abril 24, 2004

JANET ("PSICOSE") LEIGH

Silêncio ! A vítima do assassinato mais famoso das telas vai falar


LONDRES- Um banho de chuveiro num hotel de beira de estrada. Somente a mão de um gênio poderia transformar um gesto tão banal em sinônimo de medo, suspense, terror, mistério, agonia. Alfred Hitchcock, o mestre do suspense, conseguiu. A cena do assassinato do personagem interpretado por Janet Leigh em “Psicose” já foi escolhida por críticos franceses como “a mais memorável” da história do cinema.
Filmada em setenta ângulos diferentes durante sete dias, a sequência do chuveiro dura apenas quarenta e cinco segundos, mas já rendeu quatro décadas de fama a Janet Leigh , uma atriz de sorte que parece estar sempre no filme certo na hora certa. Quando o Los Angeles Times resolveu fazer a lista das cinquenta melhores produções de todos os tempos, descobriu que Janet Leigh é a única atriz que aparece em três dos filmes mais votados : “Psicose” (Alfred Hitchcock), “Touch of Evil” (Orson Wells) e “The Manchurian Candidate” (John Frankenheimer).
“Psicose” chegou às telas em junho de 1960. A fascinação exercida por esse clássico do suspense é tanta que até hoje, nos encontros de Janet Leigh com fãs e jornalistas, “Psicose” termina sempre se transformando em assunto principal. Não há como escapar: Janet Leigh será sempre Marion Crane, a vítima de Norman Bates, o psicopata interpretado com brilho por Anthony Perkins. Aos 68 anos de idade, ex-mulher de Tony Curtis, com quem formou um dos mais badalados casais de Hollywood, mãe das atrizes Jamie Lee Curtis e Kelly Curtis, Janet Leigh resolveu escrever, em parceria com Christopher Nickens, um livro sobre a saga que viveu sob o chuveiro.
Lançado na Inglaterra pela Pavillon Books, o livro se chama, como não poderia deixar de ser, “Psicose”, (Psycho). Afastada das telas, Leigh pretende fazer carreira como romancista. Mas dificilmente a Janet Leigh romancista se livrará da sombra de Marion Crane. Nesta entrevista , Janet Leigh revela que o filme que a consagrou também lhe trouxe ameaças que até hoje se repetem – na vida real. Hitchcock não imaginaria roteiro melhor.

- Você ficou famosa como personagem da cena do assassinato no chuveiro em “Psicose”. Quando entra no chuveiro você ainda hoje se lembra da cena?

JL.: “Mas eu não tomo banho de chuveiro...”

-O motivo é o filme?

JL.: “Sim: Eu nunca tinha imaginado, antes, o quanto ficamos vulneráveis quando estamos no chuveiro. Ficamos completamente vulneráveis! Eu nunca tinha pensado neste detalhe- até ver a cena do chuveiro na tela. Hoje, prefiro não tomar banho de chuveiro. O fato de eu não poder ver o que se passa do outro lado da cortina enquanto estou tomando banho me incomoda. Prefiro usar a banheira. Ainda assim, quando estou na banheira gosto de ficar olhando para a porta. Se tomar banho de chuveiro for a única alternativa, num lugar onde não exista banheira, eu então deixo a cortina aberta. O chão fica todo molhado, mas pelo menos eu posso ver o que se passa em volta...
Para dizer a verdade, durante a filmagem da cena do crime do chuveiro não fiquei assustada, talvez porque tudo é feito aos poucos, em meio a várias repetições. Quando vi a cena editada, na versão final do filme, é que senti todo o horror daquele grito. Era como se eu estivesse sentindo cada golpe daquela faca. Fiquei aterrorizada.”

-É verdade que ainda hoje você recebe cartas e telefonemas ameaçadores?

J.L.: “É verdade. Gente estranha me manda cartas dizendo: ‘Quero fazer com você o que Norman Bates fêz com Marion no chuveiro.’ São ameaças sinistras. É terrível. Um chegou a mandar uma fita descrevendo o que queria fazer. Ainda hoje preciso de vez em quando trocar o número do meu telefone. Um dos autores de ameaças me telefonava perguntando: ‘Posso falar com Norman?’. Eu respondi: ‘Deve ter sido engano.’ A voz do outro lado insistia: ‘Não é engano. Não é do Motel Bates?’.”
-Você levou a sério alguma dessas ameaças?

J.L.: “Uma vez chamei o FBI. Um diretor amigo nosso, Mervyn Le Roy, estava nos visitando logo depois de fazer um filme sobre a história do FBI. Resolvi mostrar a ele as cartas. Imediatamente ele me sugeriu que o FBI fosse avisado. Agentes vieram à minha casa. Dois dos autores de ameaças terminaram localizados. Os agentes disseram que é difícil saber quando é que uma ameaça dessa representa um perigo real ou quando não deve ser levada a serio.”

- Uma das lendas que correm sobre “Psicose” diz que Alfred Hitchcock mandou abrir de repente a torneira de água fria durante a filmagem da cena para obter de você uma expressão de espanto...

