março 09, 2004

IVAN LESSA

O AUTO-EXILADO IVAN LESSA DIZ BYE,BYE,BRASIL -PARA SEMPRE

Atenção,arrivistas,subliteratos,emergentes,
poetastros,politiqueiros,novos ricos,velhos baianos e poderosos em geral : já podeis respirar aliviados.Porque uma das mais ferinas penas já surgidas sob o sol da ex-Terra de Vera Cruz acaba de confessar,sem pompa nem solenidade : não voltará jamais ao Brasil.Acabou.Já era.Bye,bye Brasil - dessa vez é para sempre.O nome da fera ? Ivan Lessa,claro.A confissão foi feita em Londres.(Que confissao ? Que pompa ? Que Londres ? Que Brasil ? - perguntará,em silêncio,nosso inquieto personagem,enquanto caminha,circunspecto,por suas florestas interiores).
Que ninguém pense que Mister Lessa - uma das mais reluzentes estrelas de uma geraçã marcada por monumentos jornalísticos do porte de Paulo Francis e Millor Fernandes - foi acometido por algum surto extemporâneo de antibrasileirice aguda.Pelo contrário.Longe do país há ininterruptos vinte e um anos,desde que trocou o sol escandaloso do Rio de Janeiro pelo cinza made in Britain,Ivan Lessa cultua,a distância,suas paixões brasileiras.Todo dia dá uma navegada na Internet à procura de notícias da pátria-amada-idolatrada-salve-salve.E’ especialista em MPB.Provocado,é capaz de recitar horas sobre os tempos (áureos ? prateados ?) em que as ondas da Rádio Nacional embalavam o Gigante-pela-própria-natureza,ali pelos anos quarenta,cinquenta.(Que sol escandaloso ? Que cinza ? Que navegada ? Que gigante ? Leave me alone ! Deixem-me em paz ! - repetirá,levemente irritado,enquanto desliza pelos corredores da estação de Holborn).

Todo dia sai de casa,em Londres,para cumprir expediente no Servico Brasileiro da BBC.Depois de 7.665 dias sem rever o Brasil,deu-se conta de que não,não planeja voltar - nem em sonho.Deve estar,intimamente,se perguntando,como o poeta Drummond no verso famoso : ‘’Nenhum Brasil existe.E acaso existirão oa brasileiros ? ‘’.Mas o Brasil de Ivan Lessa existe,sim : é pessoal e intransferível.Dispensa o contato físico.(Que 7.665 dias ? Que sonho ? Que Brasil ? Que contato ? Leave me alone,please ! - bradará,por seus alto-falantes internos,enquanto passa a vista pela primeira página do Financial Times).

Uma vez por ano,Mister Lessa vai passar férias com a mãe,a cronista Elsie Lessa,em Portugal.A ponte aérea Londres-Lisboa,com eventuais escalas em Paris,lhe basta.
A visão de Ivan Lessa dedicado a fazer transmissões radiofônicas de Londres para o Brasil desperta uma dúvida inevitável : não será um caso escandaloso de desperdício de talento ? Quem conhece um ouvinte regular das transmissões da BBC,em português,para o Brasil ? Cartas à redação.Em todo caso,o sentimento de desperdício pode ser parcialmente atenuado : graças ao zelo da mãe - que guardou os originais das crônicas - e à dedicacao de uma colega de trabalho - que organizou o volume - os leitores saudosos do Ivan Lessa dos tempos do Pasquim ganharam de presente,neste final de 1999,um recem-lancado volume de crônicas,’’Ivan Vê o Mundo’’. Aos 64 anos,amarga,sem dramatizar,a ausência da alma gêmea,Paulo Francis.’’Eu estou tendo agora de lidar com um buraco enorme chamado Paulo Francis,que,de repente,sem mais nem menos,se abriu diante de mim.O estrangeiro é espantosamente real,irreversível.Não me há mais Brasil.Fim de papo.Nao tem mais ninguém do outro lado da linha’’ - escreveu na revista ‘’Veja’’ nos dias seguintes á morte do amigo de quase cinco décadas.Senhoras e senhores : com a palavra,Mister Lessa - ferino,inquieto,irônico,brasileiro como nunca.
(Que zelo ? Que desperdício ? Que alma gêmea ? Que brasileiro ? Um Valium,urgente ! - murmurará,enquanto se mistura,anônimo,aos frequentadores das livrarias da Charing Cross Road).

O DECáLOGO DE IVAN LESSA :

1.‘’EU ESTOU POR FORA DE ORIXÁ,ARAÇÁ AZUL,ODARA E MANDACARU VERMELHO !’’.

2.‘’O BRASIL DEVERIA ESQUECER O CINEMA.SOMOS RUINS’’.

3.‘’PATETA,MICKEY E O PATO DONALD SAO VIZINHOS MELHORES DO QUE O PESSOAL QUE INFESTA A BARRA DA TIJUCA’’

4.‘’NAO HA MOTIVO ALGUM PARA NOS SENTIRMOS ‘A VONTADE DO MUNDO !.OS ALIENIGENAS SOMOS NOS’’

5.‘’O CALOR DA SONO.O FRIO ME CIVILIZA’’

6.’’NAO QUERO ENTRAR COM MEU PLANGENTE VIOLAO DO SAUDOSISMO,MAS O NOSSO JORNALISMO PIOROU.MUITO MESMO’’.

7. ‘’SEMPRE FUI MUITO MAIS VELHO E MUITO MAIS CÉTICO QUE PAULO FRANCIS’’.


