A VOZ DE GLAUBER ROCHA NUMA MADRUGADA BRASILEIRA
O controle remoto me levou a um pouso inesperado num canal a cabo : desembarquei de madrugada numa cena de um filme de Glauber Rocha, "A Idade da Terra", o último que ele fez.
Glauber Rocha faz, em off, sobre imagens de Brasília, um discurso grandiloquente: fala de Terceiro Mundo, capitalismo, socialismo, revolução soviética confrontando a riqueza americana, a roda da História, invasões, Europa conquistando o Novo Mundo, catequeses, cristianismo, utopias, barbáries, caudilhos, a América Latina pagando o preço da progresso alheio, o sonho de que aquela paisagem do Planalto Central produzisse iluminações planetárias.
Eu me lembrei de uma entrevista que fiz uma vez com Antônio Callado, o escritor da obra-prima "Quarup": lá pelas tantas, ele dizia que foi para uma entrevista coletiva do recém-eleito presidente Juscelino. Incrédulo, Antônio Callado viu Juscelino apontar, num mapa, para o local onde um dia se construiria Brasília. Como um louco, o presidente prometeu "Daqui, sairão ondas de civilização. Ondas ! Ondas !".
O escritor-repórter disse que soltou um suspiro de descrença naquele delírio. Mas JK fez Brasília.
O discurso de Glauber Rocha acendeu um devaneio tropical na madrugada: quem sabe, o que falta ao Brasil, hoje, é um toque épico, uma fagulha daquele delírio que Glauber Rocha articulava sobre imagens de Brasília.
Como diria o co-tamanqueiro Amin Stepple, o Brasil não pode se contentar em ser ator de um papelão histórico.
Tive a chance de assistir a uma exibição especial de "A Idade da Terra", numa manhã de sábado, num cineminha em Paris, ao lado de Glauber Rocha. O ano: 1981, meses antes da morte do homem. A sessão fora organizada porque Glauber queria mostrar o filme a um punhado de críticos franceses. Terminada a sessão, Glauber se vira para mim e para o também estudante de cinema Marcos Mendes, hoje professor de cinema em Brasília. Junta os dedos indicadores das duas mãos para perguntar: "Como é ? Fizeram as ligações? Fizeram as ligações ? ".
Quer saber se a gente tinha embarcado naquela torrente desvairada de sons e imagens.
O Brasil - muitíssimo provavelmente - precisa de delírios de grandeza. Ambição de originalidade. Explosões glauberianas. Torrentes e vulcões contra a pequenez. "Ondas de civilização".
Termina aqui o devaneio.
Hora de mudar de canal.
Posted by geneton at julho 14, 2007 10:26 AM