janeiro 14, 2008

UMA ENTREVISTA SOBRE JORNALISMO, LIVROS-REPORTAGEM, INTERNET, CELEBRIDADES E TUDO O QUE VAI PELO AR

Do site de Paulo Polzonoff Jr (http://www.polzonoff.com.br/entrevista-com-geneton-moraes-neto.htm#more-1016):


"Conheci Geneton Moraes Neto num destes bons acasos que a internet é (ou era) capaz de propiciar. Estava em casa, na Urca, fazendo provavelmente nada, quando recebi um e-mail dele me convidando para jantar. Os desdobramentos desta história tiveram seus momentos de angústia e alguma tragédia. Mas a amizade permaneceu.

Desde então, sempre que nos encontramos, discutimos longamente sobre as coisas – este assunto delicioso que parte do cheiro de um queijo e, meia hora depois, está no centro de uma revolução capaz de derrubar um presidente. Por algum motivo curioso, nossas conversas são sempre regadas a café. Muito café.


Há muito tempo penso em colocar nossas conversas no papel. Mas há sempre algo impedindo. Geralmente, a preguiça e a má memória. Por causa do lançamento da mais recente coletânea de entrevistas de Geneton Moraes Neto, o Dossiê História, achei a motivação que me faltava.

A longa entrevista que se segue foi feita, infelizmente, à distância. Sem o café e sem as risadas. Pior: sem o grande nada que orienta nossas boas conversas. Nela, o leitor descobrirá um jornalista que todos os dias reza para Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, pedindo a ela que jamais – jamais – lhe tire a capacidade de encarar a vida como se estivesse vendo tudo pela primeira vez".


Antes de mais nada, sacie uma curiosidade: por que todos os seus livros são “dossiês”? De onde surgiu isto?

Gosto da palavra “dossiê” por duas razões básicas. Primeiro: ela soa bem. Segunda: a palavra tem uma óbvia ressonância jornalística. Quando eu estava preparando um livro que reunia documentos secretos de governos estrangeiros sobre o Brasil, fiquei em dúvida quanto ao título. Eu me lembro de que estava em Londres. De início, pensei em Arquivo Secreto. Mas resolvi batizá-lo de Dossiê Brasil. Três anos antes,em 1994, eu já tinha publicado o Dossiê Drummond. Tanto em um caso quanto em outro, achei que os títulos soavam bem. Eram diretos. E já davam uma idéia sobre o que os livros eram. De resto,o que faço nos livros-reportagem é produzir dossiês. Ou seja: “uma coleção de documentos referentes a certo processo, a determinado assunto ou a certo indivíduo”, como informa o Nosso Pai, o Dicionário Aurélio. A partir daí, adotei a palavra “dossiê” como uma espécie de bandeira (algo esfarrapada) que vou empunhando pela vida afora.

Por que você faz questão de deixar registrado em papel as entrevistas que faz para a TV?

Porque, se eu for fazer um teste de DNA, vou encontrar vestígios de jornalismo impresso no sangue. Comecei a trabalhar em jornal aos dezesseis anos, em 1972, no Diário de Pernambuco (é só fazer as contas: prazer, já sou uma ruína cinquentenária). O livro me parece a plataforma ideal para publicar entrevistas mais longas, reportagens “de fôlego”, descrições detalhadas. Eu diria que o livro se transformou em espaço nobre para a reportagem no Brasil. Estou nessa. Além de tudo, a palavra impressa não perdeu a nobreza. E dá a ilusão de permanência ao que foi escrito. Bem ou mal, os meus pobres dossiês estão armazenados, por exemplo, na Biblioteca do Congresso, em Washington (recentemente, dei uma rechecada na Internet, o acervo foi liberado para consulta on-line). É provável que jamais sejam consultados, mas, pelo menos, estarão devidamente guardados lá. Só posso esperar que uma bibliotecária caridosa deixe-os fora do alcance das traças. O que se fazia em televisão estava e sempre esteve condenado à transitoriedade absoluta. Mas há uma novidade importante no ar: hoje, graças a esta Oitava Maravilha do Mundo, a Internet, já é possível acessar e ressuscitar imagens que estavam fora do alcance de todos nós. É só dar uma passada no You Tube. Um dia, os arquivos das emissoras de TV estarão disponíveis on-line. Assim,o que se faz em TV terá uma sobrevida extraordinária. O motivo por que publico em papel as entrevistas, no entanto, não é apenas para ter a ilusão de permanência. Em última instância, o que me move é, pura e simplesmente, a paixão pelo texto impresso, o prazer de escrever e o gosto pela reportagem. Não sei fazer outra coisa. Lastimavelmente. “That´s all”.

