maio 31, 2005

ANTONIO CARLOS VILAÇA, GRANDE ESCRITOR

O que fica de um escritor ? A beleza das palavras escritas. Ponto. Parágrafo.

Todo o resto é desperdício, desencontro, extravio. Tomei um susto quando li hoje, na seção "obituário" do Globo, a notícia da morte de Antonio Carlos Vilaça. Tive pouco contato com ele. Depois que li "O Nariz do Morto", livro que garimpei num sebo, passei a admirá-lo. É um escritor que produziu pouco, mas fez um voto irrevogável de devoção à literatura. Vivia asceticamente. Que eu saiba, morava de favor numa sede do Pen Club, um caso único no mundo. Jovem, renunciou a tudo para se internar num mosteiro, em busca daquele silêncio que purifica, consola e enleva. Terminou voltando às turbulências da vida "civil".

Pensei em um dia gravar um longo depoimento com Antonio Carlos Vilaça, uma entrevista em que ele poderia, quem sabe, descrever seus descaminhos de escritor e crente. A entrevista, aceita, nunca foi gravada: os desperdícios, os desencontros, os extravios de sempre.

Mas, feitas as contas , o que fica é que o foi escrito. As entrevistas não gravadas guardarei no mausoléu dos projetos irrealizados.

Um conselho: procurem, nos sebos, nas calçadas, nas estantes empoeiradas, um exemplar de "O Nariz do Morto". Que belo texto ! A notícia da morte de Antônio Carlos Vilaça diz que ele tinha assinado há poucos dias um contrato para publicar um novo livro, pela Editora Civilização Brasileira. Que assim seja.

Enquanto o novo livro não vem, eis as palavras de um grande escritor, nessas linhas soltas de "O Nariz do Morto":

"Ó dias, ó noites, ó vermes, que perfurais em nós a essência nossa. Que essência ? Que vermes ? Ó países em nós soterrados, ó escombros, ó múmias, ó gigantes mutilados, terras absurdas e quietas, colinas, mausoléus ,incógnitas e nós, bichos da terra, pitorescos, à procura".

"A vida é numerosa. E então os sinos súbito anunciam em nós a morte,que virá. A morte vem.Cada dia, a morte vem".

"A fé religiosa como que me assaltou.Vi-me subjugado pelo entusiasmo. A vida de rapaz que amava as letras e sabia de cor os seus poetas preferidos,a vida simples, descuidada, solitária,tantas vezes,de um rapaz estudioso (e reto) ganhou esse frêmito novo e desconhecido, essa audácia, essa loucura, essa vibração absurda".

"Eu gostava das sublimidades.Eu queria as grandezas. Eu sonhava com alturas límpidas. Eu queria as nuvens. Muito menos, o duro chão dos homens".

"Ó paredes, dizei-me. "Eu quero a estrela da manhã !". Dizei-me o endereço dela. Ó sala capitular, ó claustros, ó antifonários com iluminuras, ó sinos brônzeos, estatuazinhas , capitéis, afrescos, casulas, pesadas estalas, pedras, faces, madeiras e ouro, tapetes, cálices, relicários , retábulos e móveis, crucifixos e virgens, falai ! Um sussuro que nos chegue. Que monólogo é este, dia e noite entretido ? Sombras, sombras, sussurai-me, segredai-me. Todo esse passado, esse peso, essa pátina, pureza, pecado".

"O homem morre para sempre. O abismo da morte não devolve ninguém. E então, lentamente, fui percebendo que só nos resta uma atitude, menos que atitude, uma postura - a tranquila dignidade de quem sabe e não se desespera".

"Ó interminável estrada, ó ruas do mundo, ó caminhos da vida, ó rio dos homens por onde incessantemnte rolamos como gloriosos destroços !".

"Ó caminhante sombrio e só ! Sempre sentiste o efêmero de tudo. Nunca pousaste, nem repousaste em nada. Nunca tiveste sossego. Fosto sempre um peregrino em perigo".

"Isto é apetecível, uma casa, com mulher e meninos, para a noite do homem. Nunca terás isto, ó incauto viajante, ó ser noturno, abandonado e trágico, nunca terás o limpo sossego dos homens. Não o terás, porque o recusas, ó louco, ó orgulhoso, ó só. Não conhecerás nunca a meiga tranquilidade dos serões sem agitação : viverás como um condenado, sem casa, entregue à nostalgia do paraíso absurdo, sem chave, sem nada. Caminharás sem fim. Nunca chegarás".

Posted by geneton at maio 31, 2005 11:22 PM
   
   
Copyright 2004 © Geneton Moraes Neto
Design by Gilberto Prujansky | Powered by Movable Type 3.2