abril 23, 2010

DUNGA, SEJA GRANDE : VOCÊ NÃO PODE DEIXAR NEYMAR EM CASA!

A cena aconteceu nos arredores de Londres, na porta do hotel em que a seleção brasileira estava hospedada, à espera da hora de disputar um amistoso com a seleção inglesa no estádio de Wembley,no verão europeu de 1995. Os jogadores descem para ir ao ônibus. Fãs – a maioria, crianças – abordam as estrelas para fotos e autógrafos. A maioria dos jogadores atende aos pedidos. Zinho passa batido. Faz de conta que não ouve. Um dos jogadores da seleção – o capitão Dunga – distribui com paciência autógrafos. Volta ao quarto, para buscar postais em que aparece trajado com a camisa da seleção. Dá de presente aos fãs o postal autografado.

Fiz uma entrevista com ele. Dunga fez uma confissão curiosa : disse que, quando caminhava do meio-de-campo para a marca do penâlti, na decisão do título contra a Itália, ficou “cego” e “surdo”. Não ouvia o rumor da torcida. Só enxergava a bola. Ao converter o penâlti, teve a nítida sensação de que se livrara do peso de uma tonelada que lhe esmagava os ombros.

Quinze anos depois, Dunga – que ganhou fama de carrancudo mas era perfeitamente capaz de gestos simpáticos como o que testemunhei em Londres – é o técnico da que tentará conquistar, para o Brasil, o inédito título de hexacampeão mundial.

O “clamor” da torcida provocou um dilema íntimo em Dunga : deve ou não convocar o menino Neymar, o talento luminoso revelado pelo Santos Futebol Clube ? A resposta : é claro que deve ! Neymar é, hoje, a encarnação das melhores virtudes do futebol brasileiro. Não pode ver a Copa pela televisão! Precisa entrar em campo. Guardadas as proporções, pode cumprir, na seleção brasileira de 2010, o papel que coube a Pelé na Copa de 1958 : o de ser uma gratíssima surpresa.

Faz parte da tradição brasileira a insistência de técnicos que não se rendem à pressão da torcida. Telê Santana não levou Reinaldo, o artilheiro do Atlético MIneiro, para a Copa de 1982. Quando entrevistei Reinaldo em 2008, ele disse que, toda vez que via lances do fatídico Brasil e Itália da Copa de 1982, imaginava o que poderia ter acontecido se ele tivesse sido convocado, já que se considera – e era! – um jogador melhor do que Serginho. O que aconteceu? Telê levou Serginho. Deixou Reinaldo em Minas. Reinaldo diz que estava em perfeita forma em 1982 ( ao contrário do que ocorrera na Copa de 1978, quando jogou sem estar “no ponto”). Só não foi porque o técnico não quis. Quem sabe, poderia ter feito a diferença naquele jogo em que o carrasco Paolo Rossi despachou a seleção brasileira de volta para casa.

Parreira levou o menino Ronaldinho para a Copa de 1994. Faltou a Parreira a ousadia que faz toda diferença : quando o Brasil foi para a prorrogação, na finalíssima contra a Itália, depois de um empate de zero a zero no tempo normal, Parreira lançou mão de Viola. Poderia ter lançado Ronaldinho, um jogador mais hábil, mais talentoso, mais surpreendente. Ronaldinho já brilhava. Se tivesse entrado naqueles instantes finais, poderia ter feito a diferença. Teria tido a maior chance que alguém poderia oferecer a um jogador recém-saído da adolescência : a de entrar em campo no fim da prorrogação de uma decisão de Copa do Mundo para tentar resolver a parada. Não entrou. Parreira deixou-o no banco.

Não é segredo para ninguém, porque sempre foi assim : o que incendeia as grandes conquistas é a aposta no incerto, no novo, no desconhecido. Se não fosse assim, as caravelas não teriam saído de Lisboa para conquistar o Novo Mundo. O personagem de um romance pedia “luz, altura, claridade !”. O que pode dar “luz, altura e claridade” à seleção brasileira nos campos da África do Sul é o talento juvenil de um craque como Neymar : uma aposta no novo, no incerto, no desconhecido.

Para que esperar quatro anos para levar Neymar para uma Copa do Mundo ? Se Dunga se render ao coro da torcida, terá dado não uma demonstração de fraqueza, mas de inteligência : convocar Neymar é reconhecer que existe hoje, em atividade no Brasil, às vésperas de uma Copa do Mundo, um talento raro, um desses que demoram anos para aparecer. Quando aparecem, não podem ser preteridos.

