junho 27, 2011

EVANDRO CARLOS DE ANDRADE 4

ENTREVISTA COM EVANDRO CARLOS DE ANDRADE – 4 :”SABER USAR CRASE É UM PATRIMÔNIO TÃO IMPORTANTE QUE DEVE SER DECLARADO NO IMPOSTO DE RENDA”

Um novo trecho da entrevista inédita com o jornalista Evandro Carlos de Andrade (ver posts anteriores) :

“Como é que se chega ao jornalismo ? Quando é o caso, chega-se por impulso político. Não foi o que aconteceu comigo. Nunca fui militante, nunca participei sequer de política estudantil. Chega-se ao jornalismo também por falta de vocação – o que é predominante. Somos jornalistas por falta de definição. Há também o fator multivocacional : o sujeito que acha que pode ser isso ou pode ser aquilo acaba se tornando jornalista, porque nossa característica fundamental é a superficialidade : o jornalista tem um interesse – sempre superficial – por tudo. É o meu caso. Sempre me interessei por tudo, mas muito superficialmente. Tudo me interessa - pela rama. Se alguém me perguntar : “ Você conhece todas as regras do futebol? “. “Eu ? Jamais ! Nunca li! “. Se alguém quiser saber de mim “Você já leu toda a Constituição?”. “Nunca ! Nunca !”. Mas me interesso por tudo. É o que faz de mim jornalista. Hoje, reconheço que a curiosidade superficial por tudo é uma qualidade insuficiente : todo jornalista deve se aprofundar em um ramo do conhecimento. Mas o jornalista em geral se interessa pelo esporte, pela política, pelo crime, pela economia. É um traço da profissão. Eu me interesso por cada seção do jornalismo. De Otto Lara Resende ouvi pela primeira vez a autodefinição profissional : “Sou especialista em idéias gerais”. É o que nós, jornalistas, continuamos a ser”.

“Além de se interessar por tudo, o jornalista deve, obviamente, tratar bem o idioma. Saber usar a crase é um patrimônio tão importante que deve ser declarado ao Imposto de Renda. Quando for preencher o formulário, quem souber usar corretamente a crase deve dizer : “tenho casa,tenho carro e sei usar crase” . Porque é incrível a dificuldade que jornalistas – inclusive os antigos e experientes – enfrentam quanto ao uso da crase. Ferreira Gullar disse que “a crase não foi feita para humilhar ninguém”. Eu digo que a crase foi feita para humilhar quem não sabe usá-la.Uso a crase como símbolo do cuidado que os jornalistas devem ter com a língua” .

Os olhos grandes de Evandro – ampliados pelas lentes dos óculos – parecem ainda maiores quando ele faz uma radiografia rigorosa do jornal que o empregou pela primeira vez :

- “O Correio Radical na verdade era um jornal chantagista e ordinário, porque tomava dinheiro de bicheiros. Era o que se fazia : o jornal denuncia o bicheiro. Em seguida, o bicheiro vai ao jornal para saber : “Quanto é ? “. O jornal diz, o bicheiro paga, o assunto morre ali. É o que se fez durante anos e anos, nesse tipo de imprensa. Eu não ganhava nada para trabalhar no jornal. Absolutamente nada : nem um centavo. A greve foi uma tentativa de receber algum pagamento”.

“A primeira reportagem que fiz foi um grande vexame. Fazia-se muito “nariz de cera”.( N : gíria das redações para definir as introduções intermináveis que os redatores faziam ao redigir as reportagens). Minha tarefa era fazer uma matéria sobre o general Armando de Morais Âncora – que tinha sido nomeado por Getúlio Vargas para o posto de diretor-geral do Departamento Federal de Segurança Pública, o DFSP, no Rio de Janeiro. Pediram-me que eu fizesse um “nariz de cera” elogioso a ele. Nomeado, depois, para o comando do I Exército no Governo João Goulart, foi transferido para a reserva logo após o golpe de 1964. Tinha ficado a favor de Jango. Terminou morrendo de câncer – que, como dizia Otto Lara Resende, é uma doença da alma. Houve vários casos de generais que tinham ficado a favor da legalidade – e morreram, doentes, pouco tempo depois de 64. Eu associo sempre a doença ao desgosto que sentiram”.

“Ao redigir o “nariz de cera” para o Correio Radical, escrevi que o general era reconhecido pelo “opróbrio”. O meu raciocínio era o seguinte : se probo é alguém honesto, então opróbrio é sinônimo de honestidade. Acontece que é exatamente o contrário. Opróbrio quer dizer desonra, ignomínia. Paguei esse grande mico”.

“O pior é que o texto saiu. Alguém iria saber o que era opróbrio na redação ? Uma vergonha completa. Mas ninguém reclamou : nem o dono do jornal nem o general- com quem, aliás, não cheguei a falar antes de redigir a matéria. Não me encontrei com ele. O texto que o jornal iria publicar era uma badalação em cima do que já se sabia sobre o general. O acesso fácil de jornalista a autoridade é um fenômeno que só se espalhou depois da inauguração de Brasília. A acessibilidade que existe em Brasília é que criou uma convivência que, antes, não era a regra. Autoridade não olhava para repórter, não dava a menor pelota” .

Posted by geneton at junho 27, 2011 03:28 AM
   
   
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