PUBLICITÁRIOS FAZENDO TROCADILHOS INFAMES E ARROTANDO PRETENSÃO DESCABIDA? A PLATÉIA GRITA: "ESTOU FORA!"
Compareço diante deste tribunal para perguntar solenemente o seguinte: alguém na platéia por acaso conhece algum ser vivente que seja tão pretensioso quanto um publicitário? A resposta virá num uníssono capaz de abalar uma parede de dois metros de espessura : "Não!".
É óbvio que há publicitários que sabem perfeitamente que tudo o que devem fazer é apenas cometer duas frases engraçadinhas para tentar convencer donas de casa a gastar dinheiro no supermercado (ou jovens idiotizados a comprar o carrão do ano; ou senhores entediados a confiar seus caraminguás ao banco da esquina; ou velhinhas reumáticas a comprar presunto). Dá no mesmo. Os que sabem certamente não serão pretensiosos ou arrogantes. Tratarão de escrever o trocadilho, desligar o terminal de computador, pegar o elevador e ir tomar uma dose de uísque numa "happy hour" no centro da cidade (arhg!!!).
Mas há séculos a pretensão descabida desses trocadilhistas me causa urticária, provoca reviravoltas no estômago, me tira quatro minutos e meio de sono a cada dez anos.
Hoje, gostaria de fazer uma pergunta à meia dúzia de nevegadores internáuticos que visitam este terreno baldio. Sejam estupidamente sinceros: alguém já viu algo tão patético quanto publicitários que tentam dar ar de coisa séria às pecinhas que criam para jornais,rádios, TVs e outdoors ? Por que diabos precisam posar de gênios? Por que querem nos fazer crer que um filminho pretensamente engraçado de trinta segundos é uma obra de arte capaz de estufar de orgulho os peitos da cultura ocidental?
Faz tempo: uma vez, vi num programa de fim de noite na TV um desses seres viventes anunciando ao mundo que a agência que o empregava marcou época porque foi a primeira a mostrar a margarina se derretendo sobre o pão. Era algo assim. O jeito como a margarina tinha sido filmada era descrito como se fosse um plano concebido por Stanley Kubrick. Demorei trinta e cinco segundos até descobrir que não, eu não estava vendo um filme de horror.Não era um quadro do Zorra Total. Não era uma cena de "Apertem os Cintos". Era uma entrevista de verdade.
Depois, vi: um anúncio de um grande grupo de comunicação, publicado pela revista Imprensa, trazia, clara, indiscutível e cristalina, uma vírgula entre sujeito e verbo. Se não me falha a memória, era algo como "e o Estadão,continua....".
Um estudante secundário pode distribuir vírgulas entre sujeito e verbo com a desfaçatez de um bêbado que derrama o copo de cachaça sobre o vizinho de balcão. Um dia será corrigido pelo professor. Mas publicitário bem pago? Não, não, não. Não pode. Quanto a agência terá recebido para assassinar o idioma?
Basta olhar ao redor. Noventa por cento das peças publicitárias trazem um trocadilho infame. Todos os trocadilhos já foram feitos.
Mas os gênios insistem em cultivá-los. A propósito: falo como amador. Nunca entrei numa agência. Não pretendo entrar. Sou um mero observador (e consumidor involuntário das "peças" que povoam as páginas das revistas que leio ou os intervalos dos programas de TV).
Há uma praga ainda pior que a dos trocadilhos publicitários: é a tentativa de dar um tom "doce" ao ato de vender serviços e produtos. Banco vive de tomar dinheiro dos outros. Ponto. Mas o anúncio terminará com uma voz melíflua dizendo que você, querido correntista, deve amar o cofre-forte.
Não existe nada tão chato quando "defesa do consumidor". É um assunto importante, mas inapelavelmente chato. Quero declarar que a única coisa que posso fazer, como consumidor, é decretar um boicote pessoal tão inútil quanto patético contra essas imposturas. Fica, então, decidido que jamais, sob hipótese alguma, comprarei um presunto que é anunciado nos intervalos dos noticiários de rádio com uma voz irritante de uma "velhinha" querendo soar engraçada. A voz deve ser de alguma atriz desempregada. Ao final, um locutor que quer bancar o porteiro do céu diz o nome do presunto como se estivesse sussurando versos amorosos de Vinícius de Morais no ouvido de Charlotte Rampling ( não a sexagenária de hoje: a dos bons tempos). Patético, patético, patético. Declaro que este presunto fica para sempre banido de minha mesa - por todos os séculos e séculos, amém.