Há uma grande discussão sobre o fim ou não dos livros em papel. Qual sua opinião sobre isso?

Se fosse dar um palpite, diria que o livro não vai acabar. Já dura séculos. Eu diria que é a maior invenção humana: portátil, relativamente barato ( pelo preço de um vatapá posso comprar um Thomas Mann), acessível, manuseável, perfeito. O surgimento de uma mídia não quer dizer necessariamente que as outras vão desaparecer. A TV não matou o rádio. O cinema não matou a TV. Nada matou o livro. Pode ser que um dia surja um livro eletrônico imbatível, mas, por enquanto, o monitor não é o lugar ideal para trezentas páginas de texto. Quanto aos jornais impressos, eu tinha certeza de que eles também não desapareceriam. Mas hoje uma dúvida incandescente consome minhas florestas interiores. Tenho a impressão de que os jornais, ao repetir mecanicamente o que nós já soubemos na véspera pela internet e pela tv, estão cavando a própria sepultura. O incrível é que caminham para o buraco “por livre e espontânea vontade”.

Você é novo no mundo dos blogs, com o seu site pessoal e com o blog coletivo Sopa de Tamanco. O que você tem achado deste universo? Como é esta experiência para você?

Não sou exatamente um blogueiro. Resolvi abrir meu boteco, o site www.geneton.com.br apenas para reunir, num lugar, entrevistas, textos e reportagens que estavam dispersos. Fiquei em dúvida sobre se valeria a pena. Hoje, acho que vale. Porque, se alguém fizer uma busca no Google por um dos entrevistados, gente como Paulo Francis, Joel Silveira ou Ivan Lessa, vai terminar parando no meu site, por algum desses mistérios internéticos. O site, então, serve apenas como eventual fonte de consulta para internautas que estejam à procura das celebridades que entrevistei. De vez em quando, faço textos. Não tenho tempo. Não tenho vocação. Não tenho disciplina para alimentar o site diariamente. O número de visitantes deve se irrisório. Mas não vou fechar o botequim. Minha idéia é deixar lá o maior número possível de entrevistas (minha especialidade). Já estou providenciando a digitação de entrevistas que, originalmente, foram escritas em máquina de escrever, há coisa de vinte anos, com gente como Darcy Ribeiro, Fernando Sabino, Millôr Fernandes, Mário Quintana, Gilberto Freyre & cia ilimitada. Em breve, estarão lá. Um dia, quem sabe, um ou outro internauta terminam aportando no site. Já o www.sopadetamanco.blogspot.com - que anda magro, porque os colaboradores deserdaram – é o botequim que a gente abriu para falar mal dos outros. Mas tenho dificuldade de produzir textos diários.

Sou, na verdade, vítima de uma grande deformação profissional – que acomete repórteres: só consigo escrever se, antes, tiver visto alguma coisa ou ouvido alguém. Fora daí, o mundo é uma imensa folha de papel em branco – que não me arrisco a preencher com meus rabiscos. Assim, creio que eu jamais teria uma “coluna diária” num blog ou num site.

Entrando no mérito do livro Dossiê História: todo o seu trabalho parece ter uma ligação muito forte com o passado. Isto vai um pouco na contramão do que as pessoas pensam do jornalismo: algo rápido e imediato, centrado no agora. Como surgiu este seu interesse pelo “jornalismo histórico”?

