PAULO CÉSAR PERÉIO
O LAMENTO DE PAULO CÉSAR PERÉIO: “A MEDIOCRIDADE É ETERNA.OS GÊNIOS SÃO PERECÍVEIS”
A GLOBONEWS exibe neste sábado, às 21:05, uma entrevista especial com o polêmico, o desbocado, o irritado, o irascível, o explosivo Paulo César Peréio. O programa será reprisado na terça, às 11:05
Paulo César Peréio completou setenta anos de idade em 2010.
O fato de um brasileiro completar setenta anos poderia parecer uma feliz banalidade, se o dono dos setenta anos não se chamasse Paulo César – o Peréio.
Neste caso, os 70 anos deixam de ser uma banalidade para se transformar num milagre da natureza.
Pergunto se ele se considera um sobrevivente. O bicho responde que se considera um “resistente”.
A escolha da palavra não é casual. Depois de desafiar a resistência do corpo com um catálogo de extravagâncias que faria Keith Richards soltar uma exclamação de sincero espanto, Peréio chega “são e salvo” aos setenta. Resistiu exemplarmente aos sacolejos, turbulências e terremotos da travessia.
Ainda bem.
Surpreendentemente, confessa que só depois dos sessenta é que teve momentos de legítima serenidade.
Se não tomar cuidado, terminará contratado para anunciar planos de saúde para a terceira idade.
É uma figura onipresente nas telas. Estava no elenco de “Terra em Transe”, o clássico de Glauber Rocha. Brilhou como um cafajeste em “Toda Nudez Será Castigada”, grande filme de Arnaldo Jabor. Em “Tudo Bem” e “Eu Te Amo”, ambos igualmente dirigidos por Jabor, Peréio dá show de bola.
O rosto exibe aquele ar de tédio. A voz merece, como poucas, o adjetivo “inconfundível”.
Aquele ruído que Peréio produz no fim das frases sempre me intrigou. Eu nunca soube se o ruído é um comentário crítico sobre a espécie humana, um grunhido de espanto contra a conspiração mundial da mediocridade ou um suspiro de tédio diante do estado geral das coisas. Quem saberá ?
Parto em direção à fera, numa gravação marcada para as dependências da produtora Multipress Digital, em plena muvuca da rua República do Líbano, no centro do Rio.
Peréio não perdoa: ataca.
Uma entrevista com Peréio é sempre um espetáculo televisivo: o homem eleva a voz, faz pausas dramáticas, emite suspiros enigmáticos, encara a câmera com um olhar irônico que vale por mil palavras. Um dos melhores momentos: quando Peréio faz uma antologia de situações que viveu ao lado de um gênio brasileiro – Nélson Rodrigues, morto há exatamente trinta anos, em dezembro de 1980. Peréio escala,também, Glauber Rocha na galeria de gênios brasileiros. Não são tantos.
Trechos da entrevista:
“Gênio não é eterno. Depois que ele morre, jamais nascerá outra coisa igual. O medíocre a gente nem percebe que morreu. E, já no dia seguinte à morte de um medíocre, aparece um igualzinho no lugar. A mediocridade, então, é eterna! O gênio, não: todos os gênios são perecíveis”.
“Durante a filmagem de “A Dama do Lotação”, faltou luz. Não tinha luz nem para filmar nem para o ar-condicionado. Eu e Sônia Braga ficamos pelados na cama, no calor, à espera de que a luz voltasse. Éramos amigos: a nudez passa a ser coisa de irmão. Não tinha essa carga de erotismo que o proibido dá. Nem eu nem Sandra botamos roupa,então. Estava coçando o saco. De repente, chegam Nélson Rodrigues e Jorge Dória- que diz: “Meu Deus, o que é aquilo? “. E Nélson: “Peréio é acima de nossa compreensão! Diante de Sônia Braga,aquele monumento, ele fica coçando aquele saco cor-de-rosa! ” . Repare o detalhe do cor de rosa! Nélson não saiu falando “Peréio ficou coçando o saco”. Disse: “Coçando aquele saco cor de rosa!”. Que fantástico! Detalhes assim é que davam a genialidade a Nélson”.
“Trinta dias depois de a peça “Anti-Nélson Rodrigues” entrar em cartaz, Nélson quis mudar o título para “Sexo é Para Operário”. Nélson odiava o fato de eu ter chamado José Wilker para fazer o papel de Oswaldinho, o personagem principal. Nélson me dizia: “José Wilker é autor. E nenhum brasileiro consegue ser autor de teatro sem, primeiro, me achar uma besta…”.
“Nélson ia ao meu camarim para fumar e tomar cafezinho escondido, porque a médica não deixava. Dizia coisas como “Peréio, todo canalha é magro!”. Respondi : “Todo magro é canalha ? Isso é arbitrário!”. E ele: “Em noventa e sete por cento das vezes em que sou arbitrário, eu estou certo”. Ou seja: Nélson nos dava três por cento de gorjeta….”
“A relação que tenho com outros atores – no cinema, na TV,no teatro ou na puta que o pariu – é de simpatia ou antipatia. Há atores que não considerados do c……mas detesto. Por exemplo: odeio Sean Penn. Não gosto daquela boquinha que ele faz. Mas dizem que é um baita de um ator. Aliás, parece que ele andou dando porrada em Madonna. Eu,então, até livro a cara de Sean Penn por conta disso….Também não suporto Elizabeth Taylor”.
“Eu me considero um resistente. Vou dizer uma coisa: eu recomendo os setenta anos ! Não me lembro de ter sido tão equilibrado. O desequilíbrio sempre produz certa ansiedade. Tenho momentos de calmaria que são muito bons. Baboseiras de que “minha infância foi uma coisa muito boa”…. picas! A juventude só é boa porque a gente tem tesão e não brochou. Mas serenidade, tranqüilidade e a ideia de momentos felizes passei a ter depois dos sessenta anos. E tenho melhorado! Tenho muito orgulho de ter saúde, apesar de tudo o que fiz”.
“A fama (de criador de casos, maldito e cafajeste) é merecida. Mas é uma coisa cultivada . Construo este mito,para ser pouco incomodado. É uma espécie de self-art. Peréio, na terceira pessoa, é obra minha. Posso ser considerado no Brasil uma celebridade. As pessoas me reconhecem na rua. Mas posso me dar ao direito de sair sozinho por aí, subir morro, andar na banda podre e na baixa sociedade, tranquilamente. Sei como não ser vítima disso. Conheço atores brasileiros que têm de fingir que são outra pessoa para sair na rua”.
“Sou temperamental. Fico puto. Depois, perdoo. Brigo, me encrespo. Mas baixo a bola e volto para o meu estado de falta de felicidade – que não quer dizer sofrimento nem dor”.
Posted by geneton at dezembro 10, 2010 12:36 AM