Mas a "casa caiu" definitivamente quando este locutor que vos fala foi convidado a participar de uma semana de comunicação promovida no campus da universidade Estácio de Sá, na Barra da Tijuca. Fui de bom grado.
Gosto de dizer a estudantes que o jornalismo pode, sim, ser uma atividade interessante. Eu me lembro de que, nos meus tempos de estudante, tinha de encarar professores entediados que viviam falando mal da profissão ou destilando mágoas e frustrações justamente diante de nós, ingênuos sonhadores. Não quero fazer este papel hoje diante dos candidatos a jornalista. Há os horrores de praxe, mas o jornalismo pode ter salvação como atividade profissional. Quem disse que não? Por que não injetar 5mg de entusiasmo em quem apostou no Jornalismo como meio de vida?
Quando chego lá, o que vejo, nos bastidores? Um zum-zum-zum, um constrangimento, um ataque de estrelice. Um publicitário convidado para a mesa batia o pé: dizia que não poderia falar menos de uma hora. "Fui convidado para fazer uma palestra. Chego aqui, vejo que convidaram outros palestrantes que nem conheço!. Só posso falar se for por uma hora: é o tempo que dura a apresentação que preparei".
Vou ser cem por cento sincero: não guardei o nome do conferencista. Não vem ao caso. O que vale não é o nome. É a situação. O gênio queria falar, na pior das hipóteses, por sessenta minutos. Parem as máquinas. Ergam as sobrancelhas.
Assim foi feito. Por mim, tudo bem. Que o convidado ilustre falasse duas horas. Procurei um lugar na platéia. Com certeza, iria aprender lições que me seriam úteis para o resto da vida.
Mas - desastre! - o que vi, meu Senhor do Bonfim? O publicitário - que,obviamente, envergava uma camisetinha preta bem justa -
passou uma hora discorrendo sobre a arte de vender produtos e serviços ao distinto público. Fez pelo menos uma piadinha de péssimo gosto: disse que a filmagem numa piscina poderia enfrentar problemas se a modelo ficasse mesntruada. Risos constrangidos. Lá pelas tantas, exibe um comercial. O que era aquilo? Uma tartatuga desenhada digitalmente fazia embaixada com a bola, para me convencer a beber uma cerveja gelada. Nem me lembro se era embaixada. Devia ser. O comercial foi exibido como se fosse o supra-sumo da criatividade universal.
De novo, soprei para os cinco botões de minha camisa a expressão de horror de Jacqueline Kennedy em Dallas: "Oh,no !".
Vou cair no lugar comum se disser que - obviamente - há as exceções de praxe: nem todo publicitário carrega nos ombros uma tonelada de pretensão descabida, nem todo publicitário passa oito horas por dia procurando um trocadilho infame, nem todo publicitário quer que o planeta acredite que suas pecinhas sobre bancos,margarinas e cervejas são obras de arte primorosas.
Vou ser cruelmente sincero: que eles saibam que estes rompantes pretensiosos provocam apenas crises incontroláveis de riso em quem sabe medir o tamanho das coisas.
Que continuem cobrando fortunas dolarizadas para imaginar uma tartaruga fazendo embaixadinha com uma bola.
Mas, em nome das capelas do Vaticano, em nome das mesquitas de Meca, em nome das sinagogas de Tel-Aviv, por favor, não queiram nunca, jamais, em tempo algum, fazer com que nós, consumidores indefesos, sejamos cúmplices do Festival de Imposturas Publicitárias.
( A tartaruguinha fazendo embaixada, obviamente, é só um exemplo entre milhares. Mas ilustra uma situação : é um acinte querer nos convencer de que um filmeco publicitário de uma tartaruga fazendo embaixada é o máximo. A constatação vale para a voz doce do locutor nos vendendo presunto. Ou para a imagem de velhinhos dançando e jogando travesseiros uns nos outros, num anúncio de banco. O que era aquilo?).
Fica definitivamente combinado: palestra de publicitário sobre tartaruguinha fazendo embaixada?
Eu estou fora, tu estás fora, ele está fora, nós estamos fora, vós estais fora, eles estão fora.
Já paguei, já pagamos nossos pecados.
Próxima impostura, por favor.
Posted by geneton at fevereiro 8, 2006 12:44 PM