O NOME CERTO NÃO É PITBOY
Ninguém perguntou, mas declaro, diante deste egrégio tribunal, que tenho horror a cachorros. Os bichos só são toleráveis em cinema. Não existe nada pior que cachorro fungando a perna dos outros dentro de elevador. Se houvesse justiça nesta planeta desperdiçado, quem botasse cachorro dentro de elevador pegaria cinco anos de cadeia automaticamente, sem direito a apelação.
Mas devo confessar uma admiração secreta por um gesto nobre que os cachorros praticam todo dia, no anonimato, longe dos olhares dos citadinos.
O cenário: aquelas estradas barrentas do interior. Ali, os cachorros praticam um exercício admirável, pela persistência: toda vez que é despertado pelo ronco de um motor, o vira-latas de plantão dispara atrás do carro e começa a latir, desesperadamente. Jamais alcançará os carros, porque não terá força nem velocidade para tanto, mas, ainda, assim, corre e late a cada vez que o ronco de um motor o desperta da modorra. É assim o dia inteiro. Quantas centenas de vezes não vi esta cena ?
Depois de correr cem metros atrás da roda, o cão desiste, exausto, enquanto o carro se afasta.
O bicho perdeu a batalha contra a máquina. Mas basta que o ronco do motor anuncie a passagem de outro carro para que o cão sarnento se apresente de novo para a perseguição inútil.
A beleza do gesto é justamente esta : a coragem de persistir na inutilidade . Porque não existe exercício tão inútil quanto o de cães vadios perseguindo a roda dos automóveis na beira de estradas do interior do Brasil. Mas, sem esperar medalhas da humanidade, eles persistem. É uma lição silenciosa para nós, fracos de espírito que cambaleiam diante do primeiro fracasso.
O cão fracassa todo dia, mas corre, late, faz barulho.
Acabo de descobrir um sentido para a vida: uivar - feito os cães das estradas do interior - diante de cada impostura, cada incômodo, cada fracasso, cada empulhação. Pode ser um belo exercício. Não precisa incomodar os vizinhos. Basta um uivo inaudível. É inútil, porque os carros continuarão passando, indiferentes. Mas vale o protesto.
Em homenagem aos cães sarnentos das beiras de estrada do interior, a humanidade deveria uivar todo dia para a lua ( "Um Cão Uivando para a Lua" é o belo título do livro de Antônio Torres - que li, ainda nos anos setenta, entre uma aula e outra).
Minha ojeriza aos caninos comporta outra exceção: preciso levantar a voz em defesa de um cachorro chamado Boy. Quando eu era criança, no século passado, havia em minha casa um cachorro branco que tinha este nome. Nunca fez mal a ninguém. Numa noite de São João, assustado com o ruído dos fogos, Boy fugiu. Jamais foi encontrado. ( Música triste. Cena trash. Câmera percorre rua iluminada por fogueiras de São João. O olhar de um menino procura na paisagem sinais do cachorro. Nada. Créditos começam a rolar. Luzes do cinema se acendem. Uma mulher disfarça o choro, com vergonha do vexame).
Se eu escrever outro parágrafo, ganharei o Troféu José Mauro Vasconcelos de pieguice animal.
Por que tanta divagação sobre cachorros?
Por um motivo:
Por uma questão de justiça, recuso-me formalmente a dar o título de Pitboys a estes bichos que tentam matar empregadas domésticas em pontos de ônibus. Boy, em minha geografia sentimental, é o nome de um cachorro manso que fugiu de casa com medo do som dos fogos de artifício de uma festa de São João.
Pitboys,não. Pitnazis. É melhor assim.
Posted by geneton at junho 28, 2007 01:15 PM