LONDRES - O escritor Chico Buarque de Hollanda recebeu ,em Londres,um julgamento em dose dupla (primeiro,verbal;depois,por escrito) de um dos mais bem sucedidos autores brasileiros - Rubem Fonseca,o recluso autor de sucessos como ''A Grande Arte'' e ''Agosto''.
O cenário não poderia ser mais londrino : às margens do Rio Tamisa,no Royal Festival Hall,num salão de onde se podia avistar,através das grandes vidraças,a imponência do Big Ben,numa noite clara deste fim de primavera britânico. Os escritores Rubem Fonseca,Chico Buarque,João Gilberto Noll e Patrícia Melo participaram de uma sessão de leitura de trechos de seus livros. Seguida de um rápido debate com o público,a sessão foi promovida para marcar o lançamento da tradução inglesa de obras de Fonseca(''The Lost Manuscript''/''Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos),Noll(''Hotel Atlantico''),Patricia Mello(''The Killer''/''O Matador'') e Chico Buarque(''Benjamin'' e ''Turbulence'').
Diante de uma platéia que superlotou o auditório de uns cento e cinquenta lugares,Rubem Fonseca,o escritor que jamais dá entrevistas,assumiu o papel de defensor público das virtudes literárias de Chico Buarque. A reação de Fonseca foi causada pela pergunta deste correspondente - que quis saber o que é que Chico Buarque tinha a dizer aos críticos que o consideram uma espécie de ''intruso'' entre os escritores.
Bem-humorado,Chico Buarque disse que se limitaria a traduzir para o inglês a pergunta,feita em português,porque Rubem Fonseca é que iria responder. Fonseca aceitou a missão,na hora.Depois de dar uma baforada num charuto,disse,em inglês :
-Quero dizer que Chico Buarque sempre foi um escritor - a vida inteira.E é um poeta.Noventa e nove por cento dos críticos elogiaram os livros de Chico.Somente um crítico o tratou como um ''outsider''.Somente um ! Nós,escritores,consideramos Chico Buarque um escritor.Em nome de todos os escritores,quero dizer que temos orgulho de ter Chico Buarque entre nós !
O rápido discurso de Fonseca foi saudado por demorados aplausos da platéia.Célebre não apenas pela sucesso de seus contos e romances,mas também pelo horror que devota a entrevistas, Fonseca ofereceu uma surpresa à plateia que foi ver e ouvir os quatro autores brasileiros em Londres. Quem esperava ver um autor sisudo descobriu que,quando sai da ostra,o arredio Fonseca é um orador extremamente simpático e bem-humorado,capaz de arrancar risos e aplausos da platéia em meio à leitura. Ao ler,em inglês,um conto sobre um escritor que provoca paixões mortais nas amantes, Fonseca demonstrou possuir habilidades de ator,através de pausas,inflexões,silêncios e gestos que prenderam a atenção dos espectadores.
A leitura do conto de Fonseca se estendeu por quase meia hora,mas ninguém reclamou da demora.Pelo contrário. Sentado na primeira fila,Chico Buarque nem piscava,totalmente absorvido pelo espetáculo de Fonseca. Habituado a encarar grandes platéias em seus shows de musica,desta vez o tímido Chico se transformou no mais atento espectador de um inesperado show man : Rubem Fonseca,justamente o escritor que passa a vida evitando todo e qualquer contato com o público - pelo menos através da imprensa.
Vestindo um paleto marron claro,sem gravata,com barba branca e grisalha e cabeleira rala,Rubem Fonseca terminou se mostrando o mais desenvolto entre os autores na hora de fazer uma performance no palco improvisado. Terminada a leitura de trechos das obras de cada um,os autores enfrentaram uma sessão de autografos. Rubem Fonseca aproveitou a chance para dar por escrito,ao autor da pergunta sobre a reação dos críticos aos livros de Chico Buarque,um veredito de cinco palavras,datado e assinado(''Rubem Fonseca -June,1997''):
- Chico é um grande escritor.
Sentado ao lado de Chico Buarque,a quem mostrou a frase que acabara de escrever num exemplar da edição inglesa de ''Estorvo'',Rubem Fonseca estava sorridente,mas não escondia uma ponta de irritação com a citação aos críticos que questionaram o sucesso literário de Chico :
- ''Qual é,oh cara ?'' - disse a este correspondente.
Se depender da critica britânica,Rubem Fonseca não terá nenhum motivo para se preocupar com o amigo : ''Estorvo'' mereceu elogios dos críticos de jornais importantes como The Times (''A qualidade da prosa efetivamente exprime a desorientação de uma sociedade no abismo da anarquia'') e ''Independent''(''A técnica narrativa é tao imprevisível quanto um trecho de uma improvisação de jazz'').
(1997)