Talvez tudo tenha nascido da curiosidade que sempre tive sobre – por exemplo – personagens que viveram ou testemunharam grandes acontecimentos. É sempre fascinante ouvi-los. Tomara que eu não perca esta curiosidade. Porque, aí, eu terei sucumbido a uma doença terrível que grassa nas redações: a Síndrome da Frigidez Editorial. É uma doença que contamina as células de jornalistas entediados que acham que nada é interessante, nada deve ser relatado, nada é notícia. Coitados.

Quem você acha que é o seu público? As pessoas estão de fato interessadas na queda do Muro de Berlim, na renúncia de Collor e na II Guerra Mundial?

Não tenho idéia. Quando a gente escreve, sempre imagina quem será o leitor. É um exercício tentar adivinhar quem é este ser fugidio que, no fim das contas,consome quase todas as nossas energias. Quem será o leitor típico? Quantos anos terá? O que pensa? O Dossiê Brasília, livro que reunia as entrevistas com quatro ex-presidentes, vendeu algo em torno de 28 mil exemplares, se não me falha a memória. Para mim, é uma multidão inimaginável. Imagino a arquibancada de um estádio de futebol lotada por vinte e oito mil pagantes. Tremo nas bases. É um delírio bobo. Aliás, mil leitores, para mim, já formam uma legião respeitabilíssima. Imagino um teatro lotado. Lá estão mil leitores. Jamais, sob hipótese alguma, teria coragem de subir ao palco para encará-los. Mas, se tivesse a chance, gostaria de observá-los de longe, instalado na décima-oitava poltrona da qüinquagésima oitava fila.

Por falar em Collor, no livro Dossiê Brasília Collor disse que jamais se canditaria a um cargo novamente. E, no entanto, ele não só se candidatou como também foi eleito para o Senado. Como você vê isto?

A palavra de políticos pode ser volátil. Eis um exemplo. Naquele momento, ele parecia decidido a não voltar à política, porque deu esta declaração num tom incisivo. Independentemente de qualquer coisa, eu diria que Fernando Collor é um personagem jornalisticamente interessante, por tudo o que ele reúne de trágico. Um jovem de quarenta anos ganha nas urnas o direito de governar um país que não chega a ser uma republiqueta (se bem que nosso complexo de inferioridade insista em nos rebaixar). Mas joga pela janela a chance de entrar para a história. Há um componente trágico nesta saga.

Você acha que, do mesmo jeito que fez uma entrevista às claras com Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique, poderá um dia fazer uma entrevista às claras com Lula?

Eu espero ter a chance de fazer. Já fiz uma entrevista com Lula, em 1978, quando ele era uma estrela sindical, logo depois de ter comandado as famosas greves dos metalúrgicos. Cobri a primeira visita que o pernambucano Lula fez a Pernambuco depois de ficar famoso. Eu me lembro de que ele parecia meio “desbocado”, informal, um brasileiro comum. Dizia palavrões. Ao visitar Dom Hélder Câmara, o arcebispo que fazia oposição ao regime militar, Lula apresentou o filho, uma criança : “Dom Hélder, este é Sandro, meu filho. O nome é de costureiro, mas ele é macho!”. Ou seja: Lula não era nada protocolar. De certa maneira, ele mantém este traço. É óbvio que é um personagem jornalisticamente interessante, pelo trajeto que cumpriu. Espero ter a oportunidade de incomodá-lo, com meu gravador, quando ele estiver aposentado, em São Bernardo.

No Dossiê Brasília, Itamar revela que um grupo de deputados sugeriu que o Congresso Nacional fosse fechado. É uma declaração séria. Você acha que ela teve a repercussão que merecia?