J.L.( interrompendo): “Não, não, não. Não é verdade. Pelo contrário: Hitchcock fez questão de que a água ficasse na temperatura correta, para que eu não sentisse desconforto. Sou uma atriz. Posso demonstrar medo numa cena. Não preciso de água fria...”

- Qual foi o grande problema que você enfrentou na hora de fazer a cena no chuveiro?

J.L.: “Hitchcock queria que eu usasse lentes de contato para que, nas imagens em close, logo depois do assassinato, eu parecesse realmente morta. O oculista, no entanto, disse que as lentes só ficariam prontas em seis semanas. Não daria tempo de esperar. Tive de fazer tudo sem lente de contato.”

- O que é que mais lhe chamou a atenção em Hitchcock durante a
filmagem?

J.L.: “Fiquei impressionada com o fato de que ele jamais olhava através do visor da câmera. Perguntei por quê. Hitchcock me respondeu: ‘Não preciso olhar através do visor. Já sei onde a câmera vai ficar; já sei quais as lentes que vou usar. Então, posso saber exatamente como é que a imagem vai aparecer.’
A verdade é que ele sabia de tudo tão bem que nem precisava olhar através da câmera .
Houve também uma cena de bastidores que me impressionou. Hitchcock queria gravar um som que sugerisse uma faca ferindo o corpo. Um assistente trouxe para o estúdio vários tipos diferentes de melão. Passou, então, a cortar cada um com uma faca. De costas para o assistente, sem olhar em nenhum momento para trás, Hitchcock escolheu, pelo som de faca, qual era o tipo de melão que deveria ser usado...”

Você trabalhou com grandes diretores, como Hitchcock e Orson Wells. Que comparação fez entre os dois?

J.L.: “Tive sorte de trabalhar com talentos tão fantásticos quanto Orson Wells, John Frankheimer e Fred Zinemann. Trabalhei com os melhores. Orson Wells e Hitchcock eram o oposto um do outro. Os dois eram gênios, mas Orson Wells era mais espontâneo e improvisador, ao contrário de Hitchcock, um diretor que planejava cada take com detalhes.”

“Psicose” representou, para você, o sucesso internacional mas também um drama: você recebeu a notícia de que seria a última vez que trabalharia com Hitchcock. Por quê?

J.L.: “O que aconteceu foi que devido ao grande sucesso de “Psicose”, o próprio Hitchcock me disse que ,se voltássemos a trabalhar juntos, não importa quanto tempo depois, o público imediatamente relacionaria o novo filme a “Psicose”. Isto afetaria então, o novo filme que estivéssemos fazendo.
Eu queria trabalhar de novo com Hitchcock. Mas penso que ele estava absolutamente certo ao apontar esse risco.”

Um jornal inglês publicou há pouco que você tinha abandonado a carreira porque já estava cansada da “hipocrisia” de Hollywood. É verdade?

J.L.: “Não sei de onde tiraram esta idéia. Diminuí o ritmo de trabalho porque achei que esta seria uma atitude justa para com meu marido e minhas filhas. Passei a aceitar apenas tarefas que pudessem ser cumpridas em pouco tempo.”

Tanto tempo depois , você ainda responde a perguntas sobre a cena do assassinato no chuveiro. Você compararia esta cena com que outra, na história do cinema?

J.L.: “Não consigo pensar em outra cena que venha imediatamente à lembrança como algo tão chocante. Não consigo pensar em nenhuma. Houve, é claro, outros momentos memoráveis em filmes, mas esta cena parece ser aquela que o público se lembra- em estado de choque...”

Você teve uma carreira de sucesso, mas é sempre lembrada como a Marion Crane de “Psicose”, assim como Anthony Perkins será sempre lembrado como Norman Bates. O fato de ser lembrada por apenas um filme- e particularmente por uma cena- lhe traz algum incômodo?

J.L.: “Em nosso ofício, trabalhamos duro para criar imagens. Ser parte de uma imagem que vai ficar para sempre é algo notável. Fico orgulhosa. “Psicose” é um filme que já dura 35 anos. É o sonho de todas as atrizes.”

Você visitou o Brasil no início dos anos sessenta. Que lembrança guardou dessa viagem?

J.L.: “Visitei o Brasil duas vezes. A primeira foi em 1960. Percorri seis cidades, numa visita organizada pelo USIS, o serviço de divulgação dos Estados Unidos. Depois, participei de uma entrega de prêmios cinematográficos. Uma vez, quando estávamos a caminho da inauguração de um centro para a juventude, cruzamos com um grupo que ensaiava para o carnaval, num subúrbio do Rio de Janeiro. Todo mundo estava dançando na rua. Pedi que nosso parasse. Gosto de dança e de música. Começei a dançar. Um homem- que estava ali, no meio da rua- começou a dançar sem olhar para o meu rosto. Quando a música acabou, ele, quase ajoelhado, me olhou atentamente. Somente aí é que exclamou: Mas é Janet Leigh!...”


(1995)


Posted by geneton at abril 24, 2004 11:58 AM
   
   
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