8.‘’AINDA ESTOU MOCO.SO TENHO 64 ANOS.PODE SER QUE A DEPRESSAO AINDA VENHA’’.

9.’’O QUE ACHO TRISTE E’ O FATO DE O MEU LIVRO SAIR !’’.

10.’’UMA DAS VANTAGENS DE ESTAR FORA E’ QUE SO RECEBO O DISCO DE CAETANO VELOSO : NAO SOU OBRIGADO A OUVIR AQUELAS TOLICES ENORMES E AQUELAS BOBAJADAS DAS ENTREVISTAS’’

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1-Voce diz numa cronica que o mundo é um lugar estrangeiro,’’assim que a gente bota os pés na rua,fora de casa’’.O sentimento de estranheza diante do mundo é indispensavel á vida intelectual ou é algo que voce sempre teve ?
Ivan Lessa : ‘’Voce me faz ficar serio...A gente vai ao Camus,a ‘’O Estrangeiro’’,o encontro com o outro.Mas olhe aqui : nasci em Sao Paulo; garoto ainda,a primeira vez que entrei em colegio foi nos Estados Unidos; quando voltei, fui para o Rio.Depois,garotao ainda,fui para Paris.Isso nao quer dizer nada,era viagem.Mas acho,sim,que o homem é estranho na terra.Deve manter,por uma questao de saude mental,essa sensacao de ser um estrangeiro aqui,no meio de arvores,pedras e seja la o que for.Os alienigenas somos nós ! E’ isso mesmo,e’ isso mesmo : manter a sensacao de ser um estrangeiro tem um lado muito saudavel.Nao ha motivo nenhum para voce ficar muito á vontade no mundo ! Nao ha motivo para que se diga ‘’estou á vontade’’.Nao,nao.Fique com uma certa timidez.Isso é bom : manter uma certa distancia’’.

2- A essa altura,a ausencia prolongada do Brasil (vinte e um anos) ja se transformou num acontecimento importante em sua biografia.Nao vou perguntar por que é que voce passou tanto tempo sem ir ao Brasil...

Ivan Lessa(interrompendo): ‘’Que bom ! ‘’.

Mas vou perguntar : voce planeja voltar um dia ?

Ivan Lessa : ‘’Nao planejo,nao planejo mesmo ! Nao digo que nao,porque ai parece implicancia.Mas simplesmente nao e’ algo que esteja em meus planos.O que planejo é passar novamente as minhas ferias de julho,no ano que vem,em Portugal,porque tenho um apartamento la.E’ uma coisa de rotina.Sou rotineiro.Gosto de rotina porque a rotina me ajuda a me situar no mundo e a me sentir menos estrangeiro.Eu sei que,em novembro,darei uma chegada a Paris.Disso tudo eu sei porque sao meus planos.Mas voltar ao Brasil nao está nos meus planos,simplesmente.Nisso nao vai birra nenhuma,querela nenhuma,disputa nenhuma.Nao estou reclamando da acustica da platéia,ao contrário de Joao Gilberto...’’.

3- Sao irritantes para voce essas teorias que se facam sobre ‘’porque é que Ivan Lessa nao volta ao Brasil’’ ? O motivo pode ser pessoal : sua mae mora em Portugal,voce vai passar as ferias la e ponto final...

Ivan Lessa : ‘’Sou ruim de numero.Quantos sao na diaspora brasileira ? Nos,que estamos no estrangeiro ? Quantos somos nos,agora ? Ha um milhao de brasileiros no estrangeiro ? Entao,pergunta a eles tambem ! Nao estou sendo desaforado com voce,voce sabe que nao.Eu sou apenas um imigrante a mais que foi tentar uma vida melhorzinha no estrangeiro.Ponto’’.


4- Uma das coisas que o fizeram sair do Brasil foi a mania do brasileiro de assoviar dentro do elevador.Qual é a outra mania brasileira que lhe ‘’dá nos nervos’’,como voce gosta de dizer ?

Ivan Lessa : ‘’Informalidade ! Pra resumir numa frase : pegar na gente.Voce sabe o que é que quero dizer ? Ingles nao pega em voce!.Mas se voce me encontra ou se eu encontro voce na rua e eu digo ‘’Ola,Geneton,como é que vai ?...’’e fico pegando,fico catucando...E’ como aquele camarada que,ao falar com voce,cola a boca no seu ouvido,como se voce fosse surdo.Dá para fazer toda uma galeria de tipos desagradaveis,num plano leviano...’’.

O ingles se limita a um aperto de mao,na primeira vez...

Ivan Lessa : ‘’Uma apresentacao,um aperto de mao,como diz o samba de Francisco Alves.Mas ás vezes apertam a mao outra vez,quando veem voce novamente.Frances é que aperta a mao o tempo todo.E’ um motivo para nao ir muito á Franca.Se eu trabalhasse com voce num escritorio e todo dia apertasse a sua mao na hora de chegar e na hora de ir embora...Há uma certa pegacao.E essa pegacao pode ser transcendental : podem querer pegar na sua alma tambem ! Pegar no seu pé,pegar na sua alma,voce pode estender a metáfora’’.

Uma das coisas que falam -bem- do brasileiro é esta efusao...

Ivan Lessa : ‘’Nunca vi ninguem falar bem ! Nao estamos saindo com as mesmas pessoas...’’.

Quando comparam o brasileiro com estrangeiro...