Não. As entrevistas publicadas no livro Dossiê Brasília,como eu disse, nasceram de gravações feitas originalmente para o Fantástico. O livro chegou ao primeiro lugar em todas as listas de mais vendidos. Mas a imprensa praticamente o desconheceu. Há uma evidente má vontade dos jornais e revistas na hora de registrar a existência de livros ligados à TV. Devem achar que são coisas menores, sem mérito. Tudo bem. Noventa por cento dos jornalistas passam a maior parte do tempo jogando notícia no lixo. Faz parte da natureza da profissão. Mas o chamado “público leitor” respondeu super-bem. Só tenho a agradecer. Independentemente de qualquer coisa, eu precisava fazer o livro: creio que seria um crime de lesa-memória deixar que a íntegra das entrevistas mofasse no arquivo da TV. Só usamos na TV uma fração do que foi gravado, porque seria impossível levar tudo ao ar, por absoluta falta de tempo. O livro Dossiê Brasília me deu a chance de publicar tudo na íntegra, palavra por palavra, além de descrever cenas de bastidores e registrar impressões do repórter. Idem com o recém-lançado Dossiê História.

Voltando à idéia do “jornalismo histórico”. Você acha que o tempo ajuda a preencher lacunas que o jornalismo mais imediato ignora? Neste sentido, o Dossiê História traz alguma revelação que você julga importante?

Claro. A história nunca deixa de ser escrita. Há sempre detalhes novos que podem iluminar a compreensão dos fatos. O ponto forte do Dossiê História, acho, é a visão pessoal de personagens de grandes acontecimentos. Os grandes fatos históricos não são abstrações frias narradas em livros embolorados. Pelo contrário. Gestos épicos e trágicos – como, por exemplo,a invasão da Rússia pelas tropas de Hitler – foram executados por gente com nome e sobrenome, como, por exemplo, Henry Metelmann, o ex-soldado nazista que entrevistei numa cidadezinha do interior da Inglaterra. Como é que estes personagens descrevem fatos que mudaram o mundo ? Creio que esta é a “revelação” que o Dossiê História traz: o relato estritamente pessoal de quem tem autoridade para falar, porque viveu ou testemunhou estes grandes acontecimentos.

No Dossiê História“>Dossiê História, o 11/9 tem papel de destaque. Você acha que o episódio marcou o início do século XXI ou o fim do século XX? Será que não superdimensionamos o atentado por causa da proximidade do tempo e da abundância de imagens dele?

O Onze de Setembro marcou o início do Século XXI. O Século XX tinha acabado, simbolicamente, com a queda do Muro de Berlim. Houve quem, apressadamente, achasse que a história tinha terminado. Não terminou. A aparição espetacular do radicalismo islâmico mudou a geopolítica. O atentado não foi superdimensionado por um motivo simples: jamais houve um ataque de tal envergadura.

Há dezenas de teorias conspiratórias envolvendo o atentado ao World Trade Center. Você acha que alguma delas merece crédito do ponto de vista jornalístico? Há alguma que você gostaria de investigar?

Não. Assim como aconteceu com o assassinato de John Kennedy, o 11 de Setembro já gera uma vasta subcultura de teorias delirantes. Já vi gente dizendo coisas absolutamente estúpidas e insustentáveis, como, por exemplo, que os próprios Estados Unidos tinham armado o atentado para poder atacar militarmente países hostis. A coleção é enorme. O atentado foi exaustivamente investigado. Eu li a maior parte do relatório oficial ( uma boa leitura, aliás: o 9/11 Comission Report, disponível nas boas livrarias do exterior, foi escrito como se fosse uma reportagem). Não há qualquer duvida de que o atentado foi tramado – competentemente, aliás – pela Al-Qaeda.

Você entrevistou várias pessoas que conheceram o articulador do atentado, Mohammed Ata. Que imagem do terrorista você, Geneton, acabou construindo, depois destas entrevistas?
Depois de entrevistar, em Hamburgo, gente que conviveu intimamente com um dos principais executores do atentado, o ex-estudante de arquitetura Mohammed Atta, um egípcio que queria proteger a cultura árabe de qualquer influência ocidental, devo dizer que notei uma certa complacência – ou pelo menos, simpatia – de professores e colegas em relação a ele. Atta não era a figura clássica do terrorista. Aparentava até uma certa fragilidade. O professor me disse que ele dava a impressão de ser um jovem imigrante que, por seguir o islamismo com fervor, sentia-se certamente deslocado numa cidade liberal e rica como Hamburgo. Procurava respostas. Terminou caindo no que o professor chama de “armadilha” de pregadores radicais numa mesquita. Daí para o recrutamento pela Al Qaeda foi um passo. A Al Qaeda tinha um recrutador em Hamburgo! Em pouco tempo, Atta estava fazendo viagens secretas ao Afeganistão. Caiu nas graças de Bin Laden porque era o executor ideal para o atentado: falava inglês e alemão com fluência, estava estudando numa universidade insuspeita na Alemanha, certamente entraria sem dificuldades nos Estados Unidos. Atta atendia ao requisitivo principal: estava disposto a se “martirizar” numa operação terrorista de proporções inéditas. E assim foi feito.

