fevereiro 23, 2007

ANOTAÇOES DE UM NAVEGANTE. ESCALA: VATICANO

CIDADE DO VATICANO - Nem 11:59 nem 12:01. O relógio marca meio-dia em ponto quando uma das janelas do Vaticano se abre. Apequenada pela distância que a separa da multidao, uma figura se aproxima do parapeito para saudar os visitantes que,lá embaixo, na Praça de Sao Pedro, apontam para a janela um oceano de câmeras digitais . De longe, é impossível discernir, a olho nu, as feiçoes da figura que acena da janela. Mas quem usa o visor das câmeras como uma espécie de binóculo improvisado vai enxergar, com razoável clareza, o sorriso travado do personagem. Ei-lo: o papa Bento XVI acaba de fazer uma apariçao no Vaticano.

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Justiça se faça: a taxa de carisma do Papa é algo perto de zero, comparada com a de Joao Paulo II. Mas uma apariçao do sucessor de Sao Pedro é sempre capaz de espalhar pela multidao uma corrente de entusiasmo. É o que acontece. Os fiéis aplaudem. Bento XVI acena. Gritos. Novas palmas.

Depois que o Papa se recolhe, a multidao forma uma fila para entrar no Vaticano. Um ponto de passagem quase obrigatório: os túmulos dos Papas. Despojado, como os outros, o túmulo de Joao Paulo II desperta comoçao. Quem nao se lembra da imagem comovente de Joao Paulo II se contorcendo de dores naquela janela do Vaticano, incapaz de pronunciar até o fim a bênçao aos fiéis ?

Visitantes mais devotos choram lágrimas discretas diante do túmulo. Poucos resistem à tentaçao de fotografar. Um funcionário pede que a fila apresse o passo, para evitar um congestionamento humano nos corredores do Vaticano. A dois passos dali, outro túmulo atrai atençoes: o de Joao Paulo I, o Papa que só reinou por trinta e três dias, em 1978. Um visitante anônimo deixa uma rosa vermelha sobre o túmulo de Joao Paulo I. É o único ornamento de um túmulo extremamente despojado. Silêncio, pedem os vigilantes do Vaticano. ''Um minuto, é só uma foto'', respondem os turistas.

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A figura do Papa pode até parecer um anacronismo. Mas a aura de segredo que envolve aqueles corredores, a sincera comoçao despertada - por exemplo - pela visao do túmulo de Joao Paulo II ou a corrente de eletricidade que percorre a multidao quando o Papa surge na janela deixam uma certeza: o fascínio produzido por estes rituais é que garante a permanência da Igreja.

Sem segredos, sem esta pompa, sem esta grandiosidade que se estende por corredores sem fim, o que restaria?

Ainda assim, o Vaticano de vez em quando concede ao populacho a chance de espiar de relance uma nesga do que acontece por trás daqueles muros. O Museu do Vaticano abriu, no Palazzo Apostolico Lateranense, uma exposiçao chamada "Habemus Papa''. Lá estao relíquias como o martelo usado para constatar a morte dos Papas. O martelo exposto à curiosidade pública foi usado para cumprir o ritual fúnebre de Leao XIII, em 1903. Um ajudante bate três vezes na fronte do Papa morto com o martelo, para constatar a morte. Chama o nome de batismo do Papa. O silêncio é a resposta.

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É assim que tudo acaba. O que fica ? A grandeza esmagadora do Vaticano e a beleza de rituais capazes até de acender uma fagulha de fé no peito de descrentes.

Posted by geneton at fevereiro 23, 2007 04:57 PM
   
   
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