Ivan Lessa(interrompendo) : ‘’Mas efusao para mim
é barulho ! Um dos motivos por que saí -mesmo ! mesmo ! - é que eu nao podia nem conversar na sala com um amigo quando morava no decimo-primeiro andar na avenida Atlantica,esquina com a rua Bolívar,no Rio,em cima de um bar chamado,veja voce,Transa ! Isso que voce chama de ‘’animacao’’...Lúcio Alves ia cantar la em casa,eu tinha de fechar as janelas por causa do barulho - que criava um ‘’funil acustico’’ capaz de enloquecer qualquer Joao Gilberto ! E sem ter um Caetano para mediar !’‘ (Ivan Lessa se refere ao episodio da vaia sofrida por Joao Gilberto na inauguracao de uma casa de espetaculos em Sao Paulo,num show em que Caetano tentou conter a reacao da plateia).

5- De que maneira voce detectou,fora do Brasil,uma piora nos modos do brasileiro ? Isso foi através do telefone ?

Ivan Lessa : ‘‘Nestas novas geracoes de brasileiros com quem vou me encontrando por um motivo ou por outro,noto,cada vez mais,um excesso de informalidade.O cara que assoviava no elevador -e me irritava - hoje piorou muito mais.Hoje em dia,ele ja entra assoviando dentro da minha alma,nao apenas no elevador’’.

6- A vaia a Joao Gilberto criou um certo escandalo,porque abriu um precedente : um monumento da MPB levando uma vaia durante um show.Isso assustou voce ? Em que situacao voce justitificaria uma vaia a esses monumentos da MPB ?

Ivan Lessa :’’Nao me assustou.Com todos ‘’esses’’e
‘’erres’’,nao.Em 1958,eu,com vinte e tres anos,economizo meu dinheiro para ir ver Billy Ecstein cantar no Fredy’s,na esquina da avenida Princesa Isabel com Atlantica.Peguei uma mesa quase ao lado do palco.Entre mim e o palco,havia uma mesa com Abrahao Medina e Sonia Dutra.Nesta epoca,Abrahao Medina patrocinava nada mais,nada menos que o programa ‘’Noite de Gala’’,em que Billy Ecstein iria se apresentar na segunda-feira.Eles falaram o tempo todo ! Billy Ecstein,entao,parou de cantar e pediu para eles calarem.Delicadamente.Eu estava alivendo o Billy Ecstein fazendo aquilo,porque a importancia de Billy Ecstein para mim é uma loucura.Para quem tem vinte e tres anos e economizou para ver o show...Ele estava cantando ‘’Blue Moon’’.Se em 1958 este era o comportamento da plateia com um astro internacional,por que é que vao interromper o papo para um sujeito chamado Joao cantar ou tocar violao ? Nos somos muito mal-educados ! E’ o negocio do cara que entra assoviando no elevador.Ha gente que nao assovia no elevador,so assovia no show de Joao...’’.

Caetano Veloso deu,depois,uma entrevista irritada dizendo que eram cinquenta imbecis.....

Ivan Lessa(interrompendo) :’’Deu uma entrevista irritada,mas era uma daquelas falas demagogicas dele.Disse que os que vaiavam ‘’nao me estao no coracao’’ ou algo assim.Em vez de chamar de filhos da puta ! Rodou a baiana,mas rodou muito mal pra cima deles.Deveria ter dito assim :’’Respeitem ! Joao está reclamando da acústica ! Parem de fazer barulho!’’- e nao ficar falando ‘’meu coracao nao se alegra...’’.
Nao ! Respeitem o artista,deixem-no cantar,mesmo que fosse uma merda ! Mas deixem que ele cante.Fiquem quietos por cinco minutos.Nao demora mais do que cinco minutos uma música !’’.

Um caso que foi lembrado,porque envolvia gente da estatura de Joao Gilberto,foi a vaia que Tom Jobim e Chico Buaque levaram naquele festival em que cantaram ‘’Sabiá’’...

Ivan Lessa : ‘’Mas ali havia torcida,era festival no Maracanazinho,povao,todos eles insuflados,incentivados pela Globo.Aquilo vai adquirindo um clima de Fla-Flu,coisa que nao havia no Credicard Hall.Era um pessoal que pagou - ou nao - apenas para ver um cantor.O pessoal,no Maracanazinho,estava torcendo,’’eu torco por Tom Jobim’’...Nao era o ano de Geraldo Vandré ? Ele todo de preto,naquela epoca so ele e o violao.Mas aí é pra torcer.Se voce nao torcer num Fla-Flu,se quer ficar sentadinho,deve ter algo de errado com voce.E’ melhor vir para Londres,porra ! ‘’.

7- Quando publicou o primeiro romance,’’Cabeca de Papel’’,Paulo Francis ficou deprimido ao constatar a falta de repercussao cultural do que se faz no Brasil.Francis achava que o romance iria ter uma repercussao muito maior.Disse que ficou deprimido,deitado,olhando para o teto.Voce tem tambem tem essa sensacao ? Assim como Paulo Francis,voce acha que o Brasil vive num ‘’sertao cultural’’ ?

Ivan Lessa : ‘’Francis era meio ingenuo em certos trocos.Eu disse : ‘’Oh,rapaz,esse negocio de romance,livro,o pessoal fala pra burro,voce da entrevista de duas paginas pra Veja e pra Istoé,sai nos quatro jornais de sempre -Folha,Estadao,Globo e JB - e depois acabou ! E’ isso mesmo,porra !.Assim como aqui na Inglaterra,voce vai e escreve um novo romance ! Investe mais dois anos nisso !’’.
Mas Francis nao pegou isso.Nesse ponto,eu sempre fui muito mais velho e muito mais cético do que Francis : talvez por este motivo ‘e que ele tenha ido para Nova Iorque e eu para Londres’’.

