CID BENJAMIN
GUERRILHEIRO QUE PARTICIPOU DE SEQUESTRO DO EMBAIXADOR DIZ QUE, “PESSOALMENTE”, PERDOA TORTURADORES, MAS QUER QUE ELES SEJAM JULGADOS
A Globonews reapresenta, neste domingo, às cinco e cinco da tarde, no DOSSIÊ GLOBONEWS, uma entrevista completa com o ex-guerrilheiro Cid Benjamin, um dos “cabeças” do mais surpreendente golpe desferido contra a ditadura militar: o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil.
O plano dos sequestradores deu certo: a junta militar que, na época, governava o país libertou quinze presos políticos, em troca da vida do embaixador. Os guerrilheiros também exigiram que fosse lido, nas rádios e na TV, um manifesto denunciando a ditadura. Assim foi feito. A “linha dura” engoliu um sapo gigantesco.
Há uma história que ainda não foi totalmente contada: como foi exercida a pressão do governo americano sobre os militares brasileiros para que a vida do embaixador fosse salva. Parece óbvio que o governo americano disse, em resumo, o seguinte: aconteça o que acontecer, queremos o embaixador vivo. É o que aconteceu.
Charles Elbrick saiu da aventura com uma ferida na testa – resultado da coronhada que recebeu na hora em que era capturado. Mas a operação poderia ter acabado em tragédia. Os guerrilheiros que sequestraram o embaixador estavam dispostos a reagir se os chamados “órgãos de segurança” descobrissem e invadissem o cativeiro – uma casa na rua Alice, em Santa Teresa, no Rio. Numa possível invasão, haveria baixas dos dois lados. É possível imaginar o tamanho da crise que se abriria nas relações entre Brasil e EUA se o embaixador voltasse para casa, em Washington, para ser sepultado.
Cid Benjamin terminou preso, meses depois do sequestro. Passou por sessões de tortura – a que não faltaram cenas de “humor negro”. Ao acionar o mecanismo que provocava choque no prisioneiro, torturadores repetiam o bordão que Chacrinha tornara famoso na TV: “Roda, roda, roda e avisa….”.
Além dos choques elétricos, Benjamin foi pendurado no pau-de-arara. Torturadores aplicaram-lhe “telefone” – o que o fez perder, parcialmente, a audição de um dos ouvidos. Também levou injeção: uma aplicação do chamado “soro da verdade”.
Hoje, ele faz, sobre os torturadores, uma declaração que pode provocar alguma surpresa. Diz que, ao contrário do que pode sugerir a imagem caricata, os torturadores não pareciam ser necessariamente “monstros”. Pelo contrário: entre eles, havia gente que parecia ser perfeitamente normal, pacatos pais de família capazes de cometer atrocidades indescritíveis. Pareciam encarnar a “banalidade do mal”.
Demorou, mas Cid Benjamin terminou reunindo em livro suas memórias, em 2013. Título: “Gracias a la Vida”.
Um pequeno trecho da entrevista que irá ao ar no DOSSIÊ GLOBONEWS:
Hoje, tanto tempo depois, qual é a visão que você tem sobre os torturadores?
Cid Benjamin: “O que me chamou atenção é que não necessariamente eles eram monstros. Eu não tinha lido Hanna Arendt – que, no livro que fez sobre Adolf Eichmann, chegou à conclusão de que ele era “horrivelmente normal”, depois de ter cometido aquelas atrocidades todas sob o nazismo. Evidentemente, o cidadão que tem como parte do trabalho a tarefa de torturar pessoas tem a personalidade deformada por esta prática. Com o tempo, ele deixa de ser uma pessoa normal – mas me chamava atenção, desde aquela época, o fato de que nem todos os torturadores se enquadrariam diretamente naquela coisa de monstros.
Eu imaginava que alguns dos torturadores podiam ser bons pais de família, bons vizinhos, torcer por time de futebol, fazer um churrasco com os amigos e, no entanto, torturar pessoas. Nem todos eram assim: havia psicopatas, havia sádicos, havia profissionais – como policiais mais antigos que torturavam presos comuns e passaram a torturar presos políticos. Aquilo, para eles, não afetava o dia-a-dia. Era como se fossem tomar o café da manhã e, depois, almoçar.
Havia militares imbuídos da coisa da Guerra Fria. Achavam que estavam numa guerra. Também havia militares que torturavam e diziam ao preso: “Eu respeito você: é um inimigo respeitável”. E torturavam o sujeito! É uma multiplicidade muito grande de personalidades. Nem todos podem ser enquadrados assim: “É um monstro – que tem a vida social de monstro”. Isso não é passar a mão na cabeça dos torturadores. É muito mais grave que seja assim: que pessoas aparentemente normais sejam capazes de torturar. Isso é mais grave.
Não estou passando a mão na cabeça de ninguém ao fazer esta constatação! Mas é uma constatação real. É um fato. O ser humano é capaz dos gestos mais nobres e dos mais ignóbeis. Isso é parte da natureza humana. É bom que a gente tenha consciência desse fato. Não se iluda. Porque seria mais cômodo dizer: “Quem tortura é monstro”. Não é assim. A sociedade em que vivemos é uma sociedade que não aboliu inteiramente a tortura. Não criou a consciência de que a tortura é algo abominável. É uma sociedade que permite que pessoas com uma vida relativamente normal sejam torturadoras. Isso é dramático!.
Em relação a rancor e ódio: não tenho – inclusive aos que não se arrependeram. É preciso abrir os arquivos das Forças Armadas sobre a repressão política, desvendar tudo o que aconteceu, trazer tudo à tona – muito mais para criar anticorpos na sociedade para que coisas assim não se repitam. Eu poderia perdoar todos os meus torturadores. Mas acho que eles devem ser punidos – não por mim nem pelo meu caso, mas porque o futuro da tortura está ligado ao futuro dos torturadores. Talvez se os torturadores da ditadura tivessem sido punidos, Amarildo estivesse vivo.
Tortura é um crime de lesa-humanidade. Não pode prescrever. Torturadores têm de ser levados a julgamento – não só os que executaram as torturas diretamente, mas a cadeia de comando toda. Não é com a preocupação de quem olha para trás, mas com a preocupação de quem olha para frente. A democracia precisa disso – para que seja solidificada e para que se criem condições para que a tortura não se repita”.
Para ser bem direto: você perdoa os torturadores?
Cid Benjamin: “Pessoalmente, sim. Politicamente, quero que eles sejam julgados. Os que forem condenados que cumpram a pena”.
Posted by geneton at março 10, 2014 12:32 AM