fevereiro 12, 2012

FAZER JORNALISMO PODE SER SIMPLES: É VER, OUVIR E PASSAR ADIANTE – DA MANEIRA MAIS FIEL E MAIS INTERESSANTE POSSÍVEL

A Revista da TV ( O Globo ) pede que o locutor-que-vos-fala diga o que vê e viu na TV. O questionário foi publicado neste domingo. Voilà a íntegra :

O GLOBO: Qual é a sua a primeira lembrança televisiva?

GENETON MORAES NETO: quando criança, via “Além da imaginação”. Não deveria. Ia dormir morrendo de medo de que um daqueles personagens – em geral, mortos que voltavam de outra dimensão – reaparecessem de repente no meio da madrugada, naquela rua do bairro da Torre, no Recife. Jamais perdia um episódio de “O fugitivo”. O Dr. Richard Kimble, médico que passava a vida fugindo de cidade em cidade para tentar escapar da acusação injusta de ter matado a mulher, era ídolo absoluto. Adulto, comprei DVDs das duas séries. A gente passa a vida procurando – em vão – reconquistar o paraíso perdido.

O que falta na programação?

GENETON: Eu gostaria de ver – quem sabe, numa madrugada – um programa jornalístico que tratasse de temas que a TV aberta descartou nos últimos tempos.

Cena mais marcante que lembra de ter visto na TV.

GENETON: Minha lista não difere dos clássicos: a morte de Kennedy, os astronautas na Lua, os aviões do 11 de Setembro. Uma cena marcante que vi aos quatorze anos – quando passava férias na casa de tios, no já remotíssimo ano de 1971 – teve a TV como “personagem”: enquanto a televisão transmitia imagens de astronautas da Apollo 14, a cozinheira dispensou intermediários e foi para a janela observar diretamente a Lua. Guardei aquela cena: uma mistura de comovente ingenuidade com sincera curiosidade. A propósito: um dos primeiros “choques de realidade” quem me deu foi a TV: quando tinha exatamente dez anos, fui chorar escondido no quarto, depois de ver no “Repórter Esso” que Walt Disney tinha morrido. Pronto. Falei.

Gosta de séries?

GENETON: A versão original de “The office” é genial. Tudo ali deu certo. Rick Gervais é gênio: cínico, politicamente incorreto, provocador, naturalmente engraçado. Sou anglófilo em matéria de humor e de imprensa. Ninguém faz humor como os ingleses. E ninguém faz TV (nem jornais) como eles, com as exceções de praxe. Das brasileiras: “O auto da compadecida”, dirigida por Guel Arraes, é tudo o que uma teledramaturgia brasileira pode ter de bom.

Que atração você não perde?

GENETON: Sou o clássico zapeador. Passo sempre pela Globo News para ver se o planeta sofreu algum abalo ou para ouvir algum entrevistado interessante. “Chegadas & Partidas”, com Astrid Fontenelle, no GNT, é excelente, sem pieguice. É programa para ver sem ninguém por perto. Porque é chororô na certa. Pronto. Falei. Gosto do “CQC” desde que começou. O clima no “Esquenta” é sempre fervente. Quando posso, não perco o “Late show” com David Letterman. “Altas Horas” vale a vigília. Jô Soares é uma parada quase obrigatória. Marília Gabriela é uma boa entrevistadora. Sempre passo pelo Canal Brasil. Os silêncios de Paulo César Peréio entrevistando são ótimos. E devo ter me esquecido de outros tantos.

E não vê de jeito nenhum?

GENETON: Corrida de cavalo. Leilão de joia. Partida de golfe. Pregação religiosa, seja qual for. Não há qualquer motivo especial: é por pura preguiça. Ou alguma idiossincrasia. Mas, a princípio, não me recuso a ver nada. Vejo programas como aqueles do NGT em que apresentadores fazem os trejeitos e a empostação de Silvio Santos, com bailarinas desajeitadas fazendo caras e bocas para a câmera, cenários toscos, “atrações” que dublam os números musicais… Imperdíveis.

Programa que você adora e que ninguém imaginaria.

GENETON: Como passo por quase tudo, eu mesmo não me surpreendo com as paradas que faço. De qualquer maneira, se eu parar no momento em que o Freddie Mercury Prateado tenta fazer o segurança rir, no “Pânico na TV”, fico por ali. Se estiver passando “Backyardgans” e Beatriz (neta de quase três anos) e João (neto de quase dois) estiverem por perto, vejo até o fim. O olhar atento dos dois vale mais do que qualquer outra coisa.

Qual foi a entrevista mais memorável que você fez na TV?

GENETON: Reportagem é a única coisa que me interessa no jornalismo desde que comecei, aos dezesseis anos de idade. É assim até hoje, aos 55, quando faço contas para bater em retirada. Assim, caminhei pelo cais de onde saiu o Titanic, em companhia da mais jovem sobrevivente do naufrágio, Milvina Dean. Tive a chance de entrevistar o promotor britânico que, no Tribunal de Nuremberg, mandou para a forca os maiores criminosos de guerra nazistas. Duvidei da confissão de inocência que ouvi do homem que matou o herói negro Martin Luther King. Não vou me esquecer dos relatos que ouvi de quatro astronautas que pisaram na Lua. Faz pouco tempo, tive a chance de entrevistar, simultaneamente, dois Prêmios Nobel: o ex-presidente Jimmy Carter e o arcebispo Desmond Tutu. Isso acontece uma vez na vida. Fazer jornalismo pode ser simples: é ver, ouvir e passar adiante – da maneira mais fiel e mais interessante possível. Ou seja: produzir memória. É o que tento fazer.

E qual foi a mais difícil?

GENETON: As entrevistas com os generais Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves, feitas para a Globo News, tiveram momentos difíceis, porque, várias vezes, eles me “devolviam” perguntas – eventualmente, em tom irritado. Nem sempre respondi, porque meu papel, ali, não era o de fazer “discurso”, mas o de ouvi-los, para levar ao público o que duas figuras importantes do regime militar tinham a dizer. Repórter não pode ser militante. O maior pecado que um jornalista pode cometer é exercer patrulhagem ideológica na hora de entrevistar alguém ou de tratar de um assunto. Quer ser militante ou patrulheiro? Inscreva-se num partido político.

Quem você gostaria que te entrevistasse?

GENETON: Um dos outros mil pecados capitais de jornalistas é o fato de se julgarem mais importantes do que realmente são. Em geral, a pretensão descabida resulta em cenas risíveis. E seria “pretensioso” eu escalar um entrevistador. Feita esta ressalva, quero dizer que acho uma empulhação esta história de que “jornalista não é notícia”. Já li centenas de matérias interessantes sobre jornalistas. Para aprender, eu leria uma entrevista de duzentas páginas de Elio Gaspari. Por que não? Fiz uma entrevista de vinte horas com Evandro Carlos de Andrade, ex-diretor de jornalismo da TV Globo. Tinha o que contar. Por que não? Devolvo, aqui, a gentileza que meu amigo Pedro Bial me fez, nesta mesmíssima seção, ao dizer que me escolheria como entrevistador e entrevistado.

E quem ainda falta entrevistar?

GENETON: A lista daria para encher um catálogo telefônico. Mas – de cara – adoraria ter a chance de entrevistar George W. Bush e Fidel Castro. São dois grandes personagens jornalísticos. Sem patrulhagem ideológica, eu teria uma enorme lista de perguntas para fazer a cada um dos dois.


Posted by geneton at fevereiro 12, 2012 01:00 PM
   
   
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