...Paulo Francis teve sucesso como romancista...

Ivan Lessa : ‘’Mas ele tinha o ‘’post-romance-tristis...‘’.Adaptando o post-coitum tristis,é o que tinha.Ficava deprimido.Mas nao penso em sertao cultural nenhum nao.Eu acho que ha sertao cultural sim,mas nao por causa do livro de Francis.Ele estava partindo do livro que tinha lancado.Eu nao tenho porra nenhuma.O que acho triste é o fato de o meu livro sair ! Fiz as cronicas na esperanca de que fossem se perder no eter...Eu nunca guardei copia’’.

8-...Mas voce nao guarda o que voce escreve ?

Ivan Lessa : ‘’Nao ! Quem guarda isso é mae,tia...
9- Sua mae nao guarda ?

Ivan Lessa : ‘’...Mas essas cronicas so sairam porque minha mae guardou ! Eu escrevi entre 1978 e 1992 para o servico brasileiro da BBC.Revezava,nos primeiros anos,com Vamberto Morais.Num domingo era eu,no outro era ele.Depois,fiquei eu.Sao quatorze anos de cronica.Eu escrevia em casa,entrava no estudio,gravava,botava aquela fita amarela no comeco e a vermelha no fim e deixava la numa caixa azul,com uma copia para que o sujeito que fazia o transmissao da noite soubesse o comeco e o tempo.Depois,alguem arquivava la.Mas eu nunca guardei copia pra mim.Um dia,uma secretaria escocesa estava limpando la e me perguntou : ‘’Voce quer isso aqui ? ‘’.Era um punhado de cronicas,um cadernao daqueles grandes.Eu disse : quero.Por um acaso,era fim de ano,epoca em que minha mae vem para ca,passar o Natal.Botei tudo dentro da pasta de trabalho,chguei em casa e disse : ‘’Elsie,voce quer isso aqui ?’’.Entao,ela levou tudo com ela,para Cascais,Portugal.
Helena Carone - que estava preparando um livro baseado em contribuicoes que eu fazia sem script para a parte cultural das transmissoes do servico brasileiro da BBC - iria fazer a transcricao do que eu tinha falado com ela.Mas ai eu estava em Cascais,como todos os anos,monotonamente,passando minhas ferias,mexendo na caixa da Elsie depois do almoco.Terminei achando as cronicas.Desci,fui ao portugues la de baixo tirar xerox do que sobrou.Desses quatorze anos,sobraram umas oitenta cronicas,so.Trouxe para ca.Dessas oitenta,Helena selecionou quarenta.As menores,as que nao chegam a uma pagina,evidentemente nao eram cronicas : eram transcricoes da minha colaboracao com o programa cultural’’.

Numa gravacao que fez com voce,na BBC,Paulo Francis disse que,diante da sociedade de massas,filistina e mediocre,ele se sentia ‘’tecnicamente morto’’...

Ivan Lessa : ‘’Agora eu me lembro...’’...

10- Voce tem tambem essa sensacao de ser um peixe fora do aquario ?

Ivan Lessa : ‘’Absolutamente ! Absolutamente ! Talvez porque Francis vivesse muito mais no Brasil e dependendo do Brasil.Repare que o dinheiro de Francis vinha do Brasil.Entao,muito corretamente,ele tinha de ir la para regar a flor da carreira dele.De seis em seis meses,Francis estava no Brasil,nao so para rever os amigos - e ele os tinha,muitos - mas para se acertar com o pessoal da Folha e,depois,o Estadao.Francis ganhava em dolar,mas era dinheiro que deixava o país.Eu,nao.Eu ganho aqui mesmo,em Londres.O dinheiro quem paga é o contribuinte britanico.A verba da BBC é do ministerio do interior.Em resumo : o que quero dizer é que nao tenho necessidade de regar a flor da minha profissao.Como ia ao Brasil,Fancis talvez sofresse com esse deslocamento.Dava o choque de ida e vinda.A cada vez que descia no Galeao,sentia uma emocao,possivelmente.A cada vez que descia no Aeroporto Kennedy de Nova Iorque,tambem.Eu,nao.Meus aeroportos sao o Charles De Gaulle,o de Heatrow e o da Portela,em Lisboa,onde me mexo mais’’.

Mas quando Francis se declarava ‘’tecnicamente morto’’ nao estava se referindo apenas ao Brasil,mas a uma situacao geral...

Ivan Lessa :’’Francis tinha uma variacao nos
‘’moods’’.Eu nao traduzi essa.Tinha as suas ruas.Como ‘e que que se diz quando alguem sobe e baixa...’’

Era ciclotimico...

Ivan Lessa : ‘’Tecnicamente era ciclotimico.Eu,nao.Eu estou na media ponderada.Nao sou muito entusiasmado,mas nao tenho depressoes,gracas a Deus.Tambem estou muito moco ainda: so tenho sessenta e quatro anos.Pode ser que venha ainda’’.

Eu me lembro que voce me disse uma vez que quer é ficar na arquibancada - olhando o jogo...

Ivan Lessa :’’Agora,nem na arquibancada !
Quero ver o jogo pela TV a cabo’’.

Em breve,a TV brasileira vai chegar ‘a Inglaterra,por assinatura....