O nazismo é o outro grande assunto do seu livro. Tenho a impressão de que, no Brasil, é um assunto tido como menor. Você concorda?

Eu não diria que é visto como um “assunto menor”. Quem se interessa minimamente por história sabe que, em última instância, a ascensão do nazismo – e tudo o que decorreu daí – foi o acontecimento mais importante do Século XX.

Por que, para você, o nazismo é interessante jornalisticamente? Não há quem diga que é algo remoto, sem conexão com o século XXI?

O nazismo é jornalisticamente interessante porque, ao revirar a história da guerra, por exemplo, a gente encontra personagens jornalisticamente interessantíssimos . Talvez a entrevista mais marcante do Dossiê História seja com o filho de um dos maiores carrascos nazistas, Hans Frank, o chamado “Açougueiro da Polônia”, um monstro que foi responsabilizado pela morte de milhões de seres humanos nos campos de extermínio. Gravei uma longa entrevista com Niklas Frank, o filho de Hans Frank, num povoado perdido no interior da Alemanha. É um belo personagem: não se conforma com o que o pai fez, não aceita até hoje o que Alemanha nazista fez. Diz que, se pudesse, condenava o pai a morrer pela segunda vez. Hans Frank foi condenado à forca no Tribunal de Nuremberg. Niklas Frank é um exemplo extremo de que o nazismo não é um fato tão remoto, sem conexão com o Século XXI. Pelo contrário.

Você acha que o nazismo, ou melhor, a II Guerra como um todo, ainda esconde segredos?

Diria que sim. Eu morava em Londres em 1995, quando a Europa comemorava os cinqüenta anos do fim da guerra. Sem exagero: a cada semana, apareciam novas histórias, novos personagens. A guerra é um assunto fortíssimo na Europa.

Percebi, nas histórias que envolvem o nazismo, certa fascinação pela contradição, ainda presente, entre o cidadão pacato e o assassino que, cumprindo ordens ou não, cometeu diversas atrocidades. Este é um ponto de especial interesse para você? Por quê?

Personagens contraditórios são um prato cheio para repórteres em busca de boas histórias. Porque fogem do óbvio. Um velhinho pacato que, na época em que servia ao exército de Adolf Hitler, cometeu atrocidades contra gente inocente será sempre objeto de fascinação jornalística. A reportagem vive de personagens assim.

Em sua viagem pela Europa em busca de personagens, houve alguém que você quis entrevistar e não conseguiu ou se negou a dar entrevistas?

Já levei “nãos”, claro, mas não desta vez. Terminamos entrevistando todos os personagens que queríamos encontrar. Dos “nãos” que levei, eu me lembro de um que veio de um ídolo da infância: Jerry Lewis, o comediante que vi em tantas matinês no Cinema da Torre, no Recife, quando era criança. Tentei entrevistá-lo quando ele passou por Londres para uma mini-temporada num teatro. A assessora me mandou um bilhete dizendo, secamente, que Mr. Lewis não iria me dar entrevista porque iria concentrar suas atenções na imprensa inglesa – que atingiria o público-alvo do espetáculo. A viúva do assassino do presidente Kennedy me pediu quinze mil dólares para falar. Não deu. Tom Wolfe, o jornalista-escritor, não se deu ao trabalho de atender ao telefone. A secretária de Saul Below me mandou uma carta dizendo que ele estava sem tempo. O assessor de imprensa de Paul McCartney prometeu vagamente mas não deu retorno. E assim por diante.

