 1991, no trigésimo aniversário da renúncia.
Jânio morreria no dia 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade. O neto fez segredo sobre o que ouviu. Somente publicou as palavras do avô quatro anos depois. Ao contrário do que fazia diante dos jornalistas – a quem respondia com frases grandiloquentes mas pouco objetivas sobre a renúncia – Jânio Quadros disse ao neto, sem rodeios e sem meias palavras, que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo, os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Nâo levaram.
Talvez porque já pressentisse o fim próximo,Jânio admite, diante do neto, pela primeira vez, que a renúncia foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais, o maior erro que cometi’’.
A já vasta bibliografia sobre a renúncia ganhou, assim, um acréscimo fundamental, feito pelo próprio Jânio – a única pessoa que poderia explicar o enigma. Desta vez, a explicação parece clara.
Um detalhe inacreditável – que revela como as redações brasileiras são povoadas por uma incrível quantidade de burocratas que vivem assassinando o jornalismo : a confissão final de Jânio mereceu destaque zero nas páginas da imprensa brasileira,o que é estranho, além de lamentável.
A imprensa – que passou três décadas perguntando a Jânio Quadros por que é que ele renunciou – resolve deixar passar em brancas nuvens a confissão final do ex-presidente sobre a renúncia, acontecimento fundamental na historia recente do Brasil.
Tamanha desatenção parece ser um subproduto típico de uma doença facilmente detectável nas redações – a Síndrome da Frigidez Editorial .Joga-se notícia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café . Leigos na profissão podem estranhar, mas a verdade é que há notícias que precisam enfrentar uma corrida de obstáculos dentro das próprias redações, antes de merecerem a graça suprema de serem publicadas.! Isto não tem absolutamente nada a ver com disponibilidade de espaço, mas com competência, faro jornalístico.
Se a última palavra do um presidente sobre um fato importantíssimo não merece uma linha sequer em jornais e revistas que passaram anos e anos falando sobre a renúncia, então há qualquer coisa de podre no Reino de Gutenberg. Quem paga a conta, obviamente, é o leitor, a quem se sonegam informações.
O caso da confissão de Jânio sobre a renúncia é exemplar : a informação fica restrita aos magros três mil exemplares do livro do neto. E os milhares,milhares e milhares de leitores de jornais e revistas, onde ficam ? A ver navios. É como dizia o velho Paulo Francis: “Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus!”.
Eis trechos do diálogo entre o ex-presidente e o neto,no hospital.As palavras de Jânio não deixam margem de dúvidas sobre a renúncia :
-‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação : nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi(…)Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (N:vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim,ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta,no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares,os governadores e,principalmente,o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era,na época,semelhante a Lula : completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse(…) Renunciei no dia do soldado porque quis senbilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que,em primeiro lugar,o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra.Fui reprovado.O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.
Posted by geneton at janeiro 8, 2010 01:14 PM