Ivan Lessa :’’Tomei contato com o Brasil agora nas minhas ferias em Portugal,porque tinha o GNT e o Canal Brasil.Vi filme que nao acabava mais.Tudo o que podia.Fico muito tempo em casa,na piscina.Depois que saio da piscina,entro no apartamento e faco questao de ver,tanto a programacao do GNT como,principalmente,os filmes.Honestamente,pra ver chanchadas,essa coisa toda,eu nao morria de saudades.Nao tive surpresa nenhuma em constatar que eram muito ruins.Eu,na epoca,ja achava ruim,mas via e gostava de ver.Já os filmes mais pretensiosos,esses foram uma luta para ver.Puta que o pariu!
Eu acho que,em cinema,a gente é ruim.Cinema a gente deveria esquecer.Com uma excecao.Voce vai brigar comigo : gostei muito de todos os filmes que vi do Julio Bressane.Vi ‘’Bras Cubas’’,’’Tabu’’,’’Matou a Familia e Foi ao Cinema’’ e ‘’Cara a Cara’’.Eu nao tinha visto quando estava no Brasil.Quando morava no Brasil,eu nao via filme brasileiro porque achava um saco.Gostei muito,achei muito pessoal’’.

Julio Bressane tem um estilo...

Ivan Lessa : ‘’Exatamente ! Um estilo urbano,safado - de citacao.Eu sinto que ele faz para seis pessoas,seis entendidos,no bom sentido’’.

Voce escreveu que aqui no Brasil sao trinta pessoas vendo um o que o outro faz...

Ivan Lessa :’’Num artigo sobre 68,eu disse que eram quarenta pessoas fazendo coisas para quarenta pessoas assistirem : teatro,cinema,bossa-nova.Eram so quarenta pessoas.Alias,eram quarenta fazendo e quarenta consumindo.De vez em quando,havia um troca-troca’’.

Um dos dos problemas do cinema é industrial.Se o Brasil nao tem uma industria de ponta,nao vai ter um cinema.Se voce nao tem equipamento de ultima geracao,nao vai fazer,porque cinema nao cai do ceu..Vai haver sempre um problema tecnico...

Ivan Lessa :’’Isso tudo completa o que estamos falando.Nos estamos ligadissimos a tudo o que é americano.Entao,a narrativa vai ser a convencional americana,com comeco,meio e fim americano.Voce pega um filme frances : eles tentam escapar.O nocivo que vem dos Estados Unidos nao e’ que a Barra da Tijuca que sofre nao.E’ o proprio Central do Brasil.

11- O Brasil aparece como sonho ou como pesadelo em suas noites londrinas ?

Ivan Lessa : ‘’Eu estou fora do Brasil ha vinte e um anos enfileirados.Mas sonho é sempre desinteressante,é sempre bobagem.De vez em quando é ruim,é pesadelo.Hoje,segunda,por exemplo,eu entro na Internet para imprimir colunas de Elio Gaspari,Carlos Heitor Cony,Janio de Freitas.Em resumo : passando os olhos,fico horrorizado com o Brasil.Claro que fico.Acho o jornalismo de muito baixa qualidade.O nosso jornalismo piorou muito.Muito mesmo.Nao quero ai entrar com meu plangente violao do saudosismo,mas piorou mesmo.Quanto a sonho e pesadelo,digo o seguinte : até os dez,quinze anos de ausencia do Brasil,um e outro ocontecem.Depois,quando voce completa dezoito anos fora,o Brasil fica longe,no tempo e no espaco.Nesta hora,voce tem de botar Einstein na equacao,porque o negocio fica totalmente imponderavel.O Brasil fica mais distante do que um assunto como o trafico de escravos e a Gra-Bretanha,tema de um documentario que gravei em video ontem e hoje na tv.
Por incrivel que pareca,e’ um assunto que fica mais proximo de mim e dos problemas atuais que vivo no sentido de sair de casa,pegar o metro e ir para o trabalho’’.

12- Voce reclama de que o calor ‘’prega pecas em nossa sensibilidade,inteligencia e discernimento’’.Voce faz alguma relacao entre calor e incivilidade ? Historicamente,parece que existe alguma...

Ivan Lessa : ‘’O calor dá sono.Voce dorme,fica de calcao ou ate pelado.Fica ali pelo Rio,dá uma porrada no peixe.Mas o frio obriga voce a ter roupa,a sair para matar um urso.E’ mais complicado matar urso do que matar peixe.’’Matar urso’’ quer dizer fazer um guarda-roupa de inverno mais adequado.Com o frio,voce tem de fazer casa,é obrigado a produzir calor.Nao adiantar estender a carne no sol- Pernambuco que me desculpe.Entao,vou naquela que diz que o frio civiliza.Qual é o outro lugar comum ? ‘’Nunca houve uma civilizacao abaixo dos tropicos’’.Nao discordo muito.A mim,pelo menos,num aspecto pessoal,o frio me civiliza’’.

Ha o lado estetico tambem : o frio obriga as pessoas a se vestirem melhor...

Ivan Lessa : ‘’Exatamente ! Eu,como estou engordando,disfarco melhor a barriga com roupa de frio’’.

13 - Voce escreve que desenhos e caricaturas de seus amigos,pendurados na parede de casa,parecem dizer : ‘’era uma vez,era uma vez,era uma vez...’’. E’ natural achar o passado sempre mais interessante que o presente ?