Aliás, como é conseguir entrevistas para uma desconhecida TV no Brasil. Como é a recepção por parte dos entrevistados? Você enfrentou alguma dificuldade neste sentido?

Ser um repórter de um país remoto pode funcionar a favor. Não é nada incomum entrevistados reagirem com surpresa aos serem procurados. Não tenho queixas sobre a recepção.

O último texto do livro, uma entrevista com Carl Bernstein, que ajudou a derrubar o presidente Richard Nixon, foi incluído de última hora. A entrevista também parece ter caído no seu colo meio que por acaso. Como foi isto?

A entrevista não caiu no meu colo por acaso. Quando eu soube que ele viria ao Brasil, tratei de ir a São Paulo. Vi a conferência. Gravei uma entrevista longa. Sem querer parecer cabotino, devo dizer que, ao final da gravação, ele disse que aquela tinha sido “uma das melhores entrevistas” que ele já tinha gravado para uma tv. Depois, para minha surpresa, ele telefonou para a minha casa e me mandou um e-mail. Queria me convidar para um jantar. Eu me senti como um zagueiro do Sport Club do Recife que tivesse sido convidado por Pelé para uma conversa. Tudo o que ouvi de Carl Bernstein foi parar no Dossiê História. As coisas que ele disse servem de lição, especialmente para jovens jornalistas. “Recomendo fortemente”.

Durante muito tempo, Berstein foi a personificação do Quarto Poder. Você acredita que tal coisa exista ainda hoje? Um jornalista nos Estados Unidos poderia derrubar novamente um presidente nos EUA? E no Brasil?

Poderia, sim. Não se deve menosprezar o poder de fogo da imprensa. Uma revelação sensacional sobre um político, um executivo ou um candidato pode,sim, acabar com uma carreira. O sonho secreto de todo jornalista é derrubar um presidente – nem que seja de um clube de futebol de segunda divisão.

Ao final do livro, você diz que é preciso, ao jornalista, encarar a vida como se estivesse vendo tudo pela primeira vez. Você acha que a nova geração de jornalistas ainda se espanta com as coisas? Trazendo a pergunta para dentro do livro: você não acha que a própria cobertura do atentado contra o World Trade Center acabou por banalizar a notícia? Parece que ninguém se espanta com mais nada. Tudo é tão natural…

Jornalistas que se deixam contaminar pelo tédio estão mortos para a profissão. Deveriam procurar outra atividade, com urgência. Assim, deixariam de maltratar a notícia, deixariam de jogar no lixo histórias interessantes, deixariam de sonegar informações aos leitores. O bom jornalista é o que olha a vida como se estivesse vendo tudo pela primeira vez. Não há exceção a essa regra.

Sempre que perguntam ao Millôr Fernandes que conselho ele daria a um jovem jornalista, ele diz: “Tenha sorte”. Você acha que é um bom conselho ou você tem um próprio?

É um bom conselho. Mas há outro, específico para jornalistas. Quem deu foi um jornalista inglês. Chamava-se Louis Heren. Já bateu as botas. É assim: “Toda vez que estiver ouvindo presidentes e ministros, líderes sindicais ou empresários, iogues ou delegados de polícia, o repórter deve sempre perguntar a si mesmo: por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?”.

A outra pergunta aprendi com Paulo Francis. Se fosse capaz de articular uma frase cinco minutos depois de nascer, ele gostaria de ter perguntado aos presentes, ainda na maternidade: “Quem disse que eu queria vir pra essa joça ?”.

Eu diria que esta é a grande pergunta - que me faço todo dia, diante do espelho. Como nunca encontrei a resposta, pego o gravador, vou pra rua à procura de bons personagens, faço as perguntas que julgo necessárias, ouço tudo com toda atenção, mas, lá no fundo, fico repetindo para mim mesmo,como se fosse um mantra: “Por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?”.

Posted by geneton at janeiro 14, 2008 01:22 PM
   
   
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