PEQUENA PAUSA NAS REPORTAGENS E ENTREVISTAS. É HORA DE FAZER FILOSOFIA BARATA E PRECES PARA NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO
1
Já disse, volto a confessar: jamais me recuperei do impacto causado pela descoberta de que cerca de oitenta por cento do corpo humano é água pura.
Água!
Quem seria capaz de levar a sério uma água falante ?
É o que somos: águas falantes.
Não há filósofo que dê jeito nesta precariedade líquida.
Desisto.
Vou passear. É melhor.
2
Dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto : os mímicos continuam soltos ?
Os praticantes – e professores – de dança de salão continuam soltos ?
3
Juro por Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: a pergunta mais inesquecível que ouvi na vida me foi feita numa sala de aula de um colégio que tinha péssima fama, o Carneiro Leão, na rua do Hospício, no Recife, nos idos de 1970. Durante uma prova, um colega que sentava ao lado me perguntou, em voz baixa e sussurrante, para não despertar a atenção do professor :
- Brasil é com “s” ou com “z” ?
Fazia sentido.
Eu tinha treze anos de idade. Nem suspeitava, mas, ah, o Brasil, pela vida afora, se tornaria o grande tema de todas as dúvidas.
Aquela – sussurrada pelo colega – seria apenas a primeira de uma série interminável.
4
Acendo uma vela inútil a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Em silêncio contrito, peço que ela nos poupe das cenas que, inevitavelmente, acontecerão antes de cada jogo da Copa de 2014, no Brasil:
a) um idiota puxará a camisa à altura do peito e berrará para a câmera: “Vai ser quatro a zero! vai sr quatro a zero!”.
b) pior: um repórter terá perguntado a ele quanto será o placar…
c) mulatas requebrarão no saguão do aeroporto, para dar as boas vindas aos turistas estrangeiros, como se estivessem em busca de clientes numa boate de oitava categoria
d) batucadas de samba. Caboclinhos. Maracatu. Índios dançando. Todas estas manifestações de primarismo musical, estético, filosófico e cultural invadirão os vídeos para mostrar o quão exótica é esta grande nação do sul.
e) vai ser bom ver os jogos. Mas, com o avanço das novas tecnologias, não haveria um jeito de tirar o áudio e apagar o vídeo de tudo o que será dito e mostrado antes de cada partida ?
f) dizei-nos, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: não haveria um jeito ?
5
Uma dúvida irremovível: dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, o que é que leva um ser bípede e falante a posar para uma revista de “celebridades” diante de uma mesa de café-da-manhã fake ? Qual é a força que move aquele aglomerado de ossos e músculos a fazer este papel ?
Dou-lhe meio século para achar uma resposta razoável.
6
Dizei-nos, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, a nós, vossos servos, humildemente postados a vossos pés : o que é que leva um ser humano a exibir orgulhosamente na rua, em camisetas sem manga, músculos deformados nas academias ?
7
Tenho uma convicção firme: a humanidade progredirá drasticamente se, em enterros de gente famosa, ninguém, nunca, jamais, sob hipótese alguma, começar a cantar.
É inapropriado, é patético, é ridículo, é constrangedor.
Pergunta-se: em nome de todos os santos, o que é que custa ficar calado num enterro ? É tão difícil assim manter o lábio superior colado ao inferior? Por que não dar um repouso merecido às cordas vocais ? Não se deve cantar Hino Nacional em cemitério nem, muitíssimo menos, músicas feitas pelo morto. Ou hinos de clube de futebol. Ou toda e qualquer combinação de notas musicais.
Cemitério é lugar de silêncio. Mas há sempre um EFOC ( Equívoco Feito de Osso e Carne ) que começa a cantar.
Forma-se, então, o grande coro dos EFOCs – que, à noite, viverão seus dois segundos de fama no penúltimo bloco do telejornal local.
8
O planeta avançaria cinquenta anos se alguém dissesse a todas os entrevistados que, em nome de Deus, por favor, quando forem falar de alguém que morreu, jamais pronunciem idiotices indefensáveis do tipo: “Agora, ele deve estar feliz lá no céu, ao lado de fulano, fulano e fulano….”.
Por que não ficam calados ?
O defunto não deve estar feliz. O coração parou de bater; o sangue já não circula; os demais músculos estão irremediavelmente paralisados; os neurônios se dissolveram; a visão, o olfato, o tato, paladar, tudo deixou de funcionar: o corpo virou uma carcaça inútil que, em lugares civilizados, é imediatamente cremada para não poluir a terra. O azul do céu é uma bela ilusão de ótica. Ainda que o céu religioso existisse, não existiria espaço para tanta gente. O inferno é outra invenção: não existe nada debaixo da terra. Enfim: parem de dizer idiotices supostamente poéticas quando forem falar dos mortos. O melhor é desejar a eles, sinceramente, uma cremação rápida. That´s all.
9
Dizem que Madonna não gosta de dar entrevistas. Marisa Monte também não.
Ainda bem!
Alguém da platéia poderia lembrar da uma única e escassa frase original e interessante jamais dita por uma cantora à imprensa ?
Vocês têm dez anos para pensar.
10
O Cirque du Soleil, com seus “números de platéia” feitos sob medida para constranger o pobre-diabo que pagou uma fortuna para o ingresso, acaba de aportar na cidade.
Em uma palavra: socorro !
Posted by geneton at janeiro 14, 2010 01:07 PM