Ivan Lessa : ‘’Nao é questao de ser interessante.Ha no livro - o que sobrou das cronicas que faco na BBC - um nitido saudosismo.Quem escrever cronica tem a tendencia a se autobiografar,no sentido de se entender.Eu procuro evitar a babaquice,a nostalgia pela nostalgia,o saudosismo pelo saudosismo,mas e’ uma maneira de a gente se entender e se autobiografar.Todo mundo,numa certa altura da vida,quer se botar em ordem.Já que vimos,neste fim de milenio,que o sofa de Freud nao deu certo,queremos nos botar em ordem,entao.
Mas ha um detalhe que acho importante na ligacao com o passado.E’ uma coisa muito,mas muito importante mesmo.Poucas pessoas entenderam o que vou dizer agora : o passado nao so ajuda voce(nos,a gente,um povo) a se entender,mas tambem nos ajuda a compreender aquilo a que aspirávamos ! Isso é muito importante !.Se voce pegar a arquitetura do Recife ou da Bahia ou do Rio ou de Sao Paulo,ha uma aspiracao ali ! Vamos para Brasilia : ha uma aspiracao naquela arquitetura.Um dia,possivelmente,vao derruba-la para fazer outra coisa em cima.Entao,nao e’ endeusar o repertorio de Orestes Barbosa ou de Noel Rosa...
Alias,devemos endeusar sem esquecer jamais que aquilo e’ uma contribuicao á cultura.Mas a conexao com o passado é tambem a conexao com a nossa aspiracao como um povo,como um todo’’.
O lugar comum é aquele : voce vai ao passado para se entender.Mas é para entender aquilo a que a gente um dia aspirou,rapaz ! ‘’

Quem olhar para a Barra da Tijuca,daqui a trinta anos,vai ver que aquilo é uma copia de Miami,nos Estados Unidos.Hoje,entao,existe um Brasil que aspira a ser Miami...

Ivan Lessa : ‘’Eu li,no New York Times,um artigo excelente sobre a Barra,escrito por um americano,dizendo exatamente isso.O autor do artigo vai enfileirando desde a arquitetura até os nomes dos lugares,feito este Credicard Hall.Eu acho até que ele errou um pouco,ao dizer que o Leblon e Ipanema estavam mais ligados á Franca.Dá como exemplo aqueles edificios do Sergio Dourado,já nos anos setenta,com nomes franceses.Mas ai ele errou,porque nossa influencia francesa é muito anterior,pode ser vista no Teatro Municipal - que é o Opera’’.

14 - Quando a Disneylandia Paris foi inaugurada,os franceses disseram que aquilo era o Chernobyl cultural.Ariano Suassuna escreveu que aquele era o maior monumento á imbecilidade humana.Voce,que esteve la,concorda com essas duas avaliacoes ?

Ivan Lessa : ‘’Sem duvida nenhuma ! Mas acontece que,como tudo o mais,vai ficando natural.Os japoneses devem ter ficado muito mais chocados que os franceses,mas aceitaram docilmente.Os franceses ja aceitaram tambem.Devem rir um pouco das pessoas que vao la.Mas acabam aceitando,como parte da paisagem.Hampstead,aqui em Londres, é um bairro metido a besta,intelctual,mais ou menos como Ipanema nos anos sessenta.Nao tinha McDonald’s la.Para conseguirem abrir um McDonald’s lá,foi uma luta.Entao,fizeram uma fachada meio disfarcada,mas abriram um McDonald’s em Hampstead,sim.Voce acaba aceitando.Vai em frente ! E’ a globalizacao,rapaz,a escrotidao ! E’ essa Barra da Tijuca.O artigo do New York Times lembra que a California tambem aparece na Barra da Tijuca’’.

E’ americana nesse sentido : para viver e se deslocar na Barra da Tujuca,voce tem de ter carro...

Ivan Lessa : ‘’Como na costa oeste americana ! Se a policia ve voce andando,em Los Angeles ou Beverly Hills,
ela para imediatamente para pedir documento.E’ o que estou dizendo : qual é a diferenca entre a Barra da Tijuca e a Disneylandia ? Apenas que a Disneylandia é mais organizada.Pateta,o camundongo Mickey e o Pato Donald sao vizinhos melhores do que o pessoal que infesta a Barra da Tijuca’’.

....Onde havera uma replica da Estatua da Liberdade...

Ivan Lessa :’’A historia da replica da Estatua é que motivou a reportagem do New York Times...’’.

As agencias do Banco do Brasil exibem placas dizendo ‘’personal banking’’ junto dos caixas eletronicos.Sem patriotada : por que nao escrever em portugues ?

Ivan Lessa : ‘’Isso e’ grotesco.Eu abro o jornal.Todo mundo tem ‘’personal trainer’’.Nao ! E’ demais ! Voce aceita,na lingugem da economia,um ‘’over’’aqui,ou uma ‘’net’’,ou palavras como ‘’deletar’’.Mas o presidente da Republica falar em ‘’cenario’’ no sentido de hipotese,nao !
Eu acho um absurdo ! A Academia Brasileira de Letras foi criada para proteger a lingua e para ajuda-la a lidar com inovacoes.Entao,ao inves de ficarem se premiando,deveriam dar uma maozinha,porque supostamente sao alfabetizados ! Nao digo forcar a barra como os franceses tentaram,ao baixar uma lei para que quarenta por cento de toda musica tocada tem de ser francesa...Computador na Franca é ‘’ordinateur’’.O software é ‘’logiciel’’.Pelo menos tentaram.E essas duas palavras pegaram.O aparelho de gravar é ‘‘magnetophone’’.O quero dizer e’ o seguinte : deve haver um esforco no sentido de tentar traduzir.O jornalismo entra aí...’’.

Um deputado brasileiro vem tentando criar uma lei que limite o uso de expressoes inglesas em locais publicos...
Ivan Lessa : ‘’Nao dá.Legislar a lingua nao pode.A Academia Brasileira,ja que é um dos poucos lugares onde ha supostamente intelectuais reunidos,e com algum poder,poderia tentar sugerir.Antonio Houaiss nao estava la com um projeto de reforma ortografica que era uma besteira enorme ? A Folha,o Estado de S.Paulo nao tem manual de estilo ? Sempre que possivel,deveriam tentar traduzir as palavras,porque elas pegam...’’.