É só comparar Neymar com Adriano, o ex-imperador : pesadão, irregular, desmotivado, Adriano não comporta comparações com Neymar.

Eu vos confesso: sou um torcedor acidental. Só me envolvo para valer em Copa do Mundo. Temo intimamente o momento fatídico em que Galvão Bueno exclamará, lá pelos quarenta minutos do segundo tempo : “Fica dramática a situação do Brasil !”. É o que ele diz quando as coisas começam a desandar.

Se deixar Neymar em casa, Dunga estará dando a Galvão Bueno a chance de pronunciar a frase fatal: “Fica dramática a situação do Brasil”. Ah, não.

O “Dossiê Geral” não é blog de futebol. Mas, como noventa e oito por cento dos brasileiros têm algo a dizer sobre a seleção, nós empunhamos um pincel imaginário para pichar no muro da CBF : “Dunga, seja grande : você não pode deixar Neymar em casa !”.

Porque deixá-lo é um crime de lesa-futebol.

PS: Por que diabos fui falar de futebol hoje ? É que fui a São Paulo esta semana para gravar uma participação no programa Altas Horas. Assunto: as entrevistas com os generais. Lá pelas tantas, Serginho Groisman pergunta aos convidados (o locutor que vos fala, a banda os Raimundos – com Tico Santa Cruz, o cantor Toquinho, o humorista Marcelo Médici e a bela atriz Aparecida Petrowki) sobre a preferência futebolística de cada um.

Fora das Copas do Mundo, sou um torcedor tecnicamente ausente. Torço pelo Sport Clube do Recife. Quando criança, ia ao estádio da Ilha do Retiro para ver os clássicos contra o Náutico e Santa Cruz.

Em São Paulo, sou Corinthians desde que, aos onze anos de idade, em março de 1968, ouvi pelo rádio a vitória histórica sobre o Santos. Fazia anos e anos que o Santos não perdia para o Corinthians. Perdeu naquela noite : gols de Flávio e Paulo Borges. Eu tinha o time de botão: Diogo; Oswaldo Cunha, Ditão, Luiz Carlos e Maciel; Swing e Rivelino; Buião, Paulo Borges, Flávio e Eduardo.

Sempre fui um torcedor distante do Flamengo no Rio. Nunca deixei de ter simpatia pelo Botafogo ( meu time de botão não me deixava mentir: Cao; Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César). Estou em vias de jogar esta dubiedade clubística para o alto: depois de um rigoroso exame de consciência, caminho para optar pelo Botafogo como meu time preferido em plagas cariocas.

Já disseram : das coisas menos importantes da vida, a mais importante é o futebol. Não conheço o autor da frase. Mas, seja quem for, acertou na mosca. Já se disse – igualmente – que a memória só guarda o que importa. O resto se apaga na avalanche de neurônios. Se o futebol não fosse importante, eu, um pré-dinossauro, não saberia recitar, hoje, as escalações dos times que ouvi jogar, pelo rádio, nos idos de 1968….É inútil saber ? É óbvio que é. Mas, feitas as contas, o que é a vida, senão uma gloriosa coleção de inutilidades ?

Se é assim, pelo licença para informar que decorei também a escalação do Santos Futebol Clube de 1968/69: Cláudio; Carlos Alberto, Ramos Delgado, Joel e Rildo; Clodoaldo e Negreiros; Manoel Maria,Toninho, Pelé e Edu. Jamais alguém me perguntou – ou perguntará – por estas escalações.Pior para quem não se interessa. Porque para mim basta saber que guardo até hoje, comigo, as escalações que eu recitava para mim mesmo, como se fosse um locutor de rádio, enquanto caminhava de volta para casa, pelas ruas do bairro de Nossa Senhora do Rosário da Torre, no Recife, depois de testemunhar aulas incompreensíveis de matemática. Tinha o cuidado de falar em voz baixa, para não chamar a atenção dos outros terráqueos que caminhavam pelas calçadas, alheios a minhas recitações solitárias. Dizer o nome dos jogadores pelas ruas de um bairro remoto da América do Sul. Que outra coisa poderia fazer um menino de doze anos ?

Posted by geneton at abril 23, 2010 11:49 AM
   
   
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