15- Voce -que é especialista em musica popular brasileira dos anos quarenta e cinquenta - acha que a MPB daquele tempo era melhor do que a de hoje ?

Ivan Lessa :’’Nao estou no Brasil para acompanhar,mas acho que,em materia de musica popular,a gente é danado de bom.O ultimo que ouvi foi Ginga;qualquer coisa
que Aldir Blanc faz eu acho sensacional.Honestamente ! Outros nunca ouvi.Anunciaram um concerto enorme aqui em Londres com a turma de sempre -Caetano,Gil,Chico Buarque- e uma de quem nunca ouvi falar : Virgínia Rodrigues.O que quero dizer,entao,é que nao estou acompanhando.
Caetanices á parte,eu tiro o chapeu para Caetano Veloso e Gilberto Gil,porque nao sou idiota.Brinco com eles,mas nao sou idiota para nao ver o extraordinario talento que existe ali.Eu acho que estamos melhor em música do que em futebol.Vi trechos do Brasil e Holanda...
Há o lugar comum que diz nos,brasileiros,sempre fomos bons de futebol e bons de música.Somos bons ! Entao,acho que a musica nao piorou...’’.

Houve brigas com os baianos,heranca da epoca do Pasquim,principalmente com Caetano Veloso...

Ivan Lessa : ‘’Jaguar chamava de baiunos...’’...

As brigas eram com Millor Fernandes,o proprio Paulo Francis...

Ivan Lessa : ‘’Os baianos enchiam muito o saco,com muita autopromocao.Era odara,oxala’,como é aquele negocio azul ? Araca azul ! Uma fase de Caetano Veloso.Entao,Caetano tem aquele negocio de se reiventar.E’ a formula de David Bowie, a de ter ‘’personas’’ artisticas.Eu implico um pouco com a parte promocional,mas o produto final,o que me interessa, é o disco.Uma das vantagens de nao estar no Brasil é que so me chega o disco;nao tenho de acompanhar as entrevistas,ver aquelas tolices enormes e aquelas bobajadas que as pessoas sao obrigadas a dizer para promover.
De certa maneira,estou dizendo minhas bobajadas aqui para ajudar a vender o meu ‘’disquinho’’,o livro.
Mas quanto ao produto final nao tenho dúvida nenhuma’’.

16 - Durante anos houve aquela briga do publico,entre aspas,entre Caetano e Chico Buarque,hoje inteiramente superada.Voce chegou a tomar partido ?

Ivan Lessa : ‘’Nao,porque era bobagem tomar partido.Eu poderia gostar mais do que Chico fazia.Meu Deus do ceu : eram anos em que Chico nao errava uma ! Com essa mania de fazer listas neste fim de milenio,se voce tiver de fazer uma lista de cinquenta albuns (vamos falar de albuns conceituais,com comeco,meio e fim),’’Construcao’’,o album de Chico Buarque,é uma loucura,rapaz ! Chico fazia uma atrás da outra.Pá,pá,pá ! Havia,em Chico Buarque,uma consistencia de qualidade que era absolutamente extraordinaria.Entao,eu apenas gostava mais de Chico,o que nao significava que eu fosse brigar com Caetano Veloso.Os dois davam concerto,cantavam juntos aquela ‘’Bárbara,bárbara...’’(cantarola a música do disco ‘’Chico e Caetano Juntos e ao Vivo’’,lancado em 1972).
Entao,essa briga,para efeitos de Pasquim ou de sacanagem no botequim da esquina ou na mesa de bar,tudo bem,acho que vale.Mas - falando serio mesmo - acho que nao vale nao !
Apenas Chico me falava mais.Sou mais urbano; estou por fora de orixá,aracá azul,odara e mandacaru vermelho ! Eu estou por fora dessas porras !
Letra de Aldir Blanc marca minha vida.Eu manjo o ‘’dois pra la,dois pra ca’’.Eu estive lá !’’.



17 - Voce constata que o folego literario brasileiro ‘e curto,com excecao de Euclides da Cunha.Enquanto o resto da America Latina produz escritores que voce chama de ‘’caudalosos’’,nos seriamos ‘’excelentes’’ no ping-pong do conto,com Machado de Assis,Dalton Trevisan,entre outros.Voce nao acha que um pais que,pelo menos grograficamente,tem vocacao para grandeza,como o Brasil,nao deveria produzir tambem uma literatura mais épica ?

Ivan Lessa : ‘’Se nao produzir,ha algum motivo.Cabe a pessoas mais bem qualificadas do que eu entender o por que.
Mas há o reverso do que falei.Eu citei o conto,mas me esqueci de citar os nomes de tres gigantes : Manoel Bandeira,Joao Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade.O que é a poesia se nao a linguagem em alta tensao ?
Voce tem ai tres poetas de estatura mundial em qualquer epoca ! Ja que vivemos esta febre de fazer listas neste fim de milenio,acho que,seguramente,voce pode botar essses tres em qualquer lista dos maiores poeta do seculo ! Voce sabe muito bem que nao sou ufanista nem nacionalista.Era apenas uma cronica o que escrevi.E cronica é para sair no jornal e,no dia seguinte,estar embrulhando peixe,aquela velha historia.Se voce parar e pensar,alem de Dalton Trevisan,Rubem Fonseca ou dos cronistas que nao citei,como Rubem Braga,basta citar estes tres poetas.Nossa Senhora !
O Brasil da um banho em poesia ! Do outro lado do Atlantico,voce tem Fernando Pessoa’’.

18- A presenca do Brasil no exterior se deve basicamente ao futebol - em primeiro lugar - e á musica popular,em segundo.O fato de o Brasil ser sinonimo de futebol e musica e’ sempre um motivo de orgulho ou e’ um incomodo para voce - que vive fora do pais ?

Ivan Lessa : ‘’Para efeito externo,eu faco assim (e sei que estou fazendo conscientemente de birra;se nao,teria enlouquecido ha muito tempo) :’’ah,esse time nao e’ de nada,e’ uma cambada de vagabundos,esse Ronaldinho nao vale porra nenhuma,vai perder para o franceses,eu torco pelo Zidane e essa coisa toda...Mas nao.O que me chateia é o torcedor !.O inimigo é o amigo.O inimigo é esse cara que vive dizendo ‘’somos os maiores,o Brasil ja ganhou,é o tetra,é o penta,Caetano Veloso é o maior do mundo,a musica brasileira é a melhor !’’.O inimigo é esse !’’.

19- Qual é a grande musica brasileira do seculo vinte ? Qual e’ a cancao que voce vai passar o resto da vida ouvindo ?

Ivan Lessa : ‘’O titulo do romance que nao escrevi seria ‘’Nos Astros,Distraido’’.Entao,por ai voce tem uma ideia (N: o titulo vem da letra da musica ‘’Chao de Estrelas’’,o classico de Orestes Barbosa e Silvio caldas).O livro que nao escrevi fala de um camarada que,em 1949,vivia de biscate,um tipo que conheci muito no Rio de Janeiro dos anos quarenta e cinquenta.Era um sujeito que escrevia para Radio Nacional,tentava escrever.Para cinema,ele estava tentando fazer uma daquelas cinebiografias terriveis da Atlantida,filmes de meio de ano,sobre Noel Rosa.Para radio,ele vai tentar fazer a de Orestes Barbosa.Entao,esse era o tema do romance : eu ia levando num tom de deboche.Resolvi escolher 1949 porque em 1949 nao existia ditadura : era Dutra.Ainda nao tinha Maracana e,principalmente,nao existia televisao.E’ por isso que o romance se passava em 1949.Era um tipo que tinha como influencia cultural os cinemas da praca Saenz Pena e o radio que ele ouvia...

Entao,quanto a musica,eu estou entre Noel e Orestes,entre asfalto e morro,se bem que,a rigor,Noel falava de morro mas nao subia morro nao.Era asfalto tambem’’.

20- Voce parou em que altura o romance ?
Chegou a escrever ?
Ivan Lessa : ‘’A sinopse do Noel foi publicada no primeiro exemplar da revista dos meninos do Casseta & Planeta.Eu dei pro Reinaldo’’.


21- Quase tao irritantes quanto as cobrancas sobre por que voce nao vai ao Brasil,deve ser a cobranca sobre por que voce nao escreveu ate agora o romance da sua geracao.Voce nao tem vontade ?

Ivan Lessa : ‘’Nao tenho nenhuma vontade mais.Eu escrevi alguns capitulos,porque tinha um negocio bolado.Mas veio a preguica.Bateu-me o Caboclo Macunaíma.Ai,que preguica(da uma gargalhada)...Pura preguica ! Nada mais brasileiro que Ivan Lessa.Preguica ! Macunaima !’’.

22- Voce confessa que sentiu mais uma manha de sol em Copacabana,num banco com a namorada,do que o suicidio de Ana Karenina de Leon Tolstoi.Isso quer dizer que,invariavelmente,a vida é superior á literatura ? Ou a literatura pode ter tambem o poder de marcar a gente pelo resto da vida,atraves de uma frase,uma passagem ?

Ivan Lessa :’’Eu,levianamente,escrevi essa frase numa cronica.Mas,para ficar pretensioso,qual é o subtexto do que eu escrevi ? E’ que talvez,ao ler Ana Karenina,voce se empolga,acompanha a mulher ate ela se jogar embaixo de um trem,mas,se voce se lembrar dessa meia hora na praca ou num jardim,evidentemente essas experiencias t^em,em voce,um impacto pessoal que a literatura jamais vai dar.Eu posso,agora,ler um poema terrivel,terrivel.Vamos ficar no Joao Cabral.Eu pego o poema O Rio,é um horror aquilo que ele narra,mas é tao bonito,é tao bem-feito que voce sai quase empolgado.Entao,esse é um velho problema de arte : voce pode despertar a atencao para uma coisa,mas termina filmando bonitinho...Tenho um tape guardado com o ‘’Morte e Vida Severina’’,dirigido por Avancini.Ha umas nuvens bonitas.Nunca vai ser o horror que é a vida real.O que quero dizer é que um livro pode me ajudar para que eu busque,em mim,os meus próprios dados para entender certos problemas basicos,como vida,copulacao e morte.Isso soa pretensioso.Minha cronica é leve’’.

23- Logo depois da morte de Paulo Francis,voce deu um depoimento obviamente desencantado dizendo que ja nao tinha interlocutores : ’’Eu so sei que de repente passei a me sentir mais sozinho do que nunca,mais distante ainda de um Brasil que deixou de existir,talvez nunca tenha existido.O estrangeiro e’ espantosamente real,irreversivel’’.A sensacao permanece ?

Ivan Lessa(depois de um breve silencio): ‘’Permanece.Permanece.Mas tudo bem’’.




Posted by geneton at março 9, 2004 12:50 